O Sentido das Eólicas
Já não leio livros. Mas continuo a gostar de livrarias. Ontem vi um livro, compilado por Desidério Murcho, sobre o Sentido da Vida. O livro tem 208 páginas. Poucas, para explicar o sentido da vida. Demasiadas, para mim. Há cem anos, no poema V do Guardador de Rebanhos, Caeiro arrumou a cousa em dois versos. “O único sentido íntimo das cousas é elas não terem sentido íntimo nenhum.” Das mais belas páginas de Dawkins em River out of Eden, bem longe do proselitismo ateu da Ilusão de Deus, são sobre o significado oculto das coisas. Este fim de semana li uma reportagem no Público sobre os lobos de Leomil. Se a vida dos lobos dependesse de um referendo aos habitantes de Leomil , mais de 80% viraria o polegar para baixo. O significado da vida dos lobos de Leomil passa agora pelas eólicas. Os de Leomil odeiam os lobos. São poucos os que alguma vez o avistaram, mas se os ouvirem falar, surpreender-se-ão com o súbito amor que este simples têm pelas vítimas dos lobos. Uma égua, duas ovelhas, uma pastorinha. Excitados contra os predadores nada demove a sua ferocidade. Eles defendem o extermínio dos lobos, dos biólogos, dos ecologistas e da gente dos parques nacionais. Os mais condescendentes aceitariam a vida dos lobos, desde que confinada a um campo de detenção. Mas comovem-se com as pás das eólicas varrendo o horizonte. Não sei se o livro dos filósofos que Murcho reuniu, atentou na vida dos lobos, na vida dos camponeses de Leomil, na vida dos jornalistas, na minha vida de ex-leitor. Mas, sem uma crença que me tivesse bafejado, escapa-me o sentido da vida do lobo, da ovelha, dos seres abatidos à conta do nosso insaciável apetite. Ainda entendo , vá lá, o sentido da vida dos negociantes das eólicas. E em tempos pareceu-me entender o vento assobiando nas cumeadas.
Etiquetas: Aquilino, Caeiro, Coetzee, Maria do Rosário Pedreira
11 Comentários:
(...) Das mais belas páginas de Dawkins em River out of Eden, bem longe do proselitismo ateu da Ilusão de Deus, são sobre o significado oculto das coisas.
(...) Ainda entendo , vá lá, o sentido da vida dos negociantes das eólicas.
É por estas e por outras que eu adoro ler o que escreve. Bem haja! Como diria o masson
magnífico!
vamos lá guiarmo-nos pela "voz" do povo...
Pois, se houver referendo acontece aos lobos o mesmo que aos minaretes na Suiça.E nas cumeadas em vez de poesia, haverá energia.
É tão bom ler posts assim :)
muito interessantes seus textos...abraço
talvez a solução seja exportarmos os lobos para a suiça e trazermos os minaretes para as cumeadas. sem referendos, que me perdoe a dna. maria do rosário
«Já não leio livros.» Porquê?
Será atrevimento da minha parte mas explico a pergunta. Cada vez leio menos, desmotivado pelo imenso “ruído” da actividade editorial, ou seja, pelos inúmeros calhamaços de futilidades que diariamente saem a público. Realidade que transforma em tarefa cansativa o que em tempos foi enorme prazer, a procura e selecção de leituras interessantes. Por outro lado, ao entregar-me à escrita, verifico que me é mais difícil ler os outros - talvez numa tentativa de minimizar as inevitáveis influências externas?!
Saúde
francisco
nunca fiz minaretes nas cumeadas, mas já não me sai a ideia
que mal têm os minetes da suíca?
:)
Luís, desculpa a intromissão:
efe, que estranhas coisas diz, já leu tudo o que de bom se escreveu, digamos desde o sec XV? a sério? pois a minha sina é "tanto para ler tão curta a vida". Dou-lhe um conselho, em vez de ir às livrarias comprar o que lhe querem impingir, vá às bibliotecas, consulte os catálogos. E a sério, fica tão contentinho com o que escreve que já não consegue ler os outros? Já agora, onde escreve isso tudo?
Fiquei indeciso entre responder aqui ou no blogue da Isabel, mas tendo aqui o comentário original, peço desculpa ao proprietário deste blogue, mas vou retorquir.
Isabel, eu apenas apresentei a minha situação para justificar a pergunta que fiz ao Luís, nada mais. E nele não disse que tinha deixado de ler mas que apenas tinha reduzido a leitura (e assim é, sobretudo, no que toca aos contemporâneos). Não disse que considerava ter já lido tudo, ou sequer o bastante. Portanto não compreendo esse exercício que a conduz à ilação de que teria de ter lido tudo “o que de bom se escreveu, digamos desde o sec XV”, para me sentir desmotivado com a leitura. Tal como não percebo a relação que existe entre “ficar contentinho com o que se escreve” e o “deixar de conseguir ler os outros”. Parece-me que, em primeiro lugar, a Isabel comete o erro de julgar que todos os que escrevem se julgam escritores, o que é um erro (ou um duplo erro, se cumulativamente entender que em matéria de escrita e leitura, os escritores têm um estatuto superior aos leitores). Tampouco aspectos como a quantidade ou a qualidade do que se escreve entram na equação do “cansaço” ou “desmotivação” que, eventualmente, acometam cada um. Tal dependerá da capacidade intelectual de cada sujeito, sobretudo disso.
Em segundo lugar, e deduzindo-se do atrás exposto, o que escrevo não carece de alcançar notoriedade (nem sequer possuir qualidade) para contribuir para a minha desmotivação em ler os outros. Mais uma vez, depende do degrau da escada em que cada um está – e eu estou cá por baixo.
Escrevo em papel, Isabel. Em papel as coisas que reputo mais sérias, mas também publico na Net as coisas mais (a) variadas, maioritariamente absurdas, ou que não pretendem ser mais do que exercícios de escrita.
Afinal, o que o meu comentário (deixado no “Natureza do Mal”) reflecte - é que até os simples (sóbrios, e nada eruditos) consumidores de papel impresso, como eu, sentem-se um tanto à deriva neste mar imenso de edições vácuas.
Finalmente, encerrei o meu comentário manifestando uma fragilidade, e não um estado de contentamento superlativo, em relação àquilo que escrevo. Partilhei a interrogação acerca da eventualidade de temer não conseguir dominar a influência dos outros naquilo que escrevo. E daí, eventualmente, fugir à leitura.
Eram apenas explicações para suscitar uma justificação do Luís à sua afirmação: “ Já não leio livros”.
Ao interceptar o meu modesto comentário, a Isabel perdeu tempo com apreciações que, certamente, seriam pertinentes se dirigidas a um intelectual ou, ao menos, a alguém verdadeiramente culto.
Mas tome lá, um dos simples e breves exercícios de escrita que referi, e que parte da leitura de um documento daqueles que me recomendou. Porém, veja-o exactamente como é, um exercício de escrita despretensioso elaborado por alguém que vai a caminho, aprendendo a escrever: http://fcastelo.net/musca/Claustro%20Fobias.pdf
E as coisas (a)variadas: http://blogue.fcastelo.net/
Saúde.
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