31 maio 2011

A Natureza do Mal e as eleições: elogio e louvor da esquerda.





No domingo, a direita e o Partido Socialista preparam-se para escrever mais um capítulo do fim da história: a entrega do país à voracidade dos mercados e à irracionalidade da política económica da actual fase do capitalismo. Fim da história, fim da resistência dos explorados, fim da insubmissão dos trabalhadores. Fim do mundo como o conhecemos, também. Um mundo sem árvores e onde os assassinos dos que defendem o ambiente são aplaudidos por um parlamento que os protege legislativamente (Brasília). Um mundo com fanáticos religiosos de um lado e fanáticos da religião do mercado do outro. Segunda feira, as forças da ordem, nas Portas del Sol como no Rossio, hão-de pôr as pedras a brilhar para sossego de Madame Mubarak e da historiadora. Nesse dia, a direita portuguesa, com ou sem os entreguistas do PS, continuará a cumprir o programa económico dos investidores, sem constragimentos. Por um momento brilharão os novos heróis colaboracionistas e haverá um minuto de glória para os Viegas e Nobres, uma cadeira no 2º balcão, antes de serem arrastados por outra gente menor e com menos escrúpulos.
Mas esta campanha tem tido uma coisa boa, que nem o fogo de artifício, os comentadores e as sondagens têm conseguido obscurecer. A esquerda tem tido um comportamento digno, tem-se esforçado com os meios limitados que tem, ao seu dispor, por mostrar aos eleitores o que está em curso: o equivalente de aquilo a que , num dia de lucidez, Soares chamou um grande embuste. A esquerda leu o acordo da troika e exigiu a auditoria pública das dívidas (e disse Não pagamos a dívida dos bancos!). A esquerda exigiu a identificação dos credores- porque o maior dos crimes foi a culpabilização da gente comum pelos propagandistas dos verdadeiros culpados. A esquerda recusou como solução a redução dos níveis de protecção social, educação, investigação, saúde, reconversão ecológica como remédio para a crise. Disse que a renegociação da dívida e das taxas de juro deveria ser feita agora, enquanto há força…
Tenho orgulho dessa esquerda. Agradeço aos que lutam todos os dias. Aos que mantêm levantado o farrapo vermelho. E mesmo que no domingo estivesse sozinho face à urna, haveria de lhe entregar o meu papel. E dizer aos que mandam e aos colaboracionistas: não nos entregaremos nunca.



Dr. Gica, em pescada nº5




Entre tantos
manifestantes
é ela quem arranca
a primeira
erecção do dia
do segurança
de óculos espelhados.



Carlito Azevedo. Monodrama, ed. cotovia, Lisboa 2010

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30 maio 2011



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29 maio 2011

Manhã de sábado



De manhã acordam cedo as crianças e os velhos. Depois de comer, alguns acalmam. Vêem o canal Panda. Vão às compras. Correm na montra dos ginásios , contra a morte, curvados à música secreta dos headphones. Entram nas lojas do bairro, nos supermercados. Distribuem sacos da campanha alimentar . Colam selos nas camisolas e nas alças dos sacos. Ali é proibida campanha eleitoral. Ali é um lugar sério e neutro. A casa do Belmiro. Serralves. O Museu da Rainha Santa. A Casa da Música. Zero pontos acumulados no cartão. Compro conserva de atum e massas Brandini. Atum para o banco Alimentar. Massas para mim. Tudo no mesmo saco. Enquanto empurro o carro faço uma prece silenciosa e instantânea ao deus que está nos tetos do Continente. Meu deus, já que não deste inteligência aos mercados faz ao menos com que , no caso de me encontrar em grande necessidade, me cheguem massas Brandini, spaghettini al agli. A psicologia evolutiva chama qualquer coisa antipática a este altruísmo que aguarda retribuição. Não me importo. Os velhos da manhã de sábado compram pasta dentífrica e creme de afeitar e, na fila, folheiam a TV guia , a revista Motor e um jornal desportivo. As mulheres velhas acumulam imensos pontos no cartão. Os velhos guiam carros de pequena cilindrada , antes metalizados mas ainda em excelente estado de conservação. As velhas arrumam as garagens. As crianças estão a ficar impacientes. As mulheres novas estão a agora a sair de casa para passear as crianças. Os homens novos dormem. As mulheres novas empurram os carrinhos das crianças, dão a mão às mais velhas, rendem os velhos nas montras dos ginásios, caminham sobre plataformas, vigiam as crianças, espreguiçam-se nas esplanadas, olham para o rio sem ver o voo rasante dos patos, a manobra dos vaurien. As mulheres lançam sobre o rio o mesmo olhar que mais tarde, com o Manchester a perder por três, sir Alex Ferguson deitará sobre o relvado de Wembley. Levantam-se apressadas para ralhar às crianças. Os velhos fecham os carros com cuidado. Protegem o vidro com cartões que dizem CONTINENTE, levam os jornais debaixo dos braços. As crianças impacientam-se. Já têm sono, dizem as mulheres novas , já têm fome dizem as velhas. As mulheres preparam a comida, as crianças esperam, choram, dormem, vêem o canal Panda e os homens novos estão a acordar.

