21 março 2009

Nikalai



-Você é Nikalai?
O sujeito olhava-me do interior de um carro, insistiu , contornou a praceta, estacionou e saiu com uma cruzeta na mão e um fato que talvez me servisse. Mas não sou Nikalai. Não conheço Nikalai. Quando me casei ela levava um bouquet de frésias, arredondado, com frésias brancas, claro , mas de outras cores também, amarelas e lilás e vermelhas matizadas de amarelo. Casámos na Sé, não se usava na época e quando descemos as escadas os estudantes do Oásis gritaram: - fascistas, e nós rimo-nos, felizes. Estou-me a lembrar disto por causa das frésias, mas também porque ela me chamava vários nomes, alguns italianos, que lembravam o meu nome e outros literários, como Stepan Arkadyevitch Oblonsky, Kostia, Oneguine e depois, num passageiro interesse sobre a literatura portuguesa chamou-me Nikalai, o que não era terno. Ela repetia Nikalai! Nikalai! e soava a advertência, fazia-me sentir culpado de um crime ignorado já que eu não tencionava ler nenhum dos livros que a entusiasmavam. Não sei que ano corria, não sou de datas e agora, ao contar esse tempo, receio cometer erros básicos como o de Peter Jackson ao atirar uma maçã com rótulo a Frodo no Senhor dos Anéis ou o do promissor romancista que colocou a personagem a ouvir i Pod em 1998.
Mas não sou Nikalai. O rapaz saiu do carro e não me deu o fato. Continuou , avenida abaixo, à procura de Nikalai. E eu pensei no dia em que ela deixou de me chamar. Nem Kostia, nem Príncipe nem esses nomes italianos engraçados que parecem camisolas interiores brancas e de cavas. Agora não tenho nome. Rego bonsais , como um Fritzl dos áceres e das pimenteiras, com uma varanda das traseiras como cave.

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