A Miséria do Comentário e o Espectro do Bloco
Hirsch Perlman
Ontem tirei o dia para a minha formação cívica e andei de canal para canal. Um espectro varre os comentadores políticos: o Bloco de Esquerda.
Descobriram de repente que o BE tem um programa. E foram lê-lo? Não, os preguiçosos. São 113 páginas e dá muito trabalho. Se nem MFL leu o programa do Paulo Mota Pinto. Então o que leram os comentadores que ouvi? Uns, nada. Ouviram o Sócrates a apontar para um parágrafo que dizia “devem ser eliminados integralmente todos os incentivos fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma ou às despesas para a educação e para a saúde nas áreas em que haja oferta pública.”
(Por acaso irrita-me a formulação”devem ser eliminados integralmente”. Não gosto da palavra “eliminação” e “eliminação integral” causa-me calafrios. Mas essa é a questão formal que atinge a redacção dos programas em geral e dos programas revolucionários em particular.)
Recordo que Sócrates omitiu inicialmente a parte final do parágrafo, aquela em que se especifica que as despesas referidas se referem às áreas em que não há oferta pública (devia estar escrito “ oferta pública de qualidade e asap , em tempo útil”).
Mas discutir este ponto exigia reflectir sobre os princípios da política fiscal e sobre o financiamento do SNS e da Segurança Social. Como se viu pelo debate Sócrates, MFL de ontem, os presidentes dos nossos maiores partidos não estão preparados para esse debate. Sócrates usa o SNS como bandeira icónica e MFL esqueceu-se dele no programa. E , na questão central da sustentabilidade da Segurança Social, MFL referiu que a taxa de susbstituição seria , dentro de 10 anos de 50% do vencimento bruto, quando os estudos referem esse cenário para 2050. Sintomaticamente Sócrates mostrou irritação, mas não corrigiu.
Pode-se dizer que o modelo dos debates não permite o aprofundamento destes temas. Mas o mesmo não se passa com o modelo dos comentários. É vergonhoso que Ricardo Costa, Delgado, aquela Senhora da Rádio Renascença que tem um sorriso arrepiado de cada vez que diz esquerda e o Resendes, para não falar do Viegas e do outro reaccionário que escreve no Expresso, tenham estado 2 horas a especular sobre quem ganhou o debate, da superfície, dos olhares, da atitude, dos eleitores e não tenham tido uma palavra para aprofundar os conteúdos. Dizem que o que está em jogo é a superfície. Mas também por culpa destes preguiçosos, que não fazem trabalho de casa, que não questionam os políticos, que não escolhem os técnicos sérios para explicar as questões decisivas do desenvolvimento, de forma clara e compreensível para os eleitores.
O BE está assim a começar a ser julgado pelo seu programa. Aquilo a que o reaccionário chamou de casa desalinhada, ou cave dos horrores ou sótão dos esqueletos. Mas infelizmente nem assim lhe leram o programa. Estaríamos agora a debater a extensão da medicina dentária ao SNS, a privatização da GALP ou das Aguas de Portugal, ou temas verdadeiramente fracturantes como o respeito pelos animais ou as culturas transgénicas ou a morte assistida. Mas isso dá muito trabalho. Fica mais fácil puxar pelo PSR e pela UDP.
O Francisco questionou-me nos comentários sobre o meu voto. Eu não vou perder a oportunidade, mínima que seja, de assustar os figurões. Se um espectro assusta os figurões, se todos se unem numa Santa Aliança para o conjurar, eu não vou dissimular as minhas convicções nas urnas.
Etiquetas: debates e comentários
11 Comentários:
É mais que evidente que Sócrates venceu, mas com clareza, o debate com a D. Ferreira Leite. Em termos futebolísticos, a Ferreira Leite levou, pelo menos, 4-1. E Sócrates venceu o debate precisamente no espaço em que ela se pretende afirmar como intocável: o do carácter. Sócrates demonstrou, à saciedade, que a Dona tem falta de carácter: ele é a história da Madeira, ele é o TGV, ele é a questão da reforma do ensino, ele são as SCUTS, onde as suas posições se alteram conforme as conveniências. Tudo isso uma demonstração de falta de carácter.
Pena é que Sócrates não tivesse aniquilado, como poderia ter feito, as propostas liberais da D.Ferreira Leite com um exemplo: o da Irlanda.
A Irlanda é o exemplo claro de como a baixa excessiva dos impostos pode ser trágica para um país: face a um momento de catástrofe económica nacional, em que o investimento privado paralisou, o Estado, porque não tem receitas devido aos baixos impostos que manteve, não tem capacidade para ajudar os cidadãos e a economia. E, pior, vê-se forçado a aumentar os impostos num momento em que os deveria diminuir para ajudar a economia.
