Os velhos do baby-boom
Jeff Wall
Há uns anos mudei-me do bairro operário para uma rua construída numa expansão que a cidade sofreu no pós-guerra, em terrenos ainda próximos do centro.
No bairro operário reinava o silêncio. Reformados, mulheres-a-dias, desempregados de longo curso. Agora, a minha rua, é o querido mês de Setembro filmado no S. João do Porto. Quase não devem restar sobreviventes das esperançadas famílias do baby boom português. Mudaram-se para Celas, para a Solum, para os bairros novos da periferia. Saíram da cidade. Morreram, quase sempre sozinhos, em casas que tinham ficado demasiado grandes para eles, partilhadas por outros animais doentes. Quando morrem, aparecem familiares apressados que abrem as janelas, dão uma limpeza à casa, pintam as paredes, mudam as persianas e põem os quartos a alugar a estudantes, preferem-se meninas. Quem aluga são quase sempre rapazes. Vêm de Lamego/ Tarouca, Macau, Bremerhaven e de Angola. Abastecem-se no Pingo Doce. Os pais vêm trazer os de Lamego/Tarouca. Eu vou à Estação Velha buscar a menina de Macau, procedente de Londres-Gatwick. Trazem arcas frigoríficas carregadas de comida, caixotes com batatas, cebolas, enchidos e uma lata de azeite.
Não sei o que fazem durante o dia, à excepção da menina de Macau que faz pesquisa num Arquivo da Universidade. Ao anoitecer encostam-se aos portões. Têm um ar estival, de calções e cabelo em desalinho. As janelas das casas estão abertas e deixam ver a extraordinária desarrumação que por lá vai: computadores, um ecrã de televisão, roupa amontoada. Depois de jantar, enquanto a menina de Macau tenta estudar, começam a beber cerveja. Falam alto, nas varandas e o tom de voz sobe com a lua e o calor da noite. As mulheres têm a voz estridente com que as pastoras juntavam as ovelhas tresmalhadas. Os homens dizem palavras fortes. A menina de Macau há muito que fechou a luz do quarto. Os velhos entricheiraram-se nos apartamentos residuais. Os velhos não protestam. Os velhos do baby boom, ironia da história, já não protestam. Aceitam o comportamento da juventude como o calor de Setembro, os fogos ou a enurese. Morrem devagar, como os peixes nos aquários, os periquitos nas gaiolas, os gatos cegos dos apartamentos dos velhos do baby-boom.
Etiquetas: Rua do Teodoro
6 Comentários:
Sendo assim, vou até ao café de que não lembro o nome, na Solum; pode ser que esteja por lá uma das minhas namoradas
Na Solum pode ser tudo...Mas é melhor procurar pela Novalmedina.
o baby bom é dos anos 60
das 160mil crias vivas por ano
mais uns anjitos
querias ser eterno ó autoproclamado
velho babyboomer
Novalmedina, pois, não vale a pena por ex. ir ao Moinho Velho
Os velhos do bairro operário andam muito fechados em casa, o Verão foi muito
e enquanto as demências atacam as suas cara-metade, eles espreitam pela cortina, mostram-se mais um pouco quando percebem que faremos contacto visual. Os seus sorrisos aos nossos dois dedos de conversa são maravilhosos.
sabes, o sol da rua construída numa expansão que a cidade sofreu no pós-guerra parece-me sempre mais branco e abrasador, tenho passado lá e há dias senti uma espécie de excesso de luz
Luís,
A sua escrita pós-férias vem tão mansinha de contemplação que enternece. Parece que se apaixonou. Tenho que meter umas férias também, a ver se me acontece.
Saudosa rua de alcatrão transformada...
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