08 outubro 2007

Perda (2)


Rachel Harrison


A minha única experiência comparável à das mulheres de pele transparente foi aos quinze anos. Acreditava num destino grandioso onde a minha glória pessoal se misturava com a vitória dos proletários e o reconhecimento amoroso de uma adolescente que conhecera no primeiro período do Instituto Italiano. Na festa do Natal ela deu-me com os pés e deixou tudo de valer a pena. O prémio Marinetti, o quadro de honra, a preocupação das minhas irmãs e o desaparecimento do cágado. Não sabia que aquela inesperada derrota pessoal iria ser uma das experiências únicas que, com a minha herança genética e o ambiente iriam determinar a minha personalidade. Depois ainda tive a hepatite, a recaída comunista e a Fanny Ardant. Durante algum tempo julguei que só seria amado por mulheres desgrenhadas que tivessem lido o Segundo Sexo. Mas tornei-me num perito em perdas, um ridículo conselheiro sentimental. A partir daí sabia quanto dura a dor insuportável de uma perda. Dezassete dias. Toda a vida.

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