04 agosto 2008

Alexander Soljenitsine



Morreu Alexander Soljenitsine. Em 1973 e 1974 a sua obra máxima, O Arquipélago Gulag, começava a ser traduzida e comentada no Ocidente. O Gulag, a história do terror metódico instaurado pelo comunismo soviético, a revolução em que mais de uma geração tinha depositado a esperança insana de uma nova humanidade, era descrito de maneira absoluta. O livro não era, no entanto, apenas uma denúncia, uma jogada política da guerra fria. Como se disse na época a grandeza de Soljenitsine residia no facto de que ele actuava como um despertador. Ainda o Holocausto não se tinha inscrito em toda a dimensão na consciência do Mundo e uma nova realidade despontava, impossível de desmentir: nos vencedores , numa das potências emergentes, aquela que tinha prometido construir o homem novo, corria um processo simétrico de humilhação, maldade e degradação humana. Depois da publicação do Arquipélago Gulag apenas a ignorância, o isolamento cultural e político, alguma circunstância que faz com que a história se desenvolva, em lugares periféricos, em contra-ciclo, sem que os actores envolvidos disso se apercebam, pôde impedir o isolamento da União Soviética e a exposição do comunismo soviético como fraude, criminoso embuste. O tempo passou. Um imenso manancial de informação ficou disponível sobre o Holocausto. As melhores consciências da Europa e do Mundo, denunciaram-no. O povo alemão erigiu, em Berlim, um Museu do Holocausto e um monumento que perpetua esse momento que é um vazio de horror e de espanto na nossa história contemporânea. Mas o Gulag continua desconhecido. Os principais escritores do Gulag, Soljenitsine incluído, são desconhecidos entre nós. Nas boutiques de livros o Arquipélago Gulag é desconhecido. Não estou seguro que ele tenha sido inteiramente editado em Portugal. Varlam Cholomov, Eugenia Guinzberg,o livro de Robert Conquest sobre o Grande Terror, Man is Wolf to Man de Janus Bardach e Kathleeen Gleeson e tantos outros, são desconhecidos aqui, onde não se detecta nenhum interesse no tema e o PC local cometeu a proeza de ousar, há uns anos e a pretexto de uma efeméride da II Guerra Mundial, reabilitar Estaline. E no entanto o Gulag não representou , em termos de sofrimento humano, menos que a barbárie nazi. O Gulag era o fim de um processo que se iniciava com a prisão, continuava com o interrogatório, o espancamento e a tortura sistemática e prolongada, continuava com a viagem e culminava no trabalho escravo no Arquipélago, tudo isto debaixo do pesado silêncio insolidário. O processo de reconstituição da sociedade russa, após a implosão do comunismo e na fase actual do capitalismo não deu tempo para que se formasse um processo colectivo semelhante ao que a Europa teve com a Shoah. É nosso dever civilizacional contrariar o esquecimento, lembrar as vítimas, todas as vítimas, sobretudo as que pereceram no silêncio, as que ficaram sem campa e sem nome. A minha dívida para com Soljenitsine não tem medida. Em Fevereiro de 1974 ele já tinha passado por todas as fases da via sacra do terror soviético, prisão, deportação, trabalhos forçados, residência forçada no Casaquistão , tinha havido a descompressão de Krutchev e depois o pesado retrocesso de Brejnev. Nessa altura, conta Martin Amis, “a Tcheka moscovita enviou a Soljenitsine uma convocatória. Ele devolveu o sobrescrito com uma declaração que começava:
Dentro das circunstâncias criadas pela universal e ininterrupta ilegalidade há muito reinante no nosso país…recuso-me a reconhecer a legalidade das vossas convocatórias e não me apresentarei para interrogatório em qualquer instância pública.
"
Foi este homem que agora desapareceu. Que o seu nome seja lembrado , de cada vez que alguém receba uma convocatória de uma polícia infame.

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