Um soluço é sinal de morrer
Aino Kannisto
É preciso alguma tensão para escrever. Mas não tanta, não esta. Assim. É preciso alguma angústia. Mas este estado anterior à náusea não consente outra coisa que o silêncio. - Não há fim para o lamento mudo – dizíamos, quando nos roçávamos pelos muros no tempo da Nouvelle Vague. No tempo dos cartuxos, Rosa. Não devíamos ter brincado com coisas tão sérias. Sim, há um castigo para toda a nudez e um castigo para toda a imprecação. Voltarão todas as estátuas derrubadas. Voltará o sarampo e o garrotilho. E a peste bubónica e a cólera. Na semana passada vi uma criança que sofria. A criança soluçava. O soluço era o menor dos seus sintomas. Mas alguma relação terá de haver entre o soluço – um sintoma menor- e o grande mal que a consumia. Talvez que investigando o soluço pudéssemos chegar ao vómito, à suboclusão, à dismotilidade. Quem assim discorria era eu, para o meu Mestre compassivo. E ele, depois de muito pensar, disse-me:
- Quando Afonso de Albuquerque regressava a Goa, vindo de Ormuz, recebeu a notícia de que o rei o substituira. Este rei, um fraco que não resistia aos intriguistas da corte…
- D. Manuel- interrompi .
- Esse- continuou o Mestre. Nomeara para o cargo um dos seus inimigos. Então, no barco, com Goa à vista, Afonso de Albuquerque ditou a sua última carta, que começava assim:
Senhor. - Eu nam escrevo a vos alteza per minha mão, porque, quando esta faço, tenho muito grande saluço, que he sinal de morrer.
Etiquetas: Afonso de Albuquerque
1 Comentários:
Há magias quotidianas. Chegou este soluço mesmo a tempo, numa madrugada em que me fazia falta lucidez e clarividência, anaturezado mal a combater o Mal maior. Bem hajas Luís
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