O funeral de José Saramago
Só um país que tivesse perdido toda a decência não daria a José Saramago um funeral nacional. Ainda há pouco escrevi aqui, em tom ligeiro como é habitual nestes posts, sobre o entendimento de Pedro Lomba a propósito dos rituais de passagem. O facto de ser iconoclasta, por método e feitio, não impede que distinga algumas coisas fundamentais: as sociedades necessitam de referentes identitários, os homens e as mulheres notáveis devem ser estimados, a morte inevitável deve ser mitigada com alguma ilusão de eternidade.
José Saramago era um escritor e um homem notável.
Francisco José Viegas disse, sobre isso, o essencial.
Hoje os jornais noticiam que Cavaco e Jaime Gama não irão ao seu funeral.
Fazem mal. Porque Cavaco e Gama não são o senhor Silva e aquela viscosidade que encima o parlamento. São, como dizem os reclamantes indignados, pessoas a quem pagamos para isto. Para representarem o Estado nestas circunstancias. Não nos interessa se o senhor Silva leu Saramago ou não. Não nos interessam as preferências literárias de Sua Viscosidade. Estar no funeral de Saramago faz parte do seu caderno de encargos.
José Saramago era um escritor e um homem notável.
Francisco José Viegas disse, sobre isso, o essencial.
Hoje os jornais noticiam que Cavaco e Jaime Gama não irão ao seu funeral.
Fazem mal. Porque Cavaco e Gama não são o senhor Silva e aquela viscosidade que encima o parlamento. São, como dizem os reclamantes indignados, pessoas a quem pagamos para isto. Para representarem o Estado nestas circunstancias. Não nos interessa se o senhor Silva leu Saramago ou não. Não nos interessam as preferências literárias de Sua Viscosidade. Estar no funeral de Saramago faz parte do seu caderno de encargos.
19 Comentários:
"Todos os homens morrem sós..."
Apesar de concordar consigo no sentido de que as mais altas figuras do Estado devessem ter comparecido, o que aconteceu não me surpreende. Algumas delas terão sido coerentes na morte de Saramago como o foram durante a sua vida: ausentes, indiferentes. O discurso mais "sentido" terá sido o da representante do governo espanhol. Os outros, muito bem escritos, emotivos até, soaram ao pó das gavetas onde estariam guardados à espera do dia. E o dia chegou... Pensemos agora no seu legado, nos seus livros. É disso que se trata afinal a vida de um escritor. O resto é política.
mas o senhor Silva pode não querer ir, para não ferir a memória dos familiares e amigos de Saramago...
No osso: só substituiria contrato individual de trabalho, por caderno de encargos. Aquilo não é trabalho por conta de outrem - caso fosse, já tinham um processo disciplinar com vista ao despedimento. Aquilo é uma empreitada, que, se os deuses permitirem, há-de atingir, breve, breve, a sua tão almejada caducidade.
O erro de Cavaco foi ter dado cobertura, há década e meia, às acções de Sousa Lara.
Comparecer agora ao funeral do escritor, depois deste ter dito em vida que se recusava a cumprimentá-lo, não passaria de uma grande hipocrisia.
Esteve bem o Presidente.
Caro Luís,
considera realmente o facto de um escritor serou não ser Nobel deve decidir da presença ou da ausência do PR nas suas exéquias? Então, qual é o critério? O da estatura literária? Sem desprimor para Saramago, achas que é líquido que ele tenha primado literariamente sobre Sophia ou Mário Cesariny ou Fiama ou Abelaira ou Eugénio, para não citarmos senão casos de autores falecidos mais recentemente (e perdoem-me se esqueço alguém mais, citando ao acaso)? E quem decide dessa importância em termos vinculativos no que se refere à presença ou ausência do PR?
Acresce que fazer uma jogada política com o assunto é lamentável e bastante circense - quer pensemos na argolada jesuítica de F Louçã, quer na manobra mais mais compassada e de estilo mais majestático do que clerical de M. Soares.
