01 junho 2010

Cosmonauta




Cosmonauta, de Susanna Nicchiarelli, é um dos filmes do festival de Cinema Italiano neste momento em exibição em algumas localidades.
Na Itália do início dos anos 60 uma adolescente inicia-se na militância comunista e na frequência de uma sede do PCI num bairro popular de Roma.
Cosmonauta é uma visita inteligente e comovida a um tempo que, nas palavras da realizadora, "não conhecemos directamente, idealizámos como mito e , à medida que nos aproximávamos desse mito, ele ia-se alterando e adquirindo aspectos de pesadelo".
Cosmonauta retrata, na matéria dos filmes, essa contradição: a epopeia celeste dos proletários confrontada com as bancadas dos gerontes do Politburo russo, a mulher que entra na cápsula espacial e simboliza a aspiração feminina de emancipação e igualdade, a aparelhar um rosto que parece uma máscara funerária e a subir pesadamente as escadas de um espaço carcerário. A gesta soviética acaba com as imagens do primeiro homem na lua que, como se sabe e o filme revela num desencantado genérico final, não é o cosmonauta soviético mas o astronauta americano.
O filme é lindíssimo, num estilo retro que nunca é caricatural. De noite, num terraço de uma colina de Roma, os dois irmãos órfãos, Luciana e Arturo, deitados no chão, olham os céus, que são agora sulcados pela cadela sacrificial comunista e por homens e mulheres novos, proletários, que saúdam, com fórmulas de cortesia, os habitantes dos países que a nave cruza.
Arturo e Luciana são talvez uma marca do comunismo italiano do início dos anos 60: sonhadores e ingénuos, acreditando numa URSS que não existia, onde o Kasakistão ficava nos arredores de Moscovo e a mulher libertada convivia com a tecnologia de ponta. Arturo tem epilepsia, fabrica engenhos artesanais que o queimam, leva consigo papéis com a morada domiciliar para o caso provável de se perder ou ser encontrado em episódio comicial, mordendo a língua. Luciana é linda e sem jeito, como uma komsomol que ignorasse a história. Ela deitou fogo à sede dos traidores de classe e, se a deixassem, destruiria a sede comunista. Porque uma esquerda assim, ignorante e religiosa, presa de um mito que cabe na caixa de latão de um adolescente retardado, merece perecer.
Porque será que nos parece que somos nós que morremos, sem pai, com um padrasto fascista que apesar de tudo gosta da nossa mãe, da mulher com quem podemos chorar e nos diz; temos de ter força, já passámos por tanta coisa juntos, temos de ter força ainda, desta vez.

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2 Comentários:

Blogger CCF disse...

É linda a crónica, faz apetecer o filme.
~CC~

terça-feira, junho 01, 2010  
Blogger isabel disse...

fiquei com muita vontade de ver o filme. agora também queria ler o livro do Carlos Brito sobre o Alvaro Cunhal.

bjs

quarta-feira, junho 02, 2010  

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