29 outubro 2007

Filmes menores com Michelle Pfeiffer


Sam Taylor Wood, Pietá, 2001


Percebi agora que não percebi nunca nada e, neste mesmo acto, percebi então o quanto percebi bem as coisas. Não percebia nada porque estava aluada. Estive sempre ao lado, aluada, enquanto a vida passava. Estava ali e via muitas coisas que os outros não viam, mas estive sempre ao lado, aluada e concentrada na minha lua privada a julgar que a minha era a mesma de todos os outros.
Nunca pensei muito nisto, mas acho que pairava na vaga convicção de que eu e os outros pisávamos a mesma lua. Éramos seres transparentes com algumas dificuldades de comunicação. Era apenas uma questão de intrincada sintonização de rádios sob tempestade próxima. Como radioamadores sempre agarrados ao microfone e ao sintonizador, inconformados com a falta de contacto, numa teimosa perseguição do sinal do sinal, sempre na esperança de que o sinal crescesse e se tornasse sólido, incansáveis nessa busca de um sinal mais forte, jogando com todas as posições de todas as antenas feitas de todos os arames.
Estive aluada e concentrada na minha lua privada a julgar que era a mesma dos outros todos. Estive aluada e não vi os homens que me amavam a tempo de lhes estender a mão, estive aluada e tentava agarrar homens que estavam noutros planetas sem eu saber porque desconhecia que falava e amava a partir de tão longe, a partir da minha lua privada e inabitável. Estive aluada e não vi o meu filho a ficar mais aluado ainda do que eu. Estive aluada e sei que vou continuar assim apesar de dar conta de tudo o que existe nas pessoas. Só que não é a realidade delas. É a minha lua a incidir parcialmente nalguma fracção delas. Nada é totalmente verdade e nada é totalmente falso. Apenas uma lua minha a que ninguém tem acesso. Julgava eu que estava povoada e ciclicamente olho à volta e verifico que não há ninguém. Mas por momentos houve, tenho quase a certeza de que houve gente por aqui, embora agora não haja rasto de ser vivo. Como o principezinho a tentar manter viva a flor numa redoma inútil, uma única flor condenada ao extermínio pela tristeza num planeta deserto e hostil.
Talvez tenha, como o pai dele, de entrar no avião que desaparece no nevoeiro pacífico como algodão doce.
Talvez no lado de lá viva a onda hertziana que permite mensagens de longa distância. Até agora, demasiada chuva sideral, demasiada perfeição para tão pouco que dizer.

//sent by Rosaarosa

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