30 maio 2010

Pedro Mexia


Nadar


Mexia, o jogador de xadrez à chegada dos bárbaros, escreve sobre Baudelaire fotografado por Nadar. Falta pouco para Mexia escrever como Bénard da Costa. Então não precisaremos mais de o ler. E como sucede com os avatares da cultura e com o anjo da fachada do Colégio dos Órfãos, gostaremos dele e sentiremos a sua falta, quando de súbito o deixarmos de ver e nos disserem que há anos que foi levado para restauro.

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29 maio 2010

Um maneira de dizer

28 maio 2010

Dead letters are emblems of man's mortality





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Dias sem Árvores



abatem os plátanos

aí está uma coisa que os homens
sabem fazer

erguer o machado cravar a lâmina
no corpo silencioso do plátano

já as mulheres gritam
enchem o quarto de sangue
gritam insuportavelmente
incomodando os vizinhos
acordando as crianças.

o sangue das mulheres mancha a roupa dos homens

já o plátano é discreto
na agonia
cai como uma brisa da tarde

cai cuidadoso para o lado contrario
do matador
para o lado conveniente
da empreitada


os que mandam matar calam-se
quase todos se calam
o assassino cumpre ordens
o deus desta história antiga
é sanguinário

e agora também tu te calas
estás cansado
derrotado
tens a roupa manchada
da seiva bruta

a linfa das mulheres
inominadas

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26 maio 2010

Mourinho: A vida como obra de arte

Aqui

- Este post corrige tudo o que escrevi sobre este homem.

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24 maio 2010

Rocío



Terça-feira, dia 25 de Maio, pelas 21h30, no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra – projecção, seguida de debate, do Documentário Rocío, de Fernando Ruiz Vergara
ENTRADA LIVRE

A CULTRA, Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo, promove, no próximo dia 25 de Maio, terça-feira, em Coimbra, às 21h30, a projecção, seguida de debate, do documentário Rocío, de Fernando Ruiz Vergara, sobre a famosa romaria de Huelva, que foi censurado em Espanha por identificar as vítimas e os principais responsáveis pela repressão franquista em Almonte.
Além de contarmos com a presença do próprio realizador – Fernando Vergara – contaremos igualmente com a participação de Francisco Espinosa Maestre, historiador, um dos fundadores e assessor histórico da Associação “Todos los nombres” - que se dedica a recuperar a identidade de todos aqueles que foram alvo de represálias pelo Franquismo - e que formou parte da comissão que assessorou o juiz Baltasar Garzón no seu intento de investigar os crimes cometidos durante a Guerra Civil e o Franquismo.

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21 maio 2010

Visita da Comissão



O senhor comendador veio na mesma comitiva do analista, do deputado eleito agora membro da Comissão parlamentar de Saúde, do director da CIP, convidado especial do Presidente, do presidente da Comissão de Coordenação que trazia dois assessores , da comissão directiva da ARS, do presidente da Fundação e do Bastonário da Ordem da Crise e do Joãozinho Villares que agora está na Comissão de Turismo ou nas Águas Unidas ou na Metro de Superfície.
O programa da visita era complexo. Só fixei que tinham 2:30h para almoçar.
Ficaram quase todos no Hotel da Penha Branca, que é de charme.
No final da visita, disseram aos jornalistas que andamos todos a viver acima das nossas possibilidades e era por isso que vinha aí uma crise que nos ia lixar a todos, excepto a eles que estavam de partida para Lisboa.

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20 maio 2010

Maria do Rosário Pedreira



Finalmente um blog da mulher que escreve como ninguém se atreve.
Há horas extraordinárias que valem 3 horas normais. Falo-vos do que sei.