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25 maio 2011

Retratos da campanha 10. As Escadas Monumentais



Na minha terra a CDU pintou as Escadas Monumentais com algum mau gosto. Alguns estudantes não gostaram. Compreende-se. É uma questão de território. Neste como em outros aspectos, a CDU não teve faro suficiente.

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Retratos da campanha 9: É mais tarde do que pensas




O zé manel furnandes exulta. Desde a entrada dos aliados em Bagdad que não tinha emoções tão fortes.
- As coisas estão a ir demasiado depressa- exclama-se.

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Retratos da última campanha: 8. Sondagens




As agências de sondagens são como as de rating. Têm os credores nos Conselhos de Administração e dão percentagem aos partidos, de acordo com os juros que lhes vão exigir. O PSD está bem cotado : AAA.

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Retratos da campanha 7: O PSD descolou.

O PSD descolou. Agora mesmo na SIC-Notícias, debate com o professor Marcelo, um boxeur do PSD e o dr. Assis, convenientemente ungido pelo professor, sempre à procura de um sucessor dialogante de Sócrates. A democracia já foi.

24 maio 2011





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Retratos da última campanha: 6. A esquerda




Não me apetece falar da esquerda à esquerda do PS. Faz o que pode. E como se vê, pode pouco.

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Retratos da última campanha: 5. José Sócrates


Sócrates mete pena. Sócrates socialista, arrastando as bandeiras do SNS e da Escola Pública, é uma imagem que quero esquecer. Vai desaparecer na noite eleitoral, deixando um partido humilhado, pronto para a coligação cavaquista ou para a extinção a prazo.

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Retratos da última campanha: 4. Passos Coelho





Ouvi o futuro primeiro-ministro a responder a uma questão sobre financiamento da Segurança Social com a mesma leviandade com que o PPM fala sobre a recuperação da agricultura e das pescas. Ou não estudou o assunto, ou não tem propostas. Ou, mais grave: tem soluções escondidas.

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Retratos da última campanha: 3 Paulo Portas




Paulo Portas flutua num limbo de consagração. O panorama político é tão favorável a Portas que, no ambiente de degradação geral, as feiras parecem ter melhorado. Ou é da minha imaginação, ou os feirantes têm agora o tom afectado da Quinta da Marinha a dizer justamente e se quiser.

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Retratos da última campanha: 2



Há partidos que se divertem imenso embora não se perceba com quê.

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Retratos da última campanha-1. O Partido do Papão


A campanha eleitoral realizada por quase todos os partidos, na rádio e na televisão, menoriza os cidadãos. Na política como na sociedade os pequenos imitam os grandes e o que fica é um espectáculo de reflexos e superfícies. Há um partido de ódio e medo: o PPV , o partido –papão, que parece ter por ideólogo um Bagão Félix a tomar anfetaminas. Não querem os filhos entregues à escola pública, com sexualidade entre a matemática e a geografia. Têm um delírio persecutório suspeito contra os homossexuais. E vivem entre nasciturnos assassinados. Uma irmandade radical entre nós, ignorada mas raivosa, à espera de desforra e vingança. Ontem, contra a constituição, um padre não identificado apelou ao voto “a partir das igrejas e das capelas”.

