Os patriotas
Diane
Arbus chamou-lhes Patriots. E eles trazem na lapela o distintivo do Thanksgiving ou do 4th july e nas mão o
pavilhão das estrelas e das riscas.
Não parecem muito dotados, mas a distribuição dos dons é provavelmente
semelhante entre os patriotas e os não patriotas. Devia dizer “menos patriotas”. A ideia de patriotismo é tão
forte, tão consensual, que é difícil encontrar alguém que dela se exclua. Os marxistas antigos eram
internacionalistas pois, para eles,
o colectivo que transportava a superioridade moral era a classe operária.
Mas o PCP, mesmo nos tempos da iluminação soviética, sempre teve o cuidado,
algumas vezes obsessivo, de reclamar as suas propostas como patrióticas.
O
nacionalismo é a ideologia que declara a nação como a unidade politica “natural”. ( Já estou a ficar farto de tantas
aspas, mas isto é matéria para pinças) Historicamente floresceu com o
iluminismo e o romantismo, paradoxalmente contra a anexação das guerras napoleónicas
e depois nos territórios do Império austro-húngaro reconstruído. Deu origem aos estados-nação com a
bandeira , o hino, a língua nacional, o panteão, o dia da nação, as Ordens
honoríficas e mais tarde a selecção nacional de futebol. No século XX, a
ideologia nacionalista foi aproveitada pelas ditaduras de extermínio. Esteve na
origem das guerras mais letais da história e permitiu o recrutamento dos jovens
para uma morte colectiva e programada.
Na
Europa actual, aparentemente sem fronteiras, o Estado-nação, com homogeneidade
de história, tradições culturais, língua, não existe. Mas os demagogos e os políticos
ambiciosos estão sempre a aproveitar uma vulgata simplificada da” história da
nação” para unificar os interesses diferentes das populações, enquanto
prosseguem, silenciosos e opacos, politicas económicas transnacionais.
O
patriotismo e o nacionalismo fazem continuamente apelo a ideias irracionais e
contêm subjacente uma ideia falsa : a de que existe, na entidade politica
nacional apenas uma história, uma cultura, uma religião, uma língua, uma raça.
E atrás dessa ideia falsa, uma ideia mortífera: a nossa é a melhor.
Danilo
Pabe, um rapaz que cresceu na Jugoslávia em decomposição sangrenta e se exilou
em Inglaterra, foi recebido como um respeitável foreigner e hoje, 20 anos depois, é um fucking Eastern European immigrant, o que mostra a persistência das
ideias xenófobas e racistas, mesmo quando cobertas pelo banho de chocolate da “cultura
da tolerância”.
Eu
não sou patriota nem nacionalista nem faço distinções subtis, embora saiba que
existam. Interessa-me mais insistir na multiplicidade de culturas, línguas,
referencias culturais e históricas, religiões, existentes no mesmo território.
Como de formas de relacionamento amoroso e de famílias, mas isso, como diria
Danilo Pabe, é outra história.
Se
alguma vez me virem trair esta declaração, fotografem, por favor, ponham-me na
mão uma bandeira e debaixo da foto uma palavra simples, que de algum modo
lembre a Diane Arbus.
La
hija del Este, Clara Usón, Seix Barral
2012
(tradução portuguesa anunciada para breve)
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