30 março 2008

Ev'ry time we say goodbye


Annie Lennox


de cada vez que acabamos de ler um livro é como se morrêssemos um pouco. como na música de cole porter.
estou a arrumar os papéis de 20 anos a ensinar literatura —se é que a literatura se pode ensinar. papéis (imensos), pesados dossiers pouco elegantes onde repousarão por tempo indeterminado notas, críticas, extractos e comentários das aulas que dei e vendi durante 20 anos. provavelmente não acrescentei nada à vida dos que me ouviam. não acrescentei com certeza senão não estaria agora a ter que arrumar estas folhas. sofremos o fim da história da literatura, sofremos e bebemos teorias mais ou menos niilistas da morte da arte, desde hegel que nos atordoamos com a paragem da história, a morte da arte, do autor, da personagem, do leitor, já morreu tudo o que por vezes ressuscitou ao terceiro dia, e agora temos a paragem cardíaca da literatura. não da criação literária, mas do ensino da literatura, da possibilidade de se falar de livros com letras impressas que nos contam histórias de outros seres vivos, que nos põem a nu o que sentem ou pressentem humanos como nós. livros que têm cheiro e peso e ocupam espaço (muito) e ardem e se perdem e envelhecem e são comidos por larvas (não obrigada).
a minha empregada que diz que não quis continuar a estudar porque era muito nervosa e não aguentava o que lia, preferia saber menos do mundo e viver regradamente entre a fábrica onde começou a trabalhar aos 14 anos e a casa de renda económica dos pais, de onde nunca saiu. não queria saber o que está nos livros e não compreende como posso eu estar a ler até às 5 da manhã para recomeçar ao acordar. pensa, no seu nervosismo do mundo, que não pode haver nada de tão importante nos livros. nada que nos possa salvar. senão já teríamos sido salvos.

tudo isto porque arrumo o escritório e mudo de profissão sem mudar.

//sent by Rosaarosa

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