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23 maio 2011

1º Manifesto do Rossio




Os manifestantes, reunidos na Praça do Rossio, conscientes de que esta é uma acção em marcha e de resistência, acordaram declarar o seguinte:

Nós, cidadãos e cidadãs, mulheres e homens, trabalhadores, trabalhadoras, migrantes, estudantes, pessoas desempregadas, reformadas, unidas pela indignação perante a situação política e social sufocante que nos recusamos a aceitar como inevitável, ocupámos as nossas ruas. Juntamo-nos assim àqueles que pelo mundo fora lutam hoje pelos seus direitos frente à opressão constante do sistema económico-financeiro vigente.

De Reiquiavique ao Cairo, de Wisconsin a Madrid, uma onda popular varre o mundo. Sobre ela, o silêncio e a desinformação da comunicação social, que não questiona as injustiças permanentes em todos os países, mas apenas proclama serem inevitáveis a austeridade, o fim dos direitos, o funeral da democracia.

A democracia real não existirá enquanto o mundo for gerido por uma ditadura financeira. O resgate assinado nas nossas costas com o FMI e UE sequestrou a democracia e as nossas vidas. Nos países em que intervém por todo o mundo, o FMI leva a quedas brutais da esperança média de vida. O FMI mata! Só podemos rejeitá-lo. Rejeitamos que nos cortem salários, pensões e apoios, enquanto os culpados desta crise são poupados e recapitalizados. Porque é que temos de escolher viver entre desemprego e precariedade? Porque é que nos querem tirar os serviços públicos, roubando-nos, através de privatizações, aquilo que pagámos a vida toda? Respondemos que não. Defendemos a retirada do plano da troika. A exemplo de outros países pelo mundo fora, como a Islândia, não aceitaremos hipotecar o presente e o futuro por uma dívida que não é nossa.

Recusamos aceitar o roubo de horizontes para o nosso futuro. Pretendemos assumir o controlo das nossas vidas e intervir efectivamente em todos os processos da vida política, social e económica. Estamos a fazê-lo, hoje, nas assembleias populares reunidas. Apelamos a todas as pessoas que se juntem, nas ruas, nas praças, em cada esquina, sob a sombra de cada estátua, para que, unidas e unidos, possamos mudar de vez as regras viciadas deste jogo.

Isto é só o início. As ruas são nossas.

As eleições espanholas


A espanha votou. As eleições espanholas precederam as portuguesas num contexto económico, social e político que parece anunciar o drama lusitano.
Em Espanha, onde os movimentos de cidadania se mostraram, de forma pioneira, com uma coragem, uma organização e um conjunto de propostas inovadoras, o PP ganhou as eleições locais e autonómicas. O que , nos dias anteriores ocorrera nas Puertas del Sol e em outras praças de Espanha, não teve, em primeira análise, nenhuma repercussão nos resultados eleitorais. A participação eleitoral aumentou. A percentagem de votos brancos e nulos não cresceu de forma significativa. O PP foi o grande vencedor, mesmo em locais onde governava há mais do que um mandato (Madrid) ou pendiam sobre os candidatos acusações fortíssimas de corrupção. Em Valência, Camps e outros suspeitos de corrupção, em julgamento, foram absolvidos nas urnas, assim o dizem.
O comportamento dos espanhóis, em eleições para o poder local e autonómico, tem de ter um significado global. A não ser assim, como explicar que a queda do PSOE tenha sido sistemática? As formações à esquerda do PSOE mantêm votações modestas . Os partidos autonómicos dos País Basco e da Catalunha conservam as posições. Para lá de uma saudável dispersão dos votos em vários partidos ou coligações, um olhar pouco aprofundado não distingue, excepto em casos pontuais, grandes novidades no comportamento eleitoral nem a emergência de novas formações.
- A democracia não se esgota no voto, mas não existe sem ele - disse um dirigente do PSOE derrotado. E teve razão. Na derrota, alguns socialistas parecem recuperar a lucidez. Os espanhóis votaram, com algumas praças ainda ocupadas. E escolheram a direita de Mariano Rajoy, Aguirre, Camps e Cascos.

