O bombardeamento bom
Algumas das pessoas cujas opiniões mais respeito apoiam com convicção o bombardeamento da Líbia. Os motivos são os óbvios: a satisfação por ver derrubar Kadafi, a urgência em parar com a matança de inocentes, a simpatia para com os insurrectos que tiveram a coragem de se manifestar e pegar em armas contra um dos regimes mais abjectos do mundo. Ao contrario do que se passou com o Iraque, grande parte da esquerda aceita esta intervenção. Os motivos foram resumidos pelo Daniel Oliveira: existe uma situação de massacre, a intervenção é feita sob os auspícios das Nações Unidas, os objectivos são bem definidos e não incluem a ocupação do país.
Estariam assim reunidas as condições para realizar a famosa ingerência humanitária: a humanidade evoluída, moderna, escondendo objectivos económicos imediatos e em nome dos valores civilizacionais, normaliza a situação num país atrasado. Neste caso a Líbia tribal.
Não me entusiasmo. Como na morte do ditador iraquiano (um enforcamento ignóbil pré-moderno, convém recordar) não levanto nenhuma taça a nenhum brinde. Não há nenhuma humanidade num bombardeamento. Um bombardeamento é um acto covarde. Não distingo entre o bombardeamento das forças armadas líbias sobre Bengasi e o bombardeamento das forças francesas sobre Tripoli.
Depois, este assomo de interesse pela sorte dos insurrectos líbios está, na maior parte dos que se escandalizam, manchado pela hipocrisia. Sem falar do Ruanda e do Darfur, da Eritreia e do Sudão, houve matanças ignominiosas a serem perpetradas debaixo da indiferença moderna, de um ligeiro incómodo pós-moderno e da turbulenta ignorância hiper-moderna. Hoje mesmo, os ditadores africanos pós-coloniais, herdeiros do pré-colonialismo, do colonialismo e do anticolonialismo, exploram, agridem e algumas vezes massacram os seus povos, sempre com o apoio e o entusiamo do homem branco empreendedor e debaixo do pesado silêncio das instâncias internacionais. O Reino Unido soube esquecer a tragédia de Lockerby ee enviar o príncipe do povo converso, para os negócios de Tripolí. E de Berlusconi e Sarkozy está tudo dito.
O direito de ingerência humanitária é um pouco como a pena de morte. Exige um carrasco. Um assassino bom, legitimado pelos fins. E depois, como diziam os antigos pacifistas do Iraque, sabe-se como começa mas não se sabe como acaba. Começa com a tenda de Kadafi a ser bombadearda e acaba com José Lamego a redigir a nova constituição democrática da Líbia e os mercados a procurar quem vai, responsavelmente, administrar o petróleo.
Etiquetas: Líbia
9 Comentários:
Caro Luís,
fazendo meus, em boa medida, os seus pressupostos de ordem genérica, parece-me que V. perde de vista alguns traços peculiares da situação.
Há uma guerra civil na Líbia e o campo insurrecto reclama o apoio internacional contra a ofensiva do ditador, equipado com um arsenal poderosíssimo, que ameaça esmagá-los, ser implacável. fazer-lhes a vida num inferno. Sendo assim, devemos lavar as mãos e deixar Kadhafi matar "o que é dele", a pretexto de respeitarmos a independência líbia? E porque é que os titulares da independência líbia não podem ser considerados os insurrectos?
A grande diferença em relação a outros casos que V. cita é, com efeito, a existência no terreno de uma frente de batalha e de dois campos que disputam o poder político. Sendo assim, creio ser legítimo que os insurrectos peçam apoio internacional e que este lhes seja concedido - sem exceder o seu pedido: sem ocupação ou administração exterior do país.Mais ainda, penso que os democratas europeus devem exigir dos seus governos o reconhecimento como "governo provisório" ou "de transição" da Líbia os responsáveis e porta-vozes dos revoltosos, o fornecimento de armas e provisões às suas força, uma atitude de "países aliados" - abstendo-se de formas de interferência como a ocupação do território ou a administração por missões estrangeiras do conjunto ou de parcelas do país.
Os motivos por que reivindico uma intervenção militar limitada e de acordo com as reclamções dos revoltosos são, assim, mais políticos do que simplesmente "humanitários". Trata-se de uma reivindicação solidária com os resistentes que se levantaram, aceitando a luta de morte, contra uma ditadura sinistra. Parece-me tão desejável como retrospectivamente podemos pensar que teria sido um apoio efectivo da Frente Popular de Blum à República durante a Guerra Civil de Espanha - por exemplo.