Com as melhores saudações republicanas
msp
Concordo com todos os comentários.
Não acompanhei de perto. Não gosto de me envolver em comoções de massas. Cria-me a ilusão perigosa de que há seres humanos sentindo o mesmo que eu. Quanto aos exemplos que o Miguel dá acho-os bem acertados. O PR devia estar presentes em todos e o Miguel ser consultado pelos serviços da PR em casos futuros. Também acho que, dados os antecedentes, o PR devia ter, no funeral, uma presença discreta- uma passagem pela CML, misturado no povo de Lisboa, p.ex.
Quanto ao Gama o Luís Eme já disse tudo.
Já agora confrontaria a posição do Osservatore Romano que declarou que Saramago não tinha aptidões metafísicas e a de uma Sociedade de Filosofia espanhola, a de Ontologia, que o declarou membro destacado. Uma questão de disciplinas.
Miguel Serras Pereira, se calhar há escritores portugueses de que gosto mais do que de Saramago. E não gosto mais de Saramago porque ele ganhou ou não ganhou o Nobel. Mas si, o Nobel deveria ser uma fortíssima razão para o PR estar no enterro. Quanto ao resto concordo com o Luís.
Concordo com o Luís no que toca ao facto de aqueles figurões serem pagos para representarem o Estado português. Mas, olhe, eu até pensei que ainda bem que não foram, não fizeram lá falta nenhuma. E lá se foi o (deles) tão apregoado sentido de Estado. Não estão à altura, é o que é. Regem-se por regras de pacotilha de vizinhança invejosa.
Isabel,
porque é que o Nobel é uma fortíssima razão para a presença do PR?
Atentamente
msp
Miguel,
Obrigado por comentar aqui.
Deixe-me tentar responder enquanto a Isabel, temível polemista, não responde.
Porque o Nobel é um prémio atribuído a um escritor e à literatura do seu país. Porque o Nobel, para lá das inevitáveis discussões que origina- e talvez também por isso, é a maior distinção a que um autor pode aspirar. Porque o Nobel é "o Prémio". Entregue pelas mãos do Chefe de Estado da Suécia constitui um momento de orgulho nacional, aquele tipo de sentimento que justifica a existência da bandeira , do hino e na nossa versão republicana, de um Presidente.
Luís,
obrigado pela sua resposta.
Mas não tenho as suas certezas sobre a natureza benéfica da consagração estatal da literatura. O que nos levaria muito lone.
Mais terra a terra, não me parece que seja sustentável a ideia de que, sem sombra de desprimor para Saramago, este é mais importante e mereça maior reconhecimento do que, por exemplo, Sophia (cuja escrita contibuiu para o melhor da formação de tanta gente neste país), ou…, ou…, que, ainda recentemente desaparecidos, sem PRs nas cerimónias fúnebres, não deram ensejo a tanta algazarra política e manifestações ofendidas, cujo único efeito é desviar as atenções da voz e obra do próprio Saramago, tentando rentabilizar uma discussão, pouco literária e politicamente curta, sobre o tipo de homenagem que o PR devia ter-lhes prestado.
Há certas formas de consagração ou de reivindicação dela que recalcam mais do que reconhecem o seu alvo. Parece-me ser o caso desta tentativa de rentabilização da ausência de Cavaco no Alto de S. João.
Só isto.
Cordialmente
msp
MSP
O Luís respondeu, muito bem, por mim, era isso que eu diria. E não misture as coisas, o Nobel ou o Saramago não tiram o lugar que ocupam os outros grandes. Mas foi o Saramago que ganhou o Nobel. e devia estar-lhe grato por isso.
