14 novembro 2008

Dias finais em Harrogate



No Inverno de 1919 os dias ficaram mais pequenos e ele sentiu que eram os seus dias finais. Não se passava quase nada na casa de Harrogate. Olhava os campos gelados em volta e lembrava-se das irmãs Bronte, e da ironia do destino, que lhe tinha dado como cenário dos últimos dias a visão de terras estéreis, duras, onde os arados desistiram de entrar, a monotonia cinzenta onde tinham crescido as órfãs infelizes que ele tanto admirara. Uma noite sonhou que era um rato de cabeça negra. Pendurado numa junta da canalização, tentava roer um cano. Havia uma urgência naquela actividade, uma ameaça, que podia vir do interior dos canos ou de fora, a aproximação de um predador dos ratos de cabeça escura. Depois deu conta de que não estava a dormir, apenas semicerrara os olhos. E percebendo que eram as últimas imagens esforçou-se por tentar ver luz através de roupas claras, a face e a pele das mulheres que amara, os campos em flor das planícies de Zuid-Limburg. Mas não deixou de ver o rato, o humilde roedor, e o esforço sem sentido do focinho preto, roendo, num desespero silencioso, um cano de metal, até à escuridão total.

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