Cartas
Cortaram a electricidade da minha casa no bairro operário. Foi um erro, justificaram. Queriam , de facto, cessar o fornecimento de serviços ao senhor Teixeira. Mas o funcionário dos cortes achou que não fazia sentido que, num prédio às escuras, o 2º Esq. continuasse iluminado. Fui ao Montepio, é o meu banco desde que ganho dinheiro. Apercebi-me de que já lá não conheço ninguém. Tentei pagar as multas da conta a descoberto e arranjar alguma liquidez. O bancário que me atendeu tinha ar de serial killer. Se rapasse o cabelo seria imponente. Ignorante do seu potencial trágico levanta e penteia os cabelos raros adiando um destino de calvície. Um colega de banco passou e iniciou uma cerimonio de cumprimentos e saudações. Ele virou-se com lentidão e ficou com a mão estendida no ar. Sorriu. Mas o sorriso reforçou o ar sinistro com que o classificara. De vez em quando levantava os olhos para a movimentação do cumprimentador. Deve haver uma norma de qualidade, no Montepio, que pergunta se, chegados ao atendimento, os funcionários cumprimentam pessoalmente todos os colegas. Este fazia-o maquinalmente, já descrente da promoção.
Não parei de olhar para o serial killer durante o tempo que durou a transacção. Transferir dinheiro de um depósito, a minha ex futura reforma, para a conta à ordem. Aguento-me mais um mês, pensei. É mesmo o tipo de actor que eu gostaria de ter quando fizer um filme , pensei também. Estou lixado, não chego ao natal, pensei ainda. A bancária da caixa 6 olhou para mim mais tempo do que o código do Montepio e das mulheres que não querem sexo recreativo costumam usar. Talvez ela me veja como eu ao seu colega. Ouço-a a chegar a casa e a contar:
- Não calculam o tipo de gente que tem as contas a descoberto e aparece a levantar as pequenas poupanças.
Saí para a rua. No restaurante das tias o menu de hoje, a 9euros, era sardinha, ou carapau de escabeche e sopa de grão. As tias desertaram, é preciso dizer. Foram take away comer sardinhas de escabeche para casa, à hora do lanche, depois das empregadas brasileiras terem saído.
Vou trabalhar. Ver se ganho dinheiro para o pagamento por conta do IRC.
(Esta merda escreve-se num instante. É como uma carta a contar-te o que me está a acontecer. Não, não é a ti.Nem a ti.)
Etiquetas: Cartas à Filipa
3 Comentários:
O empregado do meu banco chama-se Bernardo, tem cabelo à Nuno da Câmara Pereira, uma fitinha do Bonfim amarela no pulso e bronzeado piz buin. É tratado abaixo de cão pelo Sr. Costa, funcionário da casa há 25 anos. E eu tenho pena dele.
É por estas e por outras que não vou ao banco há uma porrada de anos. Mas um destes dias vou lá levantar as poucas economias e guardo-as debaixo do colchão. De tão poucas que são não devem chegar para me dar cabo das costas...
Esse Sr. Costa parece estar a merecer um tratamento à Amélie Poulain.
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