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19 maio 2010

Planeta Tangerina


Esta revelação não tem interesse nenhum. É daquelas coisas que uma menina diz aos pais, como se fosse importante, e a que ninguém liga. Eu não gosto de tangerinas. Não gosto do nome, designando uma habitante de uma cidade árabe onde nos perdemos e o acolhimento oculta uma armadilha. Não gosto do cheiro, que perdura, e se agarra à pele e indica que ali esteve alguém a comer. Não gosto das cascas, nem da palavra casca. Nem de gomo ou da ideia de gomo. Nem dos fios brancos que os separam. Nem das sementes, tão abundantes, esse desperdício de embriões excedentários.
Dito isto, que releva da psicologia das profundidades, devo confessar que há uma Tangerina especial. Uma que nunca me enganou. Ouvi falar dela numas sessões literárias que se organizavam uma vez por mês, na cidade onde vivo, e acabaram, como quase tudo acaba na cidade onde vivo. E gostei logo dela, da Planeta Tangerina, a editora dos livros bonitos, para ler às crianças. Livros especiais. Delicados, diferentes. O livro do pai, o livro da mãe. O livro que ensina aritmética, porque tudo o que nos rodeia é contável e de muitas maneiras. O livro da autoestrada e da EN. Do avô e do neto. Do mesmo minuto nas várias partes do nosso mesmo mundo.
Os mais velhos diziam: são bonitos mas as crianças não lhes vão ligar. Experimentei: as crianças ligam-lhes. Como os adultos na sessão literária.
Diziam: são livros bons para os pais. E é verdade. São livros para os meninos e meninas que há nos pais e nas mães. Que é onde os filhos olham e se espantam. E ronronam de prazer. E ficam quietinhos a escutar. E querem contar também, à sua maneira.
A Isabel Minhós Martins, a Madalena Matoso, a Yara Kono, o Bernardo Carvalho, a Carolina Cordeiro e a Cristina Lopes são os talentos do Planeta Tangerina. Fazem tudo bonito e com cores fascinantes. Até os selos, os timbres que se colam nos envelopes a dizer CONTÉM LIVRO. E estes envelopes contêm livros do Planeta Tangerina.
Também fazem agendas. A agenda azul de 2010 do Sr. Rufino, da Rufino & Filhos desde 1948, Drogaria, Ferragens, Bricolage, que é um senhor muito melhor que o senhor Moleskino e nunca se há-de vulgarizar, porque as pessoas importantes não hão-de querer os dias assinalados por canhões de sanita ou bichas de chuveiro.


Planeta Tangerina
www.planetatangerina.com

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18 maio 2010

A entrevista de José Sócrates

O discurso de Cavaco Silva


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Até ao Mundial sisudo e grave




No último dia, perseguido pela mosca Albertina, o homem lá promulgou a lei. Volto a dizer: uma lei que permitiu acabar com uma discriminação, que tornou alguns mais felizes e não prejudicou ninguém. Os casados a sério, os das famílias verdadeiras, podem continuar a sê-lo. Sem saber, amanhã acordarão mais livres. Porque o fim de uma indignidade liberta mesmo os que se lhe opõem.
Mas não é disto que eu queria falar. Parece que não tenho o direito de me alegrar com o facto da nossa ordem jurídica passar a reconhecer este direito fundamental. Os fariseus já decretaram que o mood oficial, pelo menos até ao Campeonato do Mundo, é o sisudo tristonho deprimido. Assim como o Cavaco hoje e o António José Teixeiralogo a seguir. Os fariseus andaram na festa a semana toda, com o Benfica e Sua Santidade. E agora veio-lhes a crise, o desemprego e o endividamento. Perderam. Mas decretaram luto nacional para compensar.

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17 maio 2010

15 maio 2010

Torre de Dona em Chamas




Vem nos jornais:aqui.e aqui. Em Torre de Dona Chama, Mirandela, uma professora dos Tempos Livres posou para o Playboy. A notícia animou a terra, mais conhecida por alheiras e histórias tristes que não vou lembrar mas que até talvez viessem a propósito. Atentíssima, a Câmara arquivou a professora . E a vereadora Gentil veio a público assegurar que a medida cautelar seria mantida.
O Expresso on line insere um bom texto sobre esta notícia e já se alinham comentários reveladores da confusão que vai no bom povo. De cada vez que alguém se despe em Torre de Dona Chama acorrem os movimentos cidadãos para arrefecer os corpos. Debaixo do manto hipócrita da tolerância está um magma sórdido, a sexualidade das profundidades, a sexualidade autárquica, a sexualidade do interior. Depois do cheque dentista era preciso, se o erário público o permitisse, o cheque-divã. Talvez assim Dona Gentil ardesse, nem que fosse com Bruna, no Arquivo.

