29 maio 2011

Manhã de sábado



De manhã acordam cedo as crianças e os velhos. Depois de comer, alguns acalmam. Vêem o canal Panda. Vão às compras. Correm na montra dos ginásios , contra a morte, curvados à música secreta dos headphones. Entram nas lojas do bairro, nos supermercados. Distribuem sacos da campanha alimentar . Colam selos nas camisolas e nas alças dos sacos. Ali é proibida campanha eleitoral. Ali é um lugar sério e neutro. A casa do Belmiro. Serralves. O Museu da Rainha Santa. A Casa da Música. Zero pontos acumulados no cartão. Compro conserva de atum e massas Brandini. Atum para o banco Alimentar. Massas para mim. Tudo no mesmo saco. Enquanto empurro o carro faço uma prece silenciosa e instantânea ao deus que está nos tetos do Continente. Meu deus, já que não deste inteligência aos mercados faz ao menos com que , no caso de me encontrar em grande necessidade, me cheguem massas Brandini, spaghettini al agli. A psicologia evolutiva chama qualquer coisa antipática a este altruísmo que aguarda retribuição. Não me importo. Os velhos da manhã de sábado compram pasta dentífrica e creme de afeitar e, na fila, folheiam a TV guia , a revista Motor e um jornal desportivo. As mulheres velhas acumulam imensos pontos no cartão. Os velhos guiam carros de pequena cilindrada , antes metalizados mas ainda em excelente estado de conservação. As velhas arrumam as garagens. As crianças estão a ficar impacientes. As mulheres novas estão a agora a sair de casa para passear as crianças. Os homens novos dormem. As mulheres novas empurram os carrinhos das crianças, dão a mão às mais velhas, rendem os velhos nas montras dos ginásios, caminham sobre plataformas, vigiam as crianças, espreguiçam-se nas esplanadas, olham para o rio sem ver o voo rasante dos patos, a manobra dos vaurien. As mulheres lançam sobre o rio o mesmo olhar que mais tarde, com o Manchester a perder por três, sir Alex Ferguson deitará sobre o relvado de Wembley. Levantam-se apressadas para ralhar às crianças. Os velhos fecham os carros com cuidado. Protegem o vidro com cartões que dizem CONTINENTE, levam os jornais debaixo dos braços. As crianças impacientam-se. Já têm sono, dizem as mulheres novas , já têm fome dizem as velhas. As mulheres preparam a comida, as crianças esperam, choram, dormem, vêem o canal Panda e os homens novos estão a acordar.

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1 Comentários:

Blogger Joana disse...

Uma beleza de texto!

segunda-feira, maio 30, 2011  

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