19 maio 2011





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16 maio 2011

Um troféu na crise


A imagem exibida pela polícia americana do presidente do FMI merecia uma atenção demorada.Quatro linhas de reflexão, como diria o outro. Primeiro: O homem está algemado e rodeado por um número considerável de polícias(o campo foi reduzido). A acusação é de "acto sexual criminoso", segundo o Libération. Porque está algemado? Espera-se que salte para cima dos polícias e tente violá-los? Que tente furtar-se à justiça? Não, DSK é mostrado a todos os povos do mundo como símbolo da justiça americana, universal, não poupando os poderosos. Se o cadáver de Bin Laden podia chocar os bons cidadãos, tomai então este outro vilão. Segundo: A imprensa responsável da Europa já publica tudo: o passado intimo, a transcrição de tablóides, a citação de bloguers e o comentário anónimo de "pessoas bem informadas". Terceiro: Este homem, que umas horas antes era tudo, está agora desprovido de toda a dignidade. (aos justicialistas que acharem a frase excessiva aconselho que se façam algemar). Foi-lhe retirada a gravata e os atacadores. Ele, que convenceu tanta gente com a palavra, não pode recusar as câmaras assestadas sobre a face.Olhem a face de DSK: é a face de Saddam, o diabo iraquiano, no cadafalso de Bagdad.O lisboeta informado, humilhado pela troika há oito dias, pode agora exultar. Quatro: O presumível crime de DSK é pouco referido. Mas como é evidente, o homem não foi preso por administrar o FMI. O puritanismo hipócrita exulta e, desta feita, a imprensa europeia está toda sentada no chá americano.

11 maio 2011

Feira do livro (7) : sessão de autógrafos (2)



Estavam dois prolíficos escritores a assinar os seus livros. Um não tinha mão a medir. A outra, ignorada pela turba, cumprimentava com efusão os camaradas que passavam, ao largo. Como se, ao aproximarem-se, ela lhes quisesse dar a Boa-Nova ou converter ao iurdi-leninismo. Observava esta cena de um pavilhão mais elevado que a calçada de jardim onde ela estava, a prolífica escritora abandonada pelos muitos leitores . O meu cérebro reptiliano tem-me dado poucas dissabores. Já o neocórtex me tramou vezes de mais. Porque fui procurar um livro da prolífica embora solitária escritora? Porque, detestando Mourinho e o Ronaldo, torço sempre pelo Real Madrid? Porque é que fui a pé a Santiago, pelo caminho errado? Porque é que me ofereci para dar explicações de Matemática à menina do rés-do-chão, quando ela se entusiasmou com as Novas Oportunidades? Procurei um livro da prolífica embora abandonada e, notei então, festejada escritora. Reparei que os havia para adultos e achei honesto não envolver crianças ou juvenis nesta iniciativa, que levava a cabo de modo automático, quase sonâmbulo. E com o livro na mão dirigi-me ao cadafalso e entreguei-o , na ponta dos dedos, à celebrada, prolífica, festejada e até aí solitária escritora.
-É para quem?- ouvi-a dizer. Virei-me para onde o olhar dela apontava. Mas não havia mais ninguém no perímetro próximo. Só ela, sentada, como um funcionário da fronteira terrestre do Reino de Marrocos, segurando o meu passaporte e perguntando
-É para quem?
Seria estrábica a minha escritora? Teria escolhido o livro errado? A antiga editora? A escritora errada?
- Para mim- balbuciei.
- Claro- disse ela. Embora nada me parecesse claro. - Como é o seu nome?
Eu disse. O nome, o BI, o NIB, a morada legal, o número do cartão de eleitor. E ali mesmo pagaria a coima se ela me tivesse pedido.
Deixei ficar o livro, assinado, na bancada da editora C., junto aos outros que ostentam o selo dos muitos anos de actividade literária da prolífica, etc, escritora. E apesar de ser estranho o que sentia, era melhor do que o sentimento que me levara àquele posto aduaneiro.

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08 maio 2011

Feira do Livro (6)

André Bonirre

Sábado à tarde, havia pouca gente na Feira. Sobretudo a comprar, embora, como explica Orwell na Antígona, os livros não sejam caros, sobretudo os bons livros das boas editoras não arregimentadas.
Sempre gostei das pessoas que cruzo na Feira, embora este ano tenha sido colhido pela diferença. Os velhos estão cada vez mais velhos e, tenho de dizê-lo, com menos dentes, embora se tenha de distinguir entre os velhos pobres, magros e reformados e os menos pobres, gordos e jubilados. Há ainda, claro, as suaves raparigas, walserianas, que procuram um livro, o livro, e que, se encontram, o guardam como alimento da sua carne transparente. Há as famílias felizes com filhos, a quem é transmitido o amor à leitura. E há, vindos do Indie, os hipsters. Têm chapéus pequenos de aba virada, que se compram agora a 69 euros na Fred Perry ou a 19,95 na Zara. São altos, magros e fazem-se acompanhar por amigas que ainda não iniciaram o processo de transformação e parecem bastante divertidas.