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14 maio 2010

Mulher na Linha 4




O meu pai ouvia no tempo
das cerejas uma canção que assegurava ser
a mulher o futuro do homem
foi das figuras de estilo que demorei
mais tempo a perceber
de facto o presente do homem que eu viria a ser
já era a mulher do eléctrico quatro e depois
toda a vida
a mulher foi o meu presente
e o meu futuro a mulher do eléctrico
anti-musa guerreira ginasta
compassiva a mulher da linha quatro
de período esquisito
sábia criança à medida que os anos
passavam de pele tão nívea
acampada na casa em ruínas curando
as feridas .

Vivi ao ritmo da respiração dessa mulher
com medo de me afastar desse compasso
de dezasseis
assustado com as pausas e excitado
com as acelerações.
Essa mulher ensinou-me a falar
física prodigiosa .
Quase todas as palavras que agora me faltam
aprendi-as
com ela balbuciando sem saber
bem as coisas designadas
e também os sinais de transito
entre as palavras o assombroso sinal
que manda parar e esperar
a palavra que vem.

Mulher da linha quatro que me deste
este futuro radioso espalharás
as minhas cinzas quentes.

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12 maio 2010

Um segredo.



Diz-me ao ouvido o segredo de Fátima. O terceiro segredo. A segunda parte do terceiro segredo. Diz-me ao ouvido. Eu estarei de olhos fechados como os fiéis. A mente vazia mas o coração preparado para a revelação. Diz-me com palavras que eu possa entender. Eu hoje já vi os intelectuais do regime. Eram mil. E tu entre eles.
- Mesmo que venham a ser mil eu não serei um deles.
Disseste uma vez. Ouvi-te dizer. E não estava de olhos bem fechados. Nem precisava de ouvir com o coração. Nessa altura ouvíamos com a mente aberta. E não éramos intelectuais.
Estava a Fátima a oficiar no Canal do regime, acolitada pela Laurinda Alves. E o aldrabão, Sua Eminência para aqui e o IRS para acolá. Num instante arrecadou mil milhões. Mais mil milhões para ajudas de custo e para tamponar a grande hemorragia de capital dos BPNs a vir. E o povo a cantar o Rosário de vela na mão. Grande milagre era não chover. Grande milagre era os ricos pagarem a crise, como se dizia quando tu não vestias casaca para te sentares nos ofícios do CCB (facção Berardo). Grande milagre era o Bagão Félix levantar voo como um balão seguro pelo fio invisível de Sua Eminência, directamente saído da estola de arminho e das rendas brancas e fixo ao peitoral de ouro roubado em Potosí.
Nisso a cerimónia é diferente da que tu vias em miúdo, a preto e branco. Nessa altura havia milagres a sério. Mulheres de joelhos ensanguentados. Padres de batinas engomadas pela sujidade e pelo suor. Cegos. Paralíticos. Aleijados. Vinham das pensões de Fátima para a noite das velas e à passagem da Virgem começavam a ver e a andar, com o testemunho, a admiração e o aplauso da avó da Fátima do regime enquanto o teu pai resmungava:
- A religião é o ópio do povo.
E tu, a preto e branco, sonhavas com uma odisseia de 2001 que o Kubrick anunciara: homens e mulheres do futuro, modernos, cultos, para quem tudo aquilo era a pré história da humanidade.
E cá estamos, dez anos depois do futuro, ex-pós-modernos, em Fátima. Na mesma semana em que o Benfica foi campeão. Dizes-me ao ouvido essa revelação que ouviste no concílio dos intelectuais, mil e tu, no CCB. Dizes-me baixinho a segunda parte do terceiro segredo, esse prodígio do pensamento ocidental, da tradição greco-romana. Dizes-me de casaca, de preto e branco, como a televisão da tua infância, comos os pinguins, essa espécie reaccionária e monogâmica que confunde o buraco do ozono com a Ascensão.
Eu respeito o homem de 83 anos de idade. E a multidão ajoelhada em frente. Respeito-os mais do que aos do domingo no Marquês ou à estudantada que entrou hoje no quinto dia de coma intermitente. São como as multidões que poluem o Ganges. Ou os peregrinos de Meca. Aquecidos pelas suas endorfinas, excitados pela encenação após a caminhada e a espera. Não fazem mal a ninguém. Não saqueiam supermercados nem assaltam palácios.
E estou aqui, vencido, de olhos bem fechados, ao teu lado, entre os peregrinos. Hei-de esvaziar a bexiga nas dolinas da Iria. Diz-me o segredo. Diz-me ao ouvido.

