04 setembro 2007

A roulotte da companhia aeronáutica


Kelli Connell, Double Life

Os meus pais vagueiam pela cidade e dedicam-se a pequenos assaltos. Sigo-os, ouço as conversas, sempre entre corridas. A cidade tem sete colinas. Para nós é sempre a descer. Quando regressamos eu adianto-me uns minutos, abro a porta de casa e entro num corredor escuro que acaba numa retrete. A casa está muito desarrumada, o que, com a vida que levamos, não me espanta. Não há comida. Hoje passámos por uma roulotte que vendia objectos estranhos. O meu pai animou-se muito e explicou que era um posto de vendas da companhia aeronáutica, não identificado. Do melhor, e tudo por uma pechincha, disse. O meu pai nunca disse pechincha, nem eu me lembro de utilizar esta palavra sem grande significado para quem, como nós, vive de roubos e achados. Mas dá uma ideia do que o meu pai disse. A roulotte não era completamente anónima, porque tinha um placa discreta com o nome da companhia aeronáutica, não o nome habitual, mas uma contracção anglicizada. Os objectos em exposição eram de ligas leves, PVC, poliuretanos, kevlar. As cores do jade, da lavanda e do apricot. As mulheres dos funcionários da companhia aeronáutica, com blusas claras e saias rodadas, entravam e saíam da roulotte trazendo cartuchos de papel branco, dos que se usam para o pão, dos quais saiam tubos coloridos, como braços de anémonas. Embora sobre nós pairasse a ameaça da policia de intervenção, a cidade parecia amena. Frente à roulotte da companhia aeronáutica demorei-me a tocar os materiais coloridos, sem saber que tocava no poderoso gáudio das mulheres.


(créditos: Miss Alenn)

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