Cartas de Outubro
Dentro do meu programa de higiene mental só ligo a televisão para zappings ecoinfantilóides. Para falar verdade o que vejo mesmo são os jogos de voleibol feminino. Os realizadores parecem-se todos comigo, doentes da atribuição de sentido, sempre à procura de um grande plano das mulheres, agora a cara, agora as mãos, o rabo, as coxas, a nuca, outra vez a cara. Chega o segundo set e parece que conhecemos aquelas pessoas há muito tempo, o calão do vólei, o petit nom, as preocupações com o namorado que não entende o papel subalterno face à selecção. Nós sim entendemos. Entendemos tudo e o mundo parece leve, e os movimentos fáceis, e a equipa parece uma família indestrutível que não obedece a nenhum imperativo senão o de ganhar pontos, jogos, medalhas. De vez em quando, furtivamente, como os criminosos ao local do crime, passo pelo inferno mediático. Ontem à noite, na sicnotícias, às 23h vi um prodígio de manipulação goebbeliana. Uma notícia sobre a necessidade da polícia responder aos novos desafios, misturava as famosas cenas de violência taxista na Grécia e de pilhagens e saques no Reino Unido com imagens da manifestação popular da véspera em Lisboa. Pus mais alto. Tenho de ouvir estas pérolas para não ser surpreendido pela polícia. O locutor lia um texto sobre as tarefas árdua das polícias em tempos de austeridade. As imagens eram meramente ilustrativas. Como o texto era complexo o ouvinte distraído retirava apenas a mensagem principal, que nem chegava a ser subliminar: todas as manifestações são perigosas, a actividade policial é sempre justificada, vai ser necessária, já está a ser preparada.
Também vi dois minutos de entrevista a um ser humano encimado pelo título de ministro inglês para a Europa. Os entrevistadores , Nuno Rogeiro e Martim Cabral estavam enjoadíssimos com a personagem, tipo galçaréu de Sua Magestade, que não dava respostas a nada, se recusou a condenar a Rússia pelo desrespeito dos direitos humanos e pelos vistos se orgulhava do passado de eurocético.
No Expresso António Guerreiro voltou a pôr Vítor Hugo Mãe em minúsculas, acabando com o idílio entre o homem de letras e o público com evidente desgosto da minha mãe que desde os espanhóis não tem outra fábrica.
Comprei na Amazon o kindle book de Ian Morris chamado Why the West rules . Aconselhado pelo Távora. Demorou algumas horas a carregar mas finalmente chegou.
O Marmelo escreveu um livro borgiano, Vila-Matas teve um prémio italiano e o Planeta Tangerina editou dois livros, um da Yara Kono e outro da Isabel Minhós.
O tempo esteve ótimo, um pequeno verão dentro do Outono. A caixa ATM aceitou o meu cartão e fiz a transferência para a minha senhoria. A meio da tarde cozinhei uma receita de Nadia Santini que saiu bem, sem falsa modéstia e servi um Nieport Redoma branco de 2004.
Há uma discordância fundamental entre tanta coisa boa no presente e um futuro tão mau.
1 Comentários:
Luis,
Em cheio... em cheio. Há uma escumalha que nos lixa a cabeça desde há mais de uma década.
Uma escumalha doutrinadora do "nada", das realidades que só eles as vêem, e o povo lambe-os idealmente e repete-os nos cafés, e nas conversas de vão de escada.
Sabe, ...não foi em alunos (aqueles que aprendem) que vi ignorância...onde vi a ignorância mais fetiche pois naqueles que julgam saber algo ou naqueles que dada estrutura lhes carimba de sabedores...
Como pode esta gente assumir os "media", o marketing de opiniões?
Como pode esta gente aparecer no Poder?
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