O cão e o rapaz: manhã de domingo
É difícil escrever sobre isto. Hoje de manhã estava dentro do carro, a aquecer o motor, quando vi o rapaz e o cão. O rapaz tremia. Do frio, da falta de sono e da ressaca. O cão urinava. Era uma micção solene: um cão preto, de pelo lustroso e tamanho médio, com as traseiras ligeiramente flectidas , a mijar na terra argilosa. Um cão mijando de perfil, mijando em efígie. De início desviei os olhos, incomodado. Depois voltei a olhar, evitando cruzar o olhar com o rapaz que tremia. E vi o cão urodinâmico, olhando para o céu baixo dos canídeos, concentrado na micção, impassível. Vi o fluxo constante, o regato que cavava na argila. E percebi a tortura dos cães fechados nos apartamentos, fieis a uma noção alienígena de higiene, educados em absurdas exigências de esfíncteres. Os cães prisioneiros domesticos, dilatando as bexigas ao ritmo de 1-3 cc/kg/ hora, 10 a 30 ml cada hora para este cão médio que agora mija à minha frente, este animal antropocêntrico, pré Copérnico, que dormiu à beira da rotura vesical, como acontece todas as noites em que o rapaz emborca cervejas nas discotecas da cidade e se enchem de mijo, de ureia, um sozinho no apartamento, o outro sozinho na noite , à espera do dia, do rapaz, do cão, da rua, do terreiro.
Etiquetas: vida verdadeira
3 Comentários:
Pela descrição parece ser uma cadela. Ou seja, o rapaz estava com uma cadela.
O cão encafuado no apartamento, ensinado a opar até ao tempo do dono, e a libertar-se das excrecências nas ruas e passeios da cidade, que os tranzeuntes "diligentemente" disseminam de novo até ao apartamento. O prazer do dono.
Isso também é violência doméstica. Um novo conceito, é certo, mas violento na mesma.
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