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09 maio 2010

Miguel Cardina


Amanhã, às 21 horas, na Almedina do Estádio (Coimbra), o Miguel e a Esquerda radical mesmo.
Ver aqui.

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Nice: quatro posts


Jeff Wall

Uma reunião de trabalho fez com que tivesse de voltar a Nice, a quinta cidade de França. É estranho que Nice, impronunciável desde que o inglês se afirmou como a língua franca e a única língua estrangeira para milhões de falantes, seja a quinta cidade francesa. Quando recebemos uma informação destas desconfiamos das Oficinas de Turismo e pensamos que se entrássemos em Bordéus, Toulouse ou Montpellier, Strasbourg ou Nantes, receberíamos uma informação semelhante. A Antónia foi googlar. É verdade. Marselha já é a segunda cidade de França e Nice a quinta. O Mediterrâneo não está decadente como imaginamos. Não é um grande lago morto. Nas praias crescem as cidades que guardam os emblemas da glória.

Levava comigo o livro de Vila-Matas, Dietario Voluble. Cheguei a Vila-Matas pelo Mal de Montano e depois, verticalmente, para Bartleby e a Literatura Portátil. Curei-me com Doctor Pasaviento, e agora, tantos anos depois, o escritor catalão é como uma dor de estômago depois de omeprazol. Posso lê-lo sem inquietação.

Cheguei a Nice na tempestade. O avião foi abanado violentamente ao passar pela cortina de nuvens e quando pude ver a costa havia uma onda gigantesca que varria a Promenade des Anglais e recuava para o mar, tingida de ocre. Pareceu-me ter aterrado no mar, com velocidade excessiva. A pista tinha uma ondulação estranha que não interferia com a travagem do aparelho, como sucede quando a superfície das águas se agita e as criaturas do mar procuram o céu.
Vi tudo isto com os olhos desinteressados do turista acidental. O meu preconceito niçois estava cristalizado. A mansarda que o recepcionista me atribuíu era fria e o barulho da chuva no telhado não me deixou dormir.
Nos dias seguintes tive de trabalhar em salas que são iguais em todo o mundo. Só muda a dimensão e a qualidade dos audio-visuais e das retretes. O Geberit triunfou em toda a Europa e vulgarizou-se o modelo ecológico, com a descarga mínima adequada às pequenas bexigas.
No último dia apareceu algum sol e fiz a pé o Boulevard Dubouchage até à Rua Jean Médecin, a Praça Massena até à Promenade des Anglais e li o Dietario no Café du Palais, durante as duas horas que faltavam para a viagem do regresso.
Vila-Matas esteve doente durante o tempo que este diário cobre. Mas ao contrário dos grandes escritores ingleses contemporâneos entrados na velhice, nota-se nele um certo apaziguamento. Que por um lado é literário: a vontade de Duchamp de viver a vida como uma obra de arte. Por outro lado é o desejo sincero de ter em conta o conselho de Bernardo Atxaga :”creio que chegou a hora de viver mais atentamente”.

Estou então na Place du Palais, vivendo atentamente. Vejo a gente passar, sentar-se junto à fonte, nas mesas ao meu lado. São três horas de um dia de Maio. O sol reapareceu após três dias de chuva e tempestade. Um sol frio entre borrascas. As praças têm uma designação bilingue. Em francês e num dialecto que sei ser o niçois, atestando um passado que desconheço inteiramente. Na mesa ao meu lado dois jovens magrebinos, de casaco de couro e olhar furtivo, fumam nervosamente. Noutra mesa, um grupo de rapazes do liceu bebe cerveja e segura nos capacetes com desconforto. Passam mulheres. As saias deste verão serão curtíssimas. Vagabundos sentam-se junto à fonte, e ficam, de mãos ligadas, ao lado de mulheres de gabardina clara e olhar sombrio. Um grupo de crianças chega, em alvoroço. A professora segue-os. Tem os cabelos e a roupa desalinhada e fala alto ao telemóvel, em italiano. Ou será aquilo o dialecto niçois? Parece aguardar ordens. As crianças misturam-se com os vagabundos e as mulheres perdidas. Um casal de turistas lambe um gelado. Uma rapariga fotografa um vagabundo com nariz de palhaço. Este vagabundo é especial. Tem ao seu lado uma pequena corte composta pelo aprendiz silencioso, aquilo que nos créditos de um filme seria descrito como segundo vagabundo, e ainda uma caixa para animais de onde sai um roedor de orelhas escuras e passo inquisitivo. Uma mulher de quem nunca verei a cara pára. Tem uma longa cabeleira, meias de renda e uma saia com folhos, como Sua Santidade em dias festivos. Debruça-se sobre o primeiro vagabundo e beija-o afectuosamente. Depois solta exclamações de espanto e ternura que me parecem dirigidas ao roedor. De súbito o primeiro vagabundo solta um grito horrível. De dor, surpresa e ameaça. A mulher de rendas levanta-se apressadamente, muito digna e retoma a marcha. Vejo que leva consigo uma caixa rolante de transporte de animais. Durante este tempo, o cão narcotizado que os vagabundos costumam expor como quadros vivos de Lucien Freud, continua prostrado no seu sono mortal. O primeiro vagabundo, de novo visível pela saída de campo da mulher de rendas, foi mordido pelo roedor. Mostra o dedo ferido ao segundo vagabundo, um temível dedo de pau, um dedo de cadáver fixado em formol, o dedo que Adrian Walker desenhou e Jeff Wall fotografou. Depois retira da mochila um spray desinfectante do Laboratório Roche Posay e borrifa-se metodicamente, só interrompendo estes gestos para dar safanadas nas orelhas do roedor sempre que este se aproxima.