O contrário disso é a Suécia, em que o elevado nível dos impostos permitiu manter a economia, nesta fase difícil, quase sem sobressaltos quando comparada com o resto da Europa.
Mas talvez Sócrates não quisesse dar esse exemplo para não desagradar aos senhores do dinheiro.
Outra questão já abordada no texto anterior do odisseus: a da liberdade de informação.
Os canais televisivos que comentaram o debate foram todos de um facciosismo escandaloso. Quer na SIC, quer na TVI, todos, MAS TODOS os comentadores eram do centro e da direita. E, por isso, ou deram como resultado um empate, ou até, PASME-SE, a vitória no debate à Dona Ferreira Leite.
Esta é a verdadeira liberdade de informação que a Dona defende.
Mas é também um modo de avaliação do seu carácter.
Um tipo que se diz Alta Autoridade para a Comunicação Social, e como tal está a ganhar o nosso dinheirinho, o que faz ele face a casos destes? Nada. O que fazem o PS e as outras forças de esquerda? Que se saiba, NADA.
Já conheces o Bruxo de Santa Benta? O Mal pelo Mal.
vindo de ti este comentário fez-me fazer mea culpa numa coisa: na minha cabeça vinha puxando pela cacofonia dos ecos do psr e da udp para rejeitar a seriedade política do bloco. é claro que fiquei todo contente quando vi alguns comentaristas afectos ao bloco chamarem a atenção para os perigos da louçanização deste partido. vou lê-lo com atenção. até porque esta irritação que tenho com o Louçã há muito que me anda a fazer mal ao fígado. há mais bloco para além dele, deve haver. obrigado por mo teres lembrado. abç
Tudo isto é muito bonito... mas um voto contra Sócrates (parece-me que, sim, esse vai ser o maior voto de todos) é forçosamente um voto contra o Luís, e o André, e aqui o Carlos. Essa é que é essa. E se tem dúvidas, é só esperar pelo dia 28. É só esperar.
Welcome aboard, Luís. Depois da festa, se for o caso, se vê onde fica o apeadeiro. Devem anunciar na instalação sonora.
Obrigado a todos pelos comentários.
JPN, que prazer.
Rui, se for para sair não há-de ser no apeadeiro. Na Grande Estação Central e com fanfarra. Festa até ao fim.
Nestas duas semanas, vai valer tudo. Convosco, no apeadeiro ou na Gare Central (melhor se for a de NY).
É mais que evidente que MFL venceu o debate com Sócrates. Deu-lhe uma lição, e a todos quantos quiseram ouvir, sobre a economia, as finanças públicas e o endividamento do país, com seriedade e com conhecimento.
Os contra-argumentos socráticos ficaram-se pela repetição exaustiva daqueles slogans que nada dizem, a não ser que ele é, de facto, em excelente "vendedor de banha da cobra", e pelo uso de um paternalismo patético em defesa própria e da sua frustração de não ter, e de não vir nunca a ter, um conteúdo intelectual intrínseco que possa rivalizar com o da Dra MFL.
Di, modera o teu entusiasmo.
Tenta ver as coisas de outra maneira. Ganhou o quê? O debate? Qual debate? Ambos se movem num ringue limitado. Talvez as verdadeiras questões não sejam as que foram escolhidas pelas agendas mediáticas.
Eu dizia-te tantas coisas interessantes que eles ignoraram. Por exemplo, Dois excertos de Odes, do Campos. Do Correia de Campos, claro. Comove-te? Olha que à Manela nem isso. Conteúdo intelectual? A avaliação anda a fazer-te mal. Beijos (Estavas mesmo muito bem no Almodôvar. Já dele não se pode dizer o mesmo.)
Joana, se for a Grand Central Station ainda trazemos o Obama por companhia...
Pois é, "eliminados integralmente", os tais resquícios das formações base PSR e UDP. E depois como é que se aplica o programa do Bloco, numa economia de mercado integrada na UE!? O discurso de PM do Louçã, soa desfasado do contexto, parece que falta ali qualquer coisa, e não é só um jantar, como alvitrava há uns dias Ferreira Fernandes.
Creio que neste país ainda falta muita social democracia, daquela que se intalou há umas décadas ali para o norte da europa. Louçã ainda falou na Suécia, mas referia-se a uma altura em que até o Bergman se pirou, de quaquer dos modos se é esse o seu modelo deve dizê-lo claramente, e lá está um jantar não chega. Ah, chegar também ao centro da europa rápido e depressa, nem que seja de TGV, faz-nos bem.
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