Da extinção
Adrian Johson
De manhã, quando estão alerta os neurónios dedicados à metafísica, passo por gente que não conhece a família da província e ignora como viveram os avós- aliás não tem como dizê-lo porque deixaram de ter Língua e Literatura, ou simplesmente língua e literatura, nos currícula escolares. Gente que manda abater os plátanos porque o cotão prejudica o pique-nique anual, que não ouvirá nunca o canto do vento nos ramos mais altos dos ciprestes, nem se espantará com as cores dos liquidâmbares. Há alguns anos, ouço dizer, a nossa espécie quase se extinguiu. Reduzida a dois mil africanos; tantos quantos os que morrem por ano às costas de Espanha, sob o olhar espantado dos votantes do Parlamento europeu, habitantes do espaço Schengen e residentes temporários dos campos de concentração do Verão mediterrânico. Quase se extinguiu, há 130.000 anos, e desejo agora ardentemente que se tivesse extinguido, nesses anos em que outra coisa era ainda possível, a partir de outro primata, ou réptil, ou de um animal do mar. Ou que venha agora a morrer, de excesso de perímetro abdominal, empapado em colesterol, ignorante como no primeiro momento, sem saber quem foi Elisabeth Costello ou Peter Singer, a bisavó descalça ou o senhor de barbas que está ainda na parede da sala.
(O canto do vento nos ciprestes é o título de um livro de Maria do Rosário Pedreira; Os liquidâmbares de Serralves foram celebrados pelo blog Dias com Árvores e podem ser encontrados no livro À Sombra de Árvores com História de Paulo V. Araújo; Maria Carvalho e Manuela Ramos, ed. Gradiva)
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