Jeff Wall


Passa mais gente. Olho-os com estranheza. Percebo a língua em que falam. Mas não sei quem são, de que vivem, o que os preocupa, se têm pais, filhos, namorados, esperança. Não sei quem são. Não sei o CV que apresentam quando pedem emprego. Estão de folga ou de férias? São intermitentes? Apoiantes do Front National? Porque se tatuam? Que comem? São os pais dos miúdos que nos fins de tarde fazem skate sem capacete na Praça Garibaldi ou nos passeios do Parque de camionagem? Vivo num mundo que não compreendo. Leio os jornais e as revistas, vejo TV, mas os canais errados, leio os outdoors e não compreendo. Aqui ou no meu país. Não compreendo. Devo inquietar-me? Será que deixei de perceber um mundo que andou depressa demais. Ou terei perdido a ilusão de perceber.
Chega a hora de partir. Durou afinal pouco esta suspensão do tempo na Place du Palais. Estive sozinho. Se estivesse alguém comigo falaríamos baixo, como se ao vivê-la o estivéssemos a fazer exclusivamente para el recuerdo.

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07 maio 2010

"Oui c'est vrai, ça n'a absolument aucune importance."




"J'allais dire, il ne s'est rien passé, quand tout à coup, je compris que la confusion de Françoise ne venait pas de ce qu'elle apprenait de moi mais de ce qu'elle devinait que j'apprenais d'elle et que je découvrais en fait en ce moment et seulement en ce moment, et je dis, tout au contraire un "oui, ce fut ma dernière escapade".

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05 maio 2010

Le Rayon Vert



delphine - toi, tu ne fais pas confiance aux gens?
lena - moi, non. Je joue avec les gens.

Le Rayon Vert, Eric Rohmer, 1986


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04 maio 2010

Il lui demande: "pourquoi tu as l'air pensive ?" Et où elle lui répond : "c'est parce que je pense, imagine-toi"),




(le Mépris prouve en 149 plans (176 après montage) que, dans le cinéma comme dans la vie, il n'y a rien de secret, rien à élucider, il n'y a qu'à vivre et à filmer")

