11 maio 2011

Feira do livro (7) : sessão de autógrafos (2)



Estavam dois prolíficos escritores a assinar os seus livros. Um não tinha mão a medir. A outra, ignorada pela turba, cumprimentava com efusão os camaradas que passavam, ao largo. Como se, ao aproximarem-se, ela lhes quisesse dar a Boa-Nova ou converter ao iurdi-leninismo. Observava esta cena de um pavilhão mais elevado que a calçada de jardim onde ela estava, a prolífica escritora abandonada pelos muitos leitores . O meu cérebro reptiliano tem-me dado poucas dissabores. Já o neocórtex me tramou vezes de mais. Porque fui procurar um livro da prolífica embora solitária escritora? Porque, detestando Mourinho e o Ronaldo, torço sempre pelo Real Madrid? Porque é que fui a pé a Santiago, pelo caminho errado? Porque é que me ofereci para dar explicações de Matemática à menina do rés-do-chão, quando ela se entusiasmou com as Novas Oportunidades? Procurei um livro da prolífica embora abandonada e, notei então, festejada escritora. Reparei que os havia para adultos e achei honesto não envolver crianças ou juvenis nesta iniciativa, que levava a cabo de modo automático, quase sonâmbulo. E com o livro na mão dirigi-me ao cadafalso e entreguei-o , na ponta dos dedos, à celebrada, prolífica, festejada e até aí solitária escritora.
-É para quem?- ouvi-a dizer. Virei-me para onde o olhar dela apontava. Mas não havia mais ninguém no perímetro próximo. Só ela, sentada, como um funcionário da fronteira terrestre do Reino de Marrocos, segurando o meu passaporte e perguntando
-É para quem?
Seria estrábica a minha escritora? Teria escolhido o livro errado? A antiga editora? A escritora errada?
- Para mim- balbuciei.
- Claro- disse ela. Embora nada me parecesse claro. - Como é o seu nome?
Eu disse. O nome, o BI, o NIB, a morada legal, o número do cartão de eleitor. E ali mesmo pagaria a coima se ela me tivesse pedido.
Deixei ficar o livro, assinado, na bancada da editora C., junto aos outros que ostentam o selo dos muitos anos de actividade literária da prolífica, etc, escritora. E apesar de ser estranho o que sentia, era melhor do que o sentimento que me levara àquele posto aduaneiro.

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1 Comentários:

Blogger Ana Cristina Leonardo disse...

que bonitos são estes textos.

sábado, maio 14, 2011  

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