18 janeiro 2010

Depois do Haiti. Escrever.

Como é possível escrever enquanto não assenta o pó em Port au Prince? Escrevemos porque não somos sensíveis. Escrevemos – sobre a trivialidade, porque o cheiro dos mortos não nos sufoca. A história não acabou. E não são os desempregados, os sem abrigo, os sem contrato, os órfãos nos asilos, as vítimas do BPN, os que dão à costa nas praias do lado de cá do Mediterrâneo, os internados nos hospitais, as vítimas da Justiça togada, os que estão a ser educados para o martírio nas madrassas e os que estão a ser treinados para os torturar, os agricultores entregues ao programa do Portas e aos subsídios de bruxelles, esses todos que em cada momento recomeçam, da primeira casa, o jogo sem glória. A actualidade da história é um grito antigo, que vem do Terreiro do Paço e das ruas de Lisboa, um grito enorme, e depois um gemido, um lamento, uma prece, mais uma vez uma prece sem sentido. Quem solta esse bramido são os homens, as mulheres e as crianças de 1755, iguais aos seus irmãos de Port au Prince, apenas 200 anos depois, os mesmos gritos, os mesmos símios, nós, o mesmo esquecimento que já vem, na voz dos entertainers, que nos reclama para outras, nenhumas, preocupações e em breve nos vai deixar escrever sobre o luar, o sexo e o esplendor do sexo.

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7 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

redutor.
as tragédias, apetece-me dizer, serão como as nossas dores, não são boas nem más, são da nossa condição.
O paralelismo com Lisboa é redutor; e depois, morrem milhares de pessoas por dia em circustâncias bem piores, após verdadeiros calvários, e a vida prossegue inexorável.
Aliás a vida tem muito pouco a ver com justiça. O Amor nada.
Dos Outros, da caridade, sempre me pareceu que o caminho estará no relacionamento com o outro concreto e menos em retóricas abstractas.

terça-feira, janeiro 19, 2010  
Blogger Luís disse...

Anónimo, obrigado pelo comentário.
A cada um as suas vozes.
Leio aquilo que escreveu e não percebo nada do que diz: a justiça, a caridade, o Amor, o caminho... O leitor está transviado.
Só percebo que não gostou e que acha redutor o que eu escrevi.
Eu também não gostei do seu comentário. Se escrevesse para pessoas como o Anónimo seria uma pessoa doente. Há comentários que alargam o texto. Outros apoucam-no. O chamado comentário redutor.
Escrevo para um leitor anónimo que me reduz, como os índios faziam às cabeças das vítimas.

terça-feira, janeiro 19, 2010  
Anonymous Anónimo disse...

Homem, nunca assumi que escrevesse para mim, que disparate.
Eu comentei o seu artigo e não a sua pessoa, desconheço se é doente, transviado ou o que seja.
vá lá, tenha mais confiança em si.

quarta-feira, janeiro 20, 2010  
Anonymous Anónimo disse...

só para que alargue um pouco as suas vistas: há conceitos que não existem desgarrados, prendem-se com a nossa dinâmica no mundo que é complexa e cruza temas tão variados como o da Justiça, caridade, amor, etc...
seja como for, lamento se o confundi, deixo-o na sua verdade absoluta.

quarta-feira, janeiro 20, 2010  
Blogger Luís disse...

Anónimo, agora acertou : sou transviado e inseguro mas com a verdade absoluta. E tenho uma doença- publico as opiniões anónimas, quase todas, pelo menos.

quarta-feira, janeiro 20, 2010  
Anonymous Anónimo disse...

Nisso estamos de acordo.

É da sua liberdade.

quarta-feira, janeiro 20, 2010  
Anonymous Anónimo disse...

"O caminho estará no relacionamento com o outro concreto e menos em retóricas abstratas" é perfeitamente comprensivel, mas a mente humana é abstrata e essa é a unica maneira que temos para nos relacionar, agimos segundo pensamos. O que quiças seja bom eliminar sejam as distanciaçoes abstractas e, muitas vezes, sem sentido.

quinta-feira, janeiro 21, 2010  

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