Homenagem a Glenda Jackson, MP
Martin Parr
A
senhora Thatcher foi a sepultar. Foi um dia grande para o Império Britânico. No
Parlamento de Londres, uma mulher corajosa, Glenda Jackson, tinha lembrado as
multidões de deserdados do thatcherismo. Glenda, uma glória britânica,
opositora da revolução conservadora, do blairismo e da guerra do Iraque, estava
bem colocada para fazer esta intervenção e quebrar o falso unanimismo que a
direita revisionista procurava, com a claudicação da razão que uma morte sempre
provoca. Um membro da maioria mandou-a calar. Tratava-se de uma Homenagem à
falecida. Só falava quem queria. Homenagem é, etimologicamente, um protesto de
admiração e respeito do vassalo ao senhor feudal. Em inglês, Tribute tem o mesmo significado. To pay tribute, dizem. Acabado o
feudalismo, só paga quem quer. A
homenagem passa a ser um acto de consideração. Quem não tem consideração
especial pela senhora Thatcher, deve alhear-se da homenagem. Além do mais não
parece elegante dizer mal de quem acabou de morrer. É um momento em que deve
calar-se quem, como eu, não tem nada de especialmente agradável para dizer
sobre a mulher que governou o Reino Unido durante onze anos, deu aos patrões a
flexibilização das leis laborais, aos mercados a desregulamentação do sector
financeiro e a privatização dos sectores rentáveis do Estado e foi uma das
principais responsáveis pelo mundo com que nos debatemos presentemente. Seria
este o meu contributo, se eles tivessem parado de falar. Apenas com uma breve nota, como dizem os
comentadores. Sempre achei Glenda Jackson melhor do que Merril Streep. A rainha Isabel I, Elena Bonner, Alexandra Kollontai, a amante
de Lord Nelson são bem superiores à amante do Tenente Francês, ao diabo que
veste Prada ou à xaropada romântica de A ponte de Madison County. Calo-me, pois.
Não
foi outra a opinião do Bispo de Londres, Richard Chartres, que disse que o funeral não era
o local para discutir as suas políticas. A senhora Thatcher fez o que Passos
Coelho está a fazer neste país. Tomou o aparelho de Estado para destruir a
maior parte das suas funções sociais. Era o seu ideário e cumpriu-o, vinte anos
antes dos correligionários portugueses, com o apoio maioritário dos votos depositados
nas urnas. Com Reagan, e depois com Bush e Blair, inaugurou a nova faceta da
direita política que abandonou a moderação social do conservadorismo clássico
inglês e desencadeou uma via de destruição. Será recordada pela famosa frase “não existe essa coisa de sociedade. Há
indivíduos e famílias.” Foi agora a enterrar com um
funeral que custou 12 milhões de euros aos contribuintes, o que, como alguém
registou, não é inteiramente correcto para uma liberal extremista. A baronesa Thatcher
de Kestevet, fiel aos seus princípios, não se precaveu contra a tentação do
governo encenar um espectacular funeral de Estado, ao invés de um discreto
funeral privado, a cargo da Servibritain e suportado por uma cláusula do seu
seguro de vida pessoal.
O
funeral revestiu-se de uma pompa sem igual. Sob o ponto de vista formal, foi um
“funeral cerimonial”, uma categoria criada para Diana após a sua morte, e que
depois se aplicou às exéquias da Rainha Mãe. Na prática imitou o funeral de
Churchill. Como foi notado, Churchill
foi um combatente que uniu o Reino Unido quando este era, ainda, a sede de um
império. Thatcher foi uma determinada activista radical que unificou a direita
numa batalha política contra o trabalhismo, os sindicatos, a classe operária e o Estado providência e dos consensos,
laboriosamente edificado no pós guerra. Pregando um “capitalismo popular”, em
que todos poderiam ser proprietários de uma mercearia, abriu o caminho à
ditadura mundial do capital financeiro especulador, ao clepto-capitalismo nos
países pós-comunistas e à intervenção militar sem fim. Nos direitos civis e nas
artes, oscilou entre a ignorância e a grosseria. Amiga de Pinochet, tolerante
com o apartheid, matou a ilusão de que a chegada das mulheres aos mais altos
cargos de decisão política modificaria o seu exercício.
Compreende-se
que a direita de Cameron e os seus simpatizantes do continente lhe queiram
prestar esta homenagem e nisso se excedam, e que a monarquia de Isabel II,
especializada em funerais, se ponha a jeito. Mas neste ano do século XXI, a
vitalidade do legado de Margareth Thatcher reside na cega agressividade dos
mercados destruindo as nossas vidas. O fausto do funeral de Londres e o mundo
intelectual de Thatcher são já como o império de Vitória: um parque temático
que alguns visitam com nostalgia e que no dia seguinte se esquece com o anúncio
dos novos cortes governamentais nos serviços públicos.
Etiquetas: A bicicleta de Russel, crónicas do i
2 Comentários:
Não vou contestar cada um dos seus argumentos contra Thatcher. Não sou indicado para isso por me faltarem conhecimentos. Mas por considerar que o seu post contrário à homenagem me parece o mais correcto e crítico que tenho lido só pergunto sobre o custo do funeral, por me parecer que esse argumento é pura demagogia e manipulação: então aquela tropa toda ganha ou não ganha o mesmo por se pavonear por Londres ou por estar dentro de quartéis? Ou será que foram pagos também os chapéus das senhoras?
Também ouvi dizer que não foi Thatcher nem a família quem quis aquele funeral. Terá sido a rainha quem o quis.
"matou a ilusão de que a chegada das mulheres aos mais altos cargos de decisão política modificaria o seu exercício."
uma coisa positiva.
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