Para Laurinda Alves, com afecto
Andrés Serrano
Para os que não seguiram o episódio: um dia destes a jornalista Laurinda Alves reuniu à sua volta os amigos e a família. O habitual. Tudo imbuído do espírito Xis, muita emoção e afecto. No final alguém leu um poema brasileiro de Fernando Pessoa que Laurinda considerou”um texto inspirador num fim de tarde inesquecível”:
"Posso ter defeitos, viver ansioso/ e ficar irritado algumas vezes mas/ não esqueço de que minha vida é a /maior empresa do mundo, e posso/ evitar que ela vá à falência."
Até aqui é difícil notar no texto algum aspecto inspirador. Mas a inspiração é como a sageza. Cada um colhe onde menos se pensa.
Mais à frente diz o Pessoa, “ que foi lido em voz alta”:
Ser feliz é (...) agradecer a Deus cada manhã / pelo milagre da vida.”
Pronto, estamos esclarecidos. Grande poema inspirador.
Há coisas assim. Perfeitamente compreensíveis. Se o fim de tarde é inesquecível, até a conta da mercearia parece poesia. Pessoa não escreveu só magníficos poemas, como prova o vol. 3 da sua Poesia Completa. E talvez o poema em causa seja de Eduardo Sá, o heterónimo só recentemente retirado do baú.
O texto de Laurinda saiu no Público. Alguns blogs comentaram-no. O blog da Casa Pessoa (Francisco J. Viegas) gritou: Agarra que é apócrifo. Finalmente, um mês depois, o Provedor do jornal veio esclarecer Laurinda e os leitores. O poema era inspirador, mas não era de Pessoa. Uma pequena inexactidão que não serve para ensombrar a perfeição daquele fim de tarde.
Para o ano, se Laurinda voltar a reunir aqueles amigos e familiares, e ao fim de uma tarde inesquecível quiser ler um texto de Pessoa, um poema verdadeiramente de Pessoa e verdadeiramente inspirador, proponho-lhe a Saudação A Walt Whitman (excerto)
Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui, de Portugal, todas épocas no meu cérebro,
Saúdo-te, Walt, saúdo-te meu irmão em Universo,
Ó sempre moderno e eterno cantor dos concretos absolutos,
Concubina fogosa do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas,
Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões,
Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações,
Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo,
Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes,
E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando-te em Deus.
Cantor da fraternidade feroz e terna como tudo,
Grande democrata epidérmico, contíguo a tudo em corpo e alma,
Carnaval de todas as acções, bacanal de todos os propósitos,
Irmão gémeo de todos os arrancos,
Jean Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir máquinas
Homero do insaisissable do flutuante carnal,
Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor,
Milton-Shelley do horizonte da electricidade futura!
Incubo de todos os gestos,
Espasmo pra dentro de todos os objectos de fora
Souteneur de todo o Universo,
Rameira de todos os sistemas solares, paneleiro de Deus!
Etiquetas: Deus, Fernando Pessoa, media, Xis
2 Comentários:
você é um poco filho da putinha, né não?
ah! e cheira qué viadão tambem! (pela sua prosa)
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