Quem fodeu o proletariado
Confesso que cresci embalado numa promessa. Uma manhã acordaria no dia claro da Sophia. A terrível desigualdade entre os humanos seria anulada por um poder que acabaria com a exploração e ao fazê-lo, extinguir-se-ia. Então o homem deixaria de ser o lobo do homem (esta imagem nunca me convenceu, porque cresci no meio de gente boa e os lobos nunca me inspiraram senão admiração e inveja). O sujeito desta estória era o proletariado. Eu nunca vira o proletariado mas, depois de ter sido chacinado nos Champs de Mars, ele tinha vencido na Quirguízia e na Mongólia exterior. O proletariado tinha construído a mais bela das praças do mundo, a Grande Place de Bruxelas, e numa dessas casas, pago pela corporação dos padeiros, um cientista social tinha escrito O Capital e o Manifesto do Partido Comunista. Na idade em que somos invulneráveis e eternos, a inevitabilidade da vitória do proletariado era, com o Em Órbita, a música que tocava nos meus ouvidos.
De facto nunca me encontrara com o proletariado. A classe operária estava muito atrasada no meu país e só me era dado conhecer homens e mulheres normais. Acho que cheguei ao que se convencionou chamar a idade adulta sem ter apertado a mão a nenhum proletário. Mas era uma questão de tempo.
O resto já se sabe.
O proletariado nem chegou a aparecer. O Bonirre fotografa agora os destroços das fábricas na cidade de C., as marcas de vidas que não conhecemos, da gente que trabalhava duramente, ignorante do nosso sonho bom e do pesadelo da Mongólia exterior.
Os filhos dos proletários são hoje estudantes das privadas, desempregados de longo curso nos balcões dos shoppings, auxiliares dos lares da terceira idade, animadores culturais do Instituto da juventude com contratos a termo certo.
Na Quirguízia os filhos do homem novo aderiram ao islamismo e à acção directa.
Os velhos donos do mundo, com falinhas mansas, eleições, hambúrgueres e televisões empalmaram o proletariado. Quando ele deu conta deixara de existir. Nem classe em si. Nem classe para si. Simplesmente uma coisa do passado como a FNAT, as Mutuais, as Cooperativas, os piqueniques no campo e o próprio campo.
Mas não se riam.
Talvez hoje, numa praça de Atenas, um espectro comece a assolar a Europa.
Etiquetas: Política
4 Comentários:
Pois é. A realidade é "fodida".
Bj
luís, os meus parabéns e um vigoroso aperto de mão que, não sendo proletário, é o que se pode arranjar
Belo texto, comovente mesmo.
Bom! Gostei.
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