28 setembro 2011

Cartas


Cortaram a electricidade da minha casa no bairro operário. Foi um erro, justificaram. Queriam , de facto, cessar o fornecimento de serviços ao senhor Teixeira. Mas o funcionário dos cortes achou que não fazia sentido que, num prédio às escuras, o 2º Esq. continuasse iluminado. Fui ao Montepio, é o meu banco desde que ganho dinheiro. Apercebi-me de que já lá não conheço ninguém. Tentei pagar as multas da conta a descoberto e arranjar alguma liquidez. O bancário que me atendeu tinha ar de serial killer. Se rapasse o cabelo seria imponente. Ignorante do seu potencial trágico levanta e penteia os cabelos raros adiando um destino de calvície. Um colega de banco passou e iniciou uma cerimonio de cumprimentos e saudações. Ele virou-se com lentidão e ficou com a mão estendida no ar. Sorriu. Mas o sorriso reforçou o ar sinistro com que o classificara. De vez em quando levantava os olhos para a movimentação do cumprimentador. Deve haver uma norma de qualidade, no Montepio, que pergunta se, chegados ao atendimento, os funcionários cumprimentam pessoalmente todos os colegas. Este fazia-o maquinalmente, já descrente da promoção.
Não parei de olhar para o serial killer durante o tempo que durou a transacção. Transferir dinheiro de um depósito, a minha ex futura reforma, para a conta à ordem. Aguento-me mais um mês, pensei. É mesmo o tipo de actor que eu gostaria de ter quando fizer um filme , pensei também. Estou lixado, não chego ao natal, pensei ainda. A bancária da caixa 6 olhou para mim mais tempo do que o código do Montepio e das mulheres que não querem sexo recreativo costumam usar. Talvez ela me veja como eu ao seu colega. Ouço-a a chegar a casa e a contar:
- Não calculam o tipo de gente que tem as contas a descoberto e aparece a levantar as pequenas poupanças.
Saí para a rua. No restaurante das tias o menu de hoje, a 9euros, era sardinha, ou carapau de escabeche e sopa de grão. As tias desertaram, é preciso dizer. Foram take away comer sardinhas de escabeche para casa, à hora do lanche, depois das empregadas brasileiras terem saído.
Vou trabalhar. Ver se ganho dinheiro para o pagamento por conta do IRC.
(Esta merda escreve-se num instante. É como uma carta a contar-te o que me está a acontecer. Não, não é a ti.Nem a ti.)

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3 Comentários:

Blogger Filipa Júlio disse...

O empregado do meu banco chama-se Bernardo, tem cabelo à Nuno da Câmara Pereira, uma fitinha do Bonfim amarela no pulso e bronzeado piz buin. É tratado abaixo de cão pelo Sr. Costa, funcionário da casa há 25 anos. E eu tenho pena dele.

quinta-feira, setembro 29, 2011  
Blogger Kruzes Kanhoto disse...

É por estas e por outras que não vou ao banco há uma porrada de anos. Mas um destes dias vou lá levantar as poucas economias e guardo-as debaixo do colchão. De tão poucas que são não devem chegar para me dar cabo das costas...

sábado, outubro 01, 2011  
Blogger Courage my love disse...

Esse Sr. Costa parece estar a merecer um tratamento à Amélie Poulain.

domingo, outubro 02, 2011  

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