Feira do livro (5): Tinta-da-China

Esta editora é simpática. Livros de capa dura, a ideia de editar livros sem lombada, a estupenda colecção das viagens. Mas a vertigem trendy, que era congénita, leva-os agora ao Águalusa e à Câncio.

Feira do Livro (4)

Na Feira do Livro, felizmente, está a Cotovia. E o prazer de receber um catálogo negro, lindíssimo, das mãos doces de uma trabalhadora livreira que talvez o tenha composto.

Feira do Livro (3)


André Bonirre

O ar desolado de um escritor ignorado, digamos David Justino, aguardando que lhe peçam a assinatura num livro, só tem paralelo com o ar desolado com que António Lobo Antunes recebe os admiradores atravessados no recinto da Leya. Passa-se, com estes presuntos leitores, um fenómeno interessante: no fim da fila, eles empunham o livro com orgulho, junto ao coração, como se o pudessem erguer a qualquer momento. O rosto tem aquele brilho dos excursionistas portugueses ao Vaticano, ao serem entrevistados por Áurea de Sousa, nos preliminares da beatificação de Woytila. Depois, à medida que progridem na fila, e já no perímetro em que é possível avistar o Autor, a confusa melancolia do olhar dele atinge-os. Deixam cair os braços, o livro tornou-se uma coisa incómoda e fazem os metros finais com os olhos dos bois nos matadouros.

Feira do Livro (2)

Vejo que a Porto Editora comeu o João Rodrigues (Sextante).

Feira do Livro (1)


André Bonirre

Três recintos fechados, o da Babel, tubular e claustrofóbico. A Porto Editora guindou Bagão Félix a grande figura das letras, um pouco abaixo de Pessoa e acima de Mattoso. Já agora. Mattoso foi um dos arregimentados por Barreto, ao Manifesto onde pediram a Cavaco que nomeasse o governo que Cavaco quer nomear. Complicado? Não, simples. Deve haver, algures na Feira, um livro que explique onde termina a credibilidade de um intelectual e que os critérios de apreciação de uma obra de arte são diferentes dos que se aplicam a uma tomada de posição política.O problema é que mesmo os que anunciam o fim do Tempo dos Intelectuais estão sempre prontos para o fazer recuar e recuperar as velhas credenciais.



07 maio 2011

Para alguns nada



André Bonirre

Ontem um homem escreveu numa revista: “Não nos custa perceber o que nos vai cair em cima: para alguns nada; para muitos maiores dificuldades; para muitos, pobreza; e para muitos mais, maior pobreza.” . Li alto, à mesa do bar, omitindo o autor. - Jerónimo? –tentou adivinhar alguém. –Não , Jerónimo não escreve dessa maneira, nem a chuva bate assim. Era José Pacheco Pereira, claro. Ou escuro. É tudo uma questão de estilo. Os pobres têm pouco estilo, mesmo quando o que dizem parece ser verdade. Dói também que a lucidez de Pacheco a prever o futuro e a nomear as vítimas não se dirija ao passado, ao presente e aos culpados. Culpados somos todos. Eu, ao meu nível, sou culpado. Chefio, sem autoridade, uma repartição onde todos os dias os clientes manifestam o seu desagrado. Digo para mim próprio que a culpa é dos meus superiores, que foram atrás dos depósitos, para o Dubai. Ou dos meus colaboradores, que não produzem de forma a atingir as metas. Ou da legislação que não me permite despedi-los e contratar outros, de certeza melhores. Culpado como os culpados, incompetente, vitalício e irresponsável .





06 maio 2011

Inaugura sábado, dia 7, 21:30





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05 maio 2011





... a generalidade dos bancos privados pretende dispensar a ajuda do Estado, uma vez que essa intervenção acarreta a aplicação de um programa de reestruturação e de regras para questões como dividendos e salários...