Isabel,
se você acha que o Nobel justifica mais do que a obra a dimensão da homenagem devida, não tenho nada a acrescentar, a não ser que a obra de Saramago pouco lhe interessa e que você presta pouca atenção ao seu valor intrínseco : o Nobel não o diminui, mas não lhe acrescenta seja o que for. Se os PRs que, por inerência funcional quase inevitável, não são os melhores juízes na matéria devessem reconhecer alguma coisa, seria a importância da criação e não as distinções de que esta foi objecto. Só os espíritos sacerdotais como de F. Louçã se lembrariam de um tal investimento do imprimatur (a valorização deste por M. Soares releva do cálculo auto-promocional do costume).
Você não acha que há mais e melhor a dizer sobre Saramago do que ele é o "nosso" Nobel?
Cordiais saudações literárias
msp
Miguel,
Considera que o Presidente da República deve estar presente nos funerais de todos os escritores? Que não deve estar presente em nenhum? Que deve estar presente nos funerais daqueles cuja obra valoriza? Que deve estar presente nos funerais daqueles cujas obras valorizam o país, Portugal? Há tanta subjectividade no "valor da obra" e Cavaco parece tão incapaz de avaliar o que quer que seja. O homenzinho encontrará mais valor nas colunas do César das Neves do que nos livros de Saramago, Sophia, Cesariny, Fiama, Abelaira ou Eugénio, só mencionando quem o Miguel mencionou. Que, no mínimo, Cavaco cumpra o seu caderno de encargos e represente o Estado que chefia no funeral do Nobel, Saramago. O Luís explicou o peso do Nobel, mas o Miguel não tem as mesmas certezas. Miguel, acha mesmo que o Nobel de Saramago pouco ou nada vale?
Saudações,
Maria
Pois eu li alguns livros do Saramago e depois?O que é que se pretende, quando sorrateiramente, se afirma que "Sophia e outros",etc e tal!
Percebe-se, mas isto não è um jogo de futebol.
Ao contrário do ilustre, parece-me
que um PR,não sendo juiz na "matéria", deve reconhecer a importância da criação e detingui-la. Claro que para isso não deve ser è banal e cinzento.Tão só.
Miguel, está tramado com os comentadores do Mal.
O melhor é mesmo mudar-se para aqui.
Tenho muito gosto.
Muito pior do que a história da presença versus ausência do PR no funeral do Nobel é a novela que anda a correr agora por causa das suas cinzas. Como dizia o manuel do Coisas do Arco da Velha, oxalá não lhe aconteça como ao pai do Keith Richards. Por essas e por outras é que eu quero ser enterrada.
Caro Luís,
seria uma honra para mim estar neste blogue, que se distingue por uma inteligência, um convite à reflexão e uma segurança de gosto rarros. as, como supõe, o Vias já me dá muito que fazer e nem só de blogar posso ocupar-me.
Obrigado pela sua hospitaleira afabilidade, saiba, em todo o caso, que só não sou seu leitor fanático, porque a sua maneira e estilo excluem todo o fanatismo. É uma da lição que nos dá.
Abrç
msp
Caros Interlocutores,
sem desprimor para ninguém, cuido que os argumentos, de um lado e de outro, estão mais ou menos esgotados.
Valorizo a arte de Saramago e dos outros que citei, mas é verdade que o Nobel nem por isso. E, depois, reconhecer um escritor adiantando o facto de ele ser um Nobel tem muito pouco a ver com o que ele escreveu, se é que lhe não faz sombra (não digo que o Nobel faça sombra, mas que a faz um reconhecimento do reconhecimento que o Nobel já é, em detrimento da chamada de atenção para a verdade da obra).
Se se entende que as homenagens oficiais fazem falta, então - como escrevi noutro comentário, no Vias (http://viasfacto.blogspot.com/2010/06/sobre-politica-e-os-seus.html), a propósito de um post do Miguel Cardina - "peça-se à Presidência da República e outras autoridades que, nestas ocasiões, patrocinem, por exemplo, sessões de leitura sobriamente encenadas e integradas nas cerimónias fúnebres… Assim, prestariam homenagem, mas deixariam, como seria justo, o primeiro plano à voz ou obra do homenageado".
Saudações libertárias para todos
msp
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