03 maio 2009

Singularidades de Oliveira



No genérico, Leonor Silveira tem a face cortada. O rapaz Macário nunca a fita. A rapariga loura veste-se horrivelmente e a mãe é uma mulher seca e inexpressiva. No serão em casa do notário muito rico, Luís Miguel Cintra lê dois poemas de O Guardador de Rebanhos. Quando evoca a rapariga loura, Macário só sabe dizer que ela é fresca e tem um adorável leque chinês. A rapariga é ousada. Dá a mão no momento em que é apresentada. Mas o beijo decisivo é elíptico e de pezinho levantado. Não se percebe bem se o homenageado é Eça- alguns diálogos são pobres – ou o senhor António Ferro do SNI. Macário trata a mãe de Luísa por Senhora Dona Vilaça. O episódio do desaparecimento da peça de ouro durante o jogo de cartas é contado de forma desastrada. O plano final é surpreendente. Vale a pena reler Eça:


Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o génio feliz: as seges passavam, rolando ao estalido do chicote; figuras risonhas passavam, conversando; os pregões ganiam os seus gritos alegres; um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.
Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, ora de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciava para essa noite «Palafoz em Saragoça ».
De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixinho:
– Vai-te.

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