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04 maio 2011

03 maio 2011

O Papão no desvão



Parabéns Yara

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...vagueava por aí possuído por dois tipos de amor, um de grande dimensão, outro comum, sendo que o comum me parecia maior que o outro.

Robert Walser, histórias de imagens, Livros Cotovia, 2011
O baloiço J-H Fragonard pp43-6

02 maio 2011

01 maio 2011

Um dia que fosse nosso



Não há, na verdade, nenhum dia novo. Um dia que fosse nosso. É dia da mãe. E ainda por cima primeiro de Maio. E dia da ascensão de Wojtila, com Bagão a homiliar na Antena 1, Bagão , o nosso comentador, o beato-a-ser . Mesmo quando fala de temas benignos Bagão parece ameaçar. Neste caso com a fogueira. Reclama-se do Catolicismo. Isto na Antena 1, à hora do almoço, no primeiro domingo de Maio, tem um peso tremendo. Bagão, na ressaca da beatificação, casalinho real já em sossego, comentando o Santos subitissimo de Wojtila à luz implícita da sua vitória arrasadora. Venceu as ideologias más do século XIX . Foi , se acreditarmos na Wikipedia, “director financeiro da Companhia de Seguros A Mundial (1973-1976)- aos 25 anos, membro do Conselho de Gestão da COSEC (1976-1979), membro do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Seguros (1979-1980), administrador do Banco de Comércio e Indústria (1985-1987), administrador (1992-1993) e vice-governador (1993-1994) do Banco de Portugal e director-geral do Banco Comercial Português (1994-2002). Também no BCP foi administrador de várias seguradoras do Grupo, designadamente a Bonança, Império, Médis e Ocidental (1994-2000). Foi designado presidente do Conselho Directivo do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (2010). É professor catedrático convidado da Universidade Lusíada de Lisboa (desde 2006), onde rege as disciplinas de Finanças Públicas e Ética. Anteriormente foi assistente do ISCEF (1972-1973), do ISCTE (1975-1976) e professor auxiliar convidado da Universidade Internacional “. Senhor de largo currículo, exerceu seis vezes funções governamentais – e ainda a procissão vai no adro.
É um dos inocentes que, apesar de ter estado no centro da decisão, pelo lado do Estado e da Sociedade, está aí de mãos limpas para o governo de salvação, se lhe for pedido o sacrifício, ou para administrador de um banco santificado. E hoje lá o ouvi, incauto, mas fascinado pelo milagre de reencontrar os padres salazaristas da minha infância, que quando falavam de paz pareciam proclamar a Guerra e quando diziam Paraíso se ouvia Clube de Golfe e Sport, admissão reservada.

Mas não estou aqui para falar do Bagão Félix. Que alias respeito. Como não respeitar um professor catedrático convidado da Universidade Lusíada, esse símbolo do ensino privado de qualidade. Do director-geral do BCP, o banco que Deus ungiu para enriquecimento espiritual de depositantes e accionistas?

Recomeço então.
Não há, na verdade, um dia que seja nosso. Já nem o Google nos deixa acreditar ser hoje o dia primeiro do mês de Maio, melhor, o dia Um de Maio, um dia só cardinal. O Google, alias, mostrou o que era. Quando teve que escolher entre Mães e as trabalhadoras e os trabalhadores escolheu as Mães. Podia ter escolhido as mães trabalhadoras, todas as mães afinal. Mas não. Google da submissão, só flores e passarinhos, Google do nosso tempo resignado, só podia ser assim e assim foi.
Assim não será. As virgens da jsd que, em Coimbra, são detentoras do outdoor dos Arcos do Jardim, colaram estratégicamente um cartaz negro que anuncia os tempos messiânicos. O cartaz está virado para a rua onde, dentro de dias, descerá o cortejo dos doutores . Entre o Magnífico Reitor e o Wojtila quando jovem Papa, as legiões de alcoolizados hão-de ler a mensagem prometendo que o país sairá em breve da noite escura em que o deixaram.Assinado: jsd, com três pontos de fixação, altas, duras e apontando o infinito.
Domingo. Vamos passear. Com as crianças, junto ao rio. Ver a chuva a cair, uma bola que vai com a corrente, os milhafres a voar baixo, junto aos patos.