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03 maio 2010

Les Herbes Folles


Jeff Wall

Os grandes autores franceses envelheceram. Rohmer deixou-nos, como última obra, Os Amores de Astrée e Celadon . Rivette rodou em 2007 Ne touchez pas la hache . Resnais apresentou, em finais do ano passado, este filme, Les Herbes Folles.
O que estes filmes têm em comum é um olhar ingénuo sobre as relações humanas, ingenuidade a que, sem maldade, chamarei senil.
Desde logo na escolha dos actores: Sabine Azéma, agora com 60 anos, faz o papel de uma mulher de meia idade. André Dussollier (65 anos) é descrito por um polícia como “um homem de 50 anos”.
Os velhos apaixonam-se como as crianças. Actuam por caprichos. Mas são mais perigosos. Porque têm os meios para fazer o mal. Neste caso Resnais tem os meios para realizar filmes. E Georges Palet, a personagem de Dussolier, tem uma carabina (o seu olhar paralisante) com a qual mata as raparigas, por elas usarem cuecas pretas ou ousarem não estar à altura dos seus elevados sentimentos.
Não acho que seja a idade cronológica que determina o pensamento senil. Um grande homem criou, entre os 70 e os 85 anos, as vacinas que hoje salvam milhões de vidas. E alguns jovens adultos são emocionalmente frágeis como muitos velhos nunca serão.
Mas é impossível não sorrir com condescendência no filme de Resnais. Ou ficar irritado. Ou simplesmente aborrecido. O tipo de atitude que os velhos despertam.
Ao contrário do que as Laurindas e os Super-Sás espalham, com vozes de prozac, a velhice não é um lugar de serenidade. Que o diga o último Coetzee, o inevitável Roth (que sintomaticamente a mulher nula e neoténica de George Palet lê). A velhice não é um bom lugar. Que o diga o Julian Barnes de Mesa Limão. Ou David Lodge. Todos retratam a doença, a falta de lucidez, a limitação física e o isolamento da velhice com a crueza e a gravidade que parecem faltar a Resnais.

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Heróis do Circo




A forma como se comemora uma vitória diz muito sobre o combate travado. Esta é a cara do Special one, do comendador, da glória nacional pouco depois de, em Camp Nou, ter soado o apito do árbitro assinalando o fim da partida. Não gosto desta cara Mesmo dando de barato que ainda estava encharcado em adrenalina e em neurotransmissores que preparam o corpo para a morte do Outro, e nos transformam numa coisa má, de pelos eriçados e dentes à mostra, de ombros abertos e alto vulto.
O homem defendeu e matou. Mas não gosto dele, não me alegra a sua vitória e concordo com os que vendo esta cara dizem que um desporto que tem estes heróis pertence à pré-história da humanidade.

PS: Já depois disto escrito e perdido vi a cara do Jesus e a cara do Jesualdo, esses heróis do povo.

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01 maio 2010

Quem fodeu o proletariado






Confesso que cresci embalado numa promessa. Uma manhã acordaria no dia claro da Sophia. A terrível desigualdade entre os humanos seria anulada por um poder que acabaria com a exploração e ao fazê-lo, extinguir-se-ia. Então o homem deixaria de ser o lobo do homem (esta imagem nunca me convenceu, porque cresci no meio de gente boa e os lobos nunca me inspiraram senão admiração e inveja). O sujeito desta estória era o proletariado. Eu nunca vira o proletariado mas, depois de ter sido chacinado nos Champs de Mars, ele tinha vencido na Quirguízia e na Mongólia exterior. O proletariado tinha construído a mais bela das praças do mundo, a Grande Place de Bruxelas, e numa dessas casas, pago pela corporação dos padeiros, um cientista social tinha escrito O Capital e o Manifesto do Partido Comunista. Na idade em que somos invulneráveis e eternos, a inevitabilidade da vitória do proletariado era, com o Em Órbita, a música que tocava nos meus ouvidos.
De facto nunca me encontrara com o proletariado. A classe operária estava muito atrasada no meu país e só me era dado conhecer homens e mulheres normais. Acho que cheguei ao que se convencionou chamar a idade adulta sem ter apertado a mão a nenhum proletário. Mas era uma questão de tempo.
O resto já se sabe.
O proletariado nem chegou a aparecer. O Bonirre fotografa agora os destroços das fábricas na cidade de C., as marcas de vidas que não conhecemos, da gente que trabalhava duramente, ignorante do nosso sonho bom e do pesadelo da Mongólia exterior.
Os filhos dos proletários são hoje estudantes das privadas, desempregados de longo curso nos balcões dos shoppings, auxiliares dos lares da terceira idade, animadores culturais do Instituto da juventude com contratos a termo certo.
Na Quirguízia os filhos do homem novo aderiram ao islamismo e à acção directa.
Os velhos donos do mundo, com falinhas mansas, eleições, hambúrgueres e televisões empalmaram o proletariado. Quando ele deu conta deixara de existir. Nem classe em si. Nem classe para si. Simplesmente uma coisa do passado como a FNAT, as Mutuais, as Cooperativas, os piqueniques no campo e o próprio campo.
Mas não se riam.
Talvez hoje, numa praça de Atenas, um espectro comece a assolar a Europa.

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