Ya, vamos lá pôr uma vela na Gisberta
Zhang Xiaogang
No suplemento P2 do Público de quinta –feira, 4 de Setembro, a jornalista Ana Cristina Pereira entrevista D., um rapaz de Almada preso na sequência do espancamento, das repetidas sevícias e do assassinato de Gisberta, no Porto. D. foi retirado pela Segurança Social a uma família desorganizada e sem meios, onde as coisas corriam mal. A evocação pela mãe da cena em que a polícia, cumprindo mandato judicial, vem buscar três rapazes e uma rapariga, é orwelliana. Os rapazes foram entregues às Oficinas de S.João no Porto, onde prosseguiram o seu trajecto de deserdados, aprendendo com os pares a deambulação, a ocupação dos tempos e dos espaços dos subterrâneos da cidade do Porto, o exercício da violência. Um dia descobriram Gisberta, doente, sozinha do mundo. Reconhecerem-na como um igual e escolheram-na como vítima. Quando não têm programa melhor vão lá, ao último círculo do inferno, bater-lhe, torturá-la. Nem eles sabem porquê. Porque sim. Uns por verem os outros. Tudo isto demorou anos. Tudo isto existe nas Oficinas de S. João, no Porto, ou numas Oficinas perto de si.
Haverá quem veja no trabalho de Ana Cristina Pereira uma acusação ao Estado e às Instituições de Solidariedade Social, incapazes de reabilitar e integrar numa vida mais normal os que vivem em grande risco. E não deixa de ser preocupante pensar que não existe acompanhamento, monitorização, que os relatórios que sem dúvida psicólogos, professores e técnicos de Serviço Social fizeram, foram ignorados ou arquivados por falta de meios. Haverá quem pense que, na sua casa de Almada, D. , incapaz de ler as emoções dos outros, encontraria parceiros para crueldades semelhantes. Haverá quem mande isolar melhor as paredes da casa para não ouvir os gritos de Gisberta. Ya, íamos bater na Gisberta. Íamos todos bater na Gisberta e agora acendemos velas no último círculo do inferno.
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