Dia do pai
Anna & Bernhard Blum
Hoje vou de comboio, para sul que é de onde vem a tempestade. É lá fora que está muito frio. Aqui dormem quase todos. Se há mulheres não é nesta carruagem. É dia do pai, um desses dias cruéis para quem não tem pai, nem filhos que se lembrem. Um homem tenta segurar a cabeça como as crianças que julgam que vão morrer se adormecerem. O serviço púlico passa o Eládio Clímaco e num instante chegamos à inclemente estação que o Calatrava deixou a Lisboa. No regresso reconforto-me com a crónica do MEC, tão bonzinho o MEC já com uma perna nova. E depois com palavras simples. Como folar, tão próxima da infância, tão próxima de um follar sem censura nem outra consequência que a mútua diversão. Não há música no comboio de regresso. Se houvesse seria uma área de La Walli. Esta divagação foi, no entanto, interrompida por uma voz que pede um médico. Pede-se um médico à carruagem bar. Eu levanto-me. Atravesso três carruagens e embora tropece, os passos parecem decididos. Abrem-me portas. Peço informações ao revisor. Foi um miúdo que se sentiu mal. Está no chão, pálido, a tremer. Ajoelho ao seu lado. Seguro-lhe no pulso. É das poucas coisas que sei fazer. Segurar no pulso, procurar a artéria que bate no pulso. Contar. Perder a conta. Voltar a contar. Perguntar coisas simples. O miúdo está em pânico. Quer saber porque é que treme assim. Eu quero saber quem é ele. De onde vem. Com quem está. Que fez durante o dia. Quando é que se sentiu assim. Para onde vai. De que cor são os seus olhos míopes. Onde está o pai dele. Digo-lhe para não respirar assim. Digo-lhe para não ter medo. Lembro-me do meteorologista que vi de manhã e digo-lhe:- Estamos a afastar-nos da tempestade. A caminho da cidade de Bernardim Ribeiro. Foi do que me lembrei. - Bernardim Ribeiro. Um homem que inspira confiança. Estamos a caminho de casa. Em casa está o teu pai. Se não estiver, está a chegar. Há-de chegar, o teu pai.
Etiquetas: Linha do Norte
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