08 dezembro 2008

Dar, não dar livros


ilustração de um livro da Planeta Tangerina

Gosto de dar livros. Os livros são como as flores. Há um código básico que impede de dar Madame Bovary a uma jovem senhora casada com um médico taciturno, ou Julieta Monginho a uma menina que entrou no CEJ, ou O Buda dos Subúrbios a um jovem indeciso na sua sexualidade. Mas nos últimos tempos as coisas complicaram-se. Deixei de poder dar Coetzee ou Roth ou mesmo o Filipe Nunes Vicente a H., o meu mais antigo cúmplice literário, porque, nas palavras de Luís Quintais, a selva escura se vê agora nítida com a agravante de a certeira morte já não ter incerto tempo. Assim os livros que falam sobre a morte só podem ser dados aos muito jovens, mas estes, ainda tocados pela ilusão de imortalidade e alegremente ignorantes do negro iceberg evolutivo, não ligam a estes temas estrangeiros, e recebem os livros com mal disfarçada desilusão. Dou livros da Planeta Tangerina, a meninos a quem nunca lerei as histórias. Olho-os nos olhos profundamente, e se merecem, dou-lhes os livros que tenho escondidos na estante, entre títulos sérios que falam das doenças e de como as evitar. Livros com coração de mãe, a letra P de pai, o que num segundo acontece no mundo que ainda não conhecem, de como um menino em África se equilibrou pela primeira vez numa bicicleta, um elevador em Nova Iorque avariou entre dois andares.

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