E, sim, condenei a invasão do Iraque, mas teria defendido que, no caso de ter havido um levantamento anterior contra Saddam, deveríamos pressionar os nossos governos a prestar-lhe assistência - armas, outros meios, operações destinadas a impedir que Saddam bombardeasse a revolta etc. -, em termos que, todavia, excluíssem a ocupação ou se traduzissem na invasão do país.
Cordial abraço
msp
concordo em absoluto contigo, Luis.
Miguel, eu não tenho confiança nos governos que foram à Líbia fazer a guerra limpa dos negócios e agora vão fazer uma coisa que nunca esteve nos seus hábitos: o apoio a uma insurreição popular, uma invasão boa.
Acho que devem ser usadas todas as armas diplomáticas. Mas introduzir no direito internacional a prática da guerra humanitária contra os tiranetes caídos em desgraça é muito próximo da doutrina Bush. Os neocons devem estar a rir, a esta hora.
Na guerra civil espanhola os insurrectos levantaram-se contra o governo legítimo da República. A esperança do apoio do governo francês à República tinha como pano de fundo contrabalançar a assistencia da Alemanha e da Itália fascista à Falange.
Não vejo paralelo.
Mas percebo e respeito o seu ponto de vista. Há sempre um momento em que apetece ser optimista e acreditar em coisas boas. Louvo a sua boa vontade.
Luís,
eu tenho tão pouca confiança como V. nos governos que refere- ou mais desconfiança ainda.
O ponto não é esse. De facto, Berlusconi, Luís Amado, Sarkozy e tutti quanti foram forçados pela revolta líbia e pelo que a antecedeu na região a deixar cair Kadhafi.
E se a Republica de 1936 tinha, entre outros títulos de legitimidade, o da legalidade, os insurrectos líbios podem reivindicar a legitimidade da insurreição contra a tirania, a privação de direitos e liberdades elementares, bem como a impossibilidade de exprimirem legalmente a sua vontade de mudar de governo.
Por fim, as soluções diplomáticas de que o Luís fala teriam manifestamente o inconveniente de permitir que a matança se prolongasse, além de que não se vê como poderiam prescindir de uma lógica de ultimato semelhante à que preludiou o desencadear da intervenção. É sobre essa solução que me parece justificado dizer que boa vontade não basta.
Cordialmente
msp
Brilhante ánálise Luís! Como lamento ter, também, imensa dificuldade em acreditar "nas coisas boas" da politica..em geral. Nacional ou internacional. Sabes, invejo os crentes são mais felizes.
Caro Januário
Pertenço àquela "grande parte da esquerda (que) aceita esta intervenção". É que esta intervenção foi decidida por quem de direito - o Conselho de Segurança da ONU - e no estrito respeito pelo direito internacional. O direito internacional - que engloba a Declaração Universal dos Direitos do Homem - é vinculativo para todos os países do mundo, sendo que a quase totalidade destes se vincularam voluntariamente a respeitá-lo, ao aderirem à ONU.
Apenas acontece que, ao contrário dos Estados nacionais que têm forças coercivas - polícias e exércitos - para impor o "seu" direito, a ONU não dispõe de forças próprias para obrigar os Estados a respeitar o direito internacional. Assim, o que lamento é que a ONU não intervenha mais vezes, isto é, sempre que devia, e designadamente nos casos omissivos que citas.
Por outro lado, nem todos os bombardeamentos são assimiláveis: há bombardeamentos em legítima defesa, própria ou de terceiros; e penso que este é um desses casos.
Um abraço
Horta Pinto
Tenho seguido de longe (estou n Sri Lanka…) o mar de «certezas» que por aí reina e as tuas, Miguel, foram das que mais me espantaram. Claro que é agradável ver a ONU defender os mais fracos e Sarkozy transformado em Zorro, mas…
Além disso: deve esta intervenção ser vista como pontual e exercida com pinças, o que não parece estar a ser o caso, ou entrámos na era de guerras santas contra todos os ditadores? Há muitos em fila de espera…
é assi mesmo deve-se democratizar os bombardeamentos
não pagam as dívidas bomba neles
bombardear pela paz
democratizar pela bomba
parece-me que V (o filme) perde de vista alguns traços peculiares da situação:
Há uma guerra civil na Espanha e o campo insurrecto reclama o apoio internacional contra a ofensiva do Governo, equipado com um arsenal poderosíssimo
é necessário dar cabo dos rojos
para que os demo cratas insurrectos devovam as propriedades inglesas com juros
ou poços de pitroil tanto faz
só se reconstroem países que possam pagar
o Haiti tem petróleo?
deve ter poucochinho....
gostei desta da ditadura sinistra
antes de Jean Bedel Bokassa
havia um ditador sinistro
depois apareceu um ditador exótico
felizmente na Líbia vai acontecer o contrário
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