O nosso líder
Hans Gindlesberg
Quando fazem uma pergunta a uma pessoa normal o que é que acontece? Tentem observar. Ela reflecte um pouco antes de falar. Depois a resposta vai-se organizando com pausas, hesitações, modulações do ênfase.
Experimentem fazer a mesma pergunta a um dos líderes partidários que agora fazem o favor de se debaterem às 20:45 na partilha televisiva. A resposta é imediata, como se já existisse pronta-a-servir nas dobras programáticas do córtex partidário . Pode ser heróica (Jerónimo), pedagógica (Portas), cínica (Sócrates), indignada (Louçã) ou insípida (Leite). Mas está lá, completa, ao gosto das claques, das jotas , dos jornalistas, das perguntadeiras e dos comentadores.
Se acreditarmos que temos os políticos que merecemos, que o povo de votantes segregou eleitos à sua imagem e semelhança, somos responsáveis por estes. Eu sou responsável por Louçã . Vocês pelos restantes.
Não alijo as minhas responsabilidades. Este é o meu país. O país que deixo aos meus filhos, digo para que percebam.
Gostava que o meu líder fosse diferente. Um homem ou uma mulher sábios por terem pensado muito, cultos por terem estudado, modestos por haver certamente homens e mulheres mais sábios e mais cultos, viajados/cosmopolitas por ser esta uma das maneiras de conhecer o Outro e fugir às visões paroquiais, com humor. Capazes de dizer não sei, não faço ideia, não tenho solução para isso, não estou preparado para responder, não quero responder a essa pergunta.
Um líder raro como a gente comum. Capaz de se indignar, mas não em estado de permanente indignação. Capaz de emoção, riso, espanto, surpresa, alegria, esquecimento, fragilidade. Talvez não federasse os broeiros, os facínoras, os adoradores de ídolos, os marchistas, os abaixo-assinados, os carreiristas da Alta Administração com motorista e gestor de imagem, os taxistas, os leitores do Equador, os que admiram incondicionalmente o Camisas. Talvez nunca ganhasse eleições e fosse apenas alguém em quem nos orgulhássemos de votar, uma força, como se diz, indispensável à democracia.
Sentei-me a ler isto como se tivesse feito um esforço violento. Lavado a louça com sabão líquido, prato a prato. Feito as camas no dia da muda. Desentupido o cano do lavatório , pintado as paredes da sala com trincha, escadote e tintas CIN. Fiquei a olhar para os muros amarelos, que foi a cor que ela uma vez escolheu, amarelo da Provença, quase ocre afinal. E pensei: ao que tu chegaste. Propagandista do mesmo –merdismo, esse partido sem imaginação. Devias ser obrigado a beber o veneno que serves às novas gerações.
Mas sabes o que eu queria mesmo? Era que ela me fizesse um bóbó.
Etiquetas: um broche mesmo
8 Comentários:
Caro Luís
Belíssimo texto. Do princípio ao fim.
Cumprimentos.
um bóbó??? ah-ah-Ah-AH
:) és um tenguinho!
Por causa deste post, almocei hoje um belo bobó de camarão...
Grande texto.Adorei.
São
...
E fez? E fez??? E foi bom, foi bom??? E o ar, manteve-se indignado???
Está porreiro os textos todos que li até agr. Óptimo sentido crítico, com humor... Apenas completo pensando como seria um debate entre qualquer um destes candidatos e o iluminista do Marques de Pombal...
"I will be back" pq gostei do espaço
Luís,
referes: "Capaz de se indignar, mas não em estado de permanente indignação."
A minha mãezinha, de 87 anos, que foi professora primária e exerceu atá aos setenta, nada e criada no salazarismo, costuma dizer: "O Louçã? parece que respira ódio!". E eu respondo: "Ó mãe, não é ódio! É uma ira santa! tresanda a incenso — da capela do Rato..."
A mamã é católica, claro, vai à missa e vai a Fátima. Mas o P.e Chico a mim, com o seu apostolado, ajuda-me a manter-me numa anti-cívica — e anarqeuiral — abstenção.
Um abraço,
José Manuel Mota
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