Helena Matos explica Loures
Zhang Xiaoging
Quando chegou de "umas curtas férias" Helena Matos, a cronista do Público, tinha ao seu” dispor as edições acumuladas que noticiavam” o que se passara em Loures, na Quinta da Fonte. Vinte dias depois era de esperar que Helena Matos soubesse alguma coisa mais do que os jornalistas que arriscaram escrever nesses dias. Afinal não sabe. Se sabe não diz. Os pretos, diz Matos. Já tantos disseram. Os ciganos, diz Matos. Já disseram também. A ladainha exorcista a que Rui Tavares tão bem aludiu, como se uma censura políticamente correcta tivesse, ao longo destes anos, impedido esta gente de dizer ciganos e pretos . E ainda, em Matos, a raiva inexplicada contra “as explicações sociológicas”. Será que têm saudades das explicações policiais, ou simplesmente dos comunicados do Governo Civil ou do Ministério do Interior. Ficamos à espera, 20 dias depois , umas curtas férias depois, que Matos nos explicasse um pouco de Loures. Afinal o tema era outro. Ela simplesmente queria constatar que os jornalistas não tinham palavras para a realidade. E desta constatação parte para uma história saborosa sobre os tempos da descolonização, o regresso dos colonos e a falta de palavras para, nesses anos da década de setenta, nomear os refugiados brancos. Para Matos há sempre um culpado: os jornalistas e a nociva ideologia “progressista” que estes (todos, sem distinção) servem. Não lhe passa pela cabeça que possa haver outras causas. Se as férias curtas se repetirem, ousaria aconselhar a Helena Matos um livro de Sebald, A História Natural da Destruição. A destruição sistemática e punitiva da Alemanha nazi já militarmente derrotada foi silenciada pelas vítimas, portadores de um tabu tácito, que a sua bem recente condição de verdugos parcialmente explicava. Demorou muito tempo até haver palavras para nomear a destruição operada pela RAF e pelas tropas soviéticas na marcha para Berlim. Em alguns sectores, como o da violência sexual, esse silêncio nunca se quebraria, e mantém-se até à actualidade.
(publicado tb. no Blasfémias)
Etiquetas: as palavras e as coisas, racistas de todas as cores, Sebald
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