22 novembro 2009

Epifania ao empacotar os livros


Manuel Alvarez Bravo

Passei a tarde a arrumar os teus livros, em caixas de cartão da Aki. O objectivo é mudá-los para estantes novas, numa casa diferente. Essa casa foi, de certo modo, preparada para acolher os teus livros, estes livros, e os meus livros. Durou tanto tempo o projecto da biblioteca, que os livros envelheceram. Entretanto envelheceu a própria ideia de livro. Detesto chorar sobre leite derramado, mas o ípsilon deste fim-de-semana dedicava três de cinquenta e seis páginas a livros e à critica literária. Cinco por cento. Durante este tempo, a FNAC reduziu o seu espaço livreiro e tornou-se uma empresa implacável de venda de equipamentos informáticos. Trabalho com pessoas que não lêem, quando dou livros percebo que sou visto como alguém sem imaginação.
Eu tinha posto a salvo alguns livros que não nomearei. Mas, exceptuando esta pequena contradição, senti-me subitamente pronto para me despedir destes livros, dos meus livros e de quase todos os livros. Em troca de uma parede branca, de um teclado, um ecrã, um acesso à rede. Até agora precisava dos livros, comprava , folheava, lia, guardava, emprestava, sublinhava. Esta tarde compreendi que também aqui, neste afecto que julgava constitucional, ocorrera em mim uma transformação. Já não preciso dos livros. Que se lixem os livros. E as estantes e os marceneiros. Que ardam, bem ou mal.

21 Comentários:

Blogger Courage my love disse...

Alguém que lhos guarde até que lhos peça de volta. Não os queime, a inquisição já lá vai. As melhoras literárias.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Unknown disse...

três de cinquenta e seis, pois é. E ainda me lembro de muitas pessoas terem saudado a 'fusão' do mil folhas no novo ipsilon...

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Anonymous Anónimo disse...

http://www.mediapart.fr/club/blog/la-redaction-de-mediapart/181109/signez-l-appel-international-pour-antonio-tabucchi

FS

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Isabel disse...

na minha estante os livros já estão em 2 filas, os detrás, infelizes, a raramente verem o sol. Mas há sempre lugar para mais por isso, antes de os queimares, manda a lista

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Anonymous fernando f disse...

A decepcionante constatação, de que os livros ardem tão bem, na voracidade tecnológica.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger margarete disse...

hoje os homens lá andam a arranjar o telhado, a próxima semana vai ser linda: acordar sem relógio e, colocadas as estantes no lugar, pegar em cada livro lembrando a sua história, entregar-lhes a casa nova

o mais especial vai ser a cerimónia face aos livros afectados pela inundação

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Helena Araújo disse...

Sim, está bem. E levar o computador para a cama? E dobrar os cantos das folhas, meter papéis pelo meio ("olha esta carta, estavas aqui?")? E sentir o prazer do papel nos dedos?

Eu cá guardava os livros e deitava fora o ípsilon. E a FNAC, já agora: em algum momento foi uma livraria?

Outro dia descobri que o dono da livraria-francesa-na-cave-das-galerias-Lafayette-em-Berlim lê e tem opinião sobre os livros que vende e os respectivos escritores. Quero lá saber dos ípsilons e das FNACS, quero é uma tertúlia ocasional (será que esta palavra continua a existir na era internet?) com esse livreiro.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Luís disse...

Lívia, obrigado. Isto passa.
Harry, isso foi mil folhas atrás...
Isabel, os livros de trás são muito infelizes.
Fernando f., é isso mesmo.Obrigado pelos seus comentários.
Margarete, boa sorte.
Helena, absoluto acordo. Uma tertúlia ocasional soa a sexo recreativo. Deve ser bom. O problema é que não está ao alcance de tod@s.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Luís disse...

E FS , obrigado por ter enviado o apelo sobre Tabucchi. Já assinei.
Há sempre um juiz pronto a servir os Berlusconis deste mundo.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Helena Araújo disse...

Essas suas associações de ideias, Luís...
Um dia que passe pela tal cave das tais galerias, aproveite para uma tertuliazinha com o tal livreiro. Algo me diz que lhe vai saber muito bem, e que nunca mais entra numa FNAC - a não ser para comprar um electrodoméstico.
Agora, a pergunta que não quer calar: "sexo recreativo" é uma tautologia, ou um pleonasmo?

E a pergunta, agora realmente séria, que não quer calar: em Portugal não há livreiros a sério, pessoas que gostam daquilo que vendem? Que têm critérios para a escolha dos livros, que gostam de conversar com os clientes?
(É verdade que não conheço nenhum, mas também já não moro em Portugal há 20 anos)

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger Carlos disse...

Por cá também temos os "nossos" Berlusconis. E juízes para os servir, claro.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Anonymous Anónimo disse...

Nem de propósito...
http://combustoes.blogspot.com/2009/11/fragilidade-dos-livros.html
teresab

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Blogger maria disse...

a propósito de livros. Andei três dias com a frase cantante na minha linda cabecinha: Eu tive o vício dos livros, agora deixei-o. No sábado, ocasionalmente, (não é bem assim mas faz de conta) estive numa livraria. Comprei quatro.
Começo a achar que não possuo os livros, são eles que me possuem a mim.

segunda-feira, novembro 23, 2009  
Anonymous No vazio da onda disse...

Todos nós temos um dia mau, como compreendo isso....

...Já passou?

terça-feira, novembro 24, 2009  
Blogger CCF disse...

Aí vai o endereço de um livreiro a sério: http://chapeuebengala.blogspot.com/
Não se entra na livraria dele sem se aprender alguma coisa, tem um saber imenso, imenso!
~CC~

terça-feira, novembro 24, 2009  
Blogger Unknown disse...

Engraçado...passei aqui por acaso, mas confesso que fiquei surpreendida com este desabafo, pois só o entendo como tal.
"que se lixem os livros...que ardam bem ou mal" não poderia discordar mais!
Encontro-me actualmente do extremo oposto...considero que ultimamente pouco tenho lido e sinto a falta, por isso aceito uma sugestão!

quarta-feira, novembro 25, 2009  
Blogger bettips disse...

...ah, eu passo livros a arrumar as tardes, que se lixem os CComerciais. E tenho saudades do Mil Folhas, que agora é tudo ao molho e as sugestões vêm pelo correio.

quinta-feira, novembro 26, 2009  
Blogger Luís disse...

Cara Carina

Se por acaso voltar a passar e quiser mesmo um conselho literário, atrevia-me a sugerir-lhe não um livro- um livro é uma árvore derrubada sem motivo- mas um texto virtual sobre comida: Tony Judt.
http://blogs.nybooks.com/post/257098377/food

quinta-feira, novembro 26, 2009  
Blogger Luís disse...

CCF, obrigado pela indicação de um livreiro a sério.

quinta-feira, novembro 26, 2009  
Blogger flôr de sal disse...

Já tive o prazer de queimar um livro. Deu-me um gozo infinito. Atirei-o para a lareira da cozinha da quinta. Foi uma prenda de natal da tia Rosa. Na contra-capa vinha escrito que era a história de uma rapariga gorda que fica anorética e acaba por se suicidar. Eu era uma adolescente borbulhenta e com excesso de peso, mas ainda assim suficientemente saudável para perceber que a maldade é sempre uma boa fonte de ignição.

segunda-feira, novembro 30, 2009  
Blogger fallorca disse...

Mais um «volume» para os Favoritos

segunda-feira, novembro 30, 2009  

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