21 maio 2007

O senhor Amadeu


Thomas Ruff

O senhor Amadeu gosta de gatos. A mulher está cada vez mais nova. Mora ali. No sítio onde mora o senhor Amadeu. O beco. A rua do senhor Amadeu. Ali.
O senhor Amadeu sai à noite. Atravessa a rua. Debruça-se. Apanha qualquer coisa do chão. Ou será que deixa. Depois cruza a rua. Torna a baixar-se. Faz isto muitas vezes à medida que avança até ao fundo da rua. É um bailado estranho, sete ou oito bordos, gestos longos de braço, hemibalismos. Tudo rápido, como se tivesse um fito. O senhor Amadeu, quando se volta, parece que sorri. Uma noite aproximei-me. – Boa noite senhor Amadeu. – Boa noite senhor X. E parecia que sorria. O senhor Amadeu envelheceu. A mulher do senhor Amadeu ficou cada vez mais nova, até se tornar numa virgem magnífica. O senhor Amadeu parece uma criança velha. A mulher parece uma mulher muito nova. A dedicação do senhor Amadeu aos gatos já não cabe no beco nem na noite. Este fim-de-semana contaram-me. O senhor Amadeu, com óculos de sol, formato de criança, vai agora até à Avenida. Mais de sessenta bordos, sessenta flexões, sessenta movimentos de braço rente ao chão. Aqui retira um prato, ali põe pão, acolá um pingo de leite. Num sítio limpa, noutro suja, noutro só parece acariciar as pedras, o rasto dos animais.
O senhor Amadeu volta a casa, entra e fecha a porta. Nem deve subir as escadas. Conta até dez. Talvez seja até trinta. Não sei qual é o período do senhor Amadeu. Abre a porta. Lá vai ele outra vez.

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