29 maio 2008

No carso


Caminhavas no ar
e o teu olhar caía
sobre os humildes animais
do carso: a salamandra,
os bichos das tocas,
os vermes da terra húmida
de debaixo das lajes. À noite
o bufo-real descia em silêncio
entre as tuas pernas e eu não sabia
se era o bater das asas ou
o teu ventre que tremia.

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27 maio 2008



Não pudemos ser amáveis, dizia o outro,
desculpando-se com a luta de classes.
Mas podemos ao menos cheirar bem,
ao menos podemos tomar banho.

Não pudemos ser ternos, criativos,
sempre ele, o optimista histórico.
Mas podemos ao menos experimentar
do missionário a variante mínima.

Aos animais dos céus chamamos pássaros.
Um dia virá que percebemos
que morremos como eles mas menos leves.

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26 maio 2008

Nápoles

Alguém escreveu que depois do século XX veio o século XI. O que distingue os progroms da África do Sul dos progroms de Nápoles, é que em Itália são apoiados e instigados pela maioria no poder e pelo nosso silêncio, sempre o nosso silêncio cúmplice.

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O fim de Sócrates

Todas as manhãs o mercado livre aumenta os preços no consumidor e empalidece a estrela dos líderes do velho mundo. A atitude paradigmática é a do ministro da economia: está muito preocupado e vai fazer um inquérito para saber se há cartelização das empresas petrolíferas. Depois de ter privatizado quase tudo, resta ao Estado preocupar-se, fazer uns inquéritos inconclusivos e vigiar as sardinhas dos santos populares, o tabaco nos restaurantes ou o piercing nas línguas. Olhem para Sócrates, que ontem parecia a garantia de seriedade face ao espectáculo de implosão do PSD e hoje não se distingue de Cavaco. Dois homens a ver chover.

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25 maio 2008

O Sortilégio do Lusomundo

Ir ao cinema na terra onde vivo é (quase só) optar entre as salas da Lusomundo e as salas da Lusomundo, entre as pipocas e as pipocas. Telefonamos:
- Queres ir ver o filme do Wong Kar-Wai?
- Não é o Sortilégio do Amor?
- Acho que é a Maratona do Amor.
- Olha que me parece mais ser O Sabor do Amor.
- Preferia ver A Comédia dos Acusados.
Acabamos nos Foragidos da Noite.

Em Portugal os títulos dos filmes são dados pelos distribuidores. Recrutam gente imaginativa que tem uma ideia, certamente adequada e baseada em estudos de opinião, dos frequentadores das salas e compradores de DVDs. Alguns dos filmes actualmente em exibição dão uma ideia do imaginário desses funcionários anónimos e do seu respeito pelos autores e pelos cinéfilos:

Run Fatboy Run (A Maratona do Amor),
My Blueberry Nights (O Sabor do Amor),
Two Rode Together ( Terra Bruta),
Blood Alley (Aldeia em Fuga),
Night and the City (Foragidos da Noite),
Kiss of Death (O Denunciante),
After the Thin Man (A Comédia dos Acusados),
Pick-Up on South Street (Mãos Perigosas),
Bell Book and Candle (Sortilégio do Amor),
No Way Out (Falsa Acusação),
Last of Comanches (O Sabre e a Flecha),
La Graine e le Mulet (O Segredo de um Cuscuz),
Reservation Road (Traídos pelo Destino).

Um dos meus amigos optimistas via sempre alguma coisa de positivo nas piores contrariedades. Sempre ficamos a saber que segredo em francês se diz graine, e cuscuz é mulet. Já os vários nomes do amor nos confundem.

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Um antibiótico para o síndrome gripal

Experimentem estar quinze dias sem ver televisão nem ler jornais. É bom, faz bem à saúde, torna-nos pessoas melhores. Ontem voltei à doença. Vi a excitante competição para a liderança do PSD, o comovente acolhimento que Viseu está a dar à selecção de todos nós, as ameaças da ASAE aos santos populares, o relatório bariártrico da Direcção Geral de Saúde, com o Dr. Francisco George a garantir “o aumento da produção” e da necessária comparticipação estatal, o Infarmed a alertar a população contra a henna negra e a aconselhar a henna natural, a Carla Bruni a passar revista às tropas antes da visita a Angola, já de meia- idade Max Mara e despida de direitos humanos. E vi o nosso Sócrates, que tinha ido às Urgências do Santo António com o não-sei-quantos que “tinha pedra nos rins” e ele doente, mas felizmente só com “um síndrome gripal” para o qual forareconfortado “com um antibiótico”. Deram-lhe “um antibiótico” para “o síndrome gripal” e ele não apenas gostou como achou que tínhamos de saber. Oh George, oh Infarmed, oh Ministra da Saúde, oh Grupo de Missão para os Cuidados Primários de Saúde, oh Comissão das Boas Práticas do Hospital de Santo António, oh Reestruturação das Urgências.

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A Cherie Bimba escreveu um livro



A Cherie Bimba escreveu um livro de memórias. Cherie Blair Bimba, a esposa do Bimbo Blair, a mãe putativa do novo trabalhismo, a advogada de êxito, escreveu um livro cujos direitos de autor vão render para lá de dois milhões de euros. Vem a calhar para pagar as hipotecas dos Blair, obcecados pelo problema da habitação: duas casas em Londres, duas em Bristol, uma em Durham mais a mansão do defunto sir John Gielgud. A Bimba Blair conta tudo. Pelo menos tudo o que for conveniente para o Bimbo Blair, cuja carreira ainda não terminou. Entre alguns episódios que ficarão para a história do socialismo inglês, está o do leito de Balmoral. Diz a Cherie que engravidou em Balmoral, aos 45 anos, por não ter querido levar “o equipamento contraceptivo” para o castelo, por pudor dos criados da Isabel HM, a Bimba da carteira que imita a Helen Merril. Tinha pudor dos criados, mas não teve pudor da populaça a quem agora, por dois milhões, revela o requintado segredo do nascimento do último Blairzinho. A populaça gosta. Fica a imaginar o “equipamento contraceptivo” da senhora, um equipamento digno do gabinete do Dr. Caligari ou dos museus da Middle England , puxado por mulas, no início da carreira da senhora, e depois em malas Louis Vuitton até que as leis da vida o tornaram desnecessário.

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23 maio 2008

A religião está nos genes



José Pacheco Pereira acredita em Manuela F. Leite. Interrogamo-nos sempre sobre os motivos que levam pessoas inteligentes a entusiasmos deste tipo. Está nos genes. Desculpem os culturistas esta enormidade. É sempre chato, eu sei, lembrar as nossas baixas origens. Sobretudo para os visionários dos Estudos Sociais, que em nome da aceitação resignada e unilateral da diferença silenciam a eliminação física das vozes moderadas, nos países do século XI a que se referia o post recente de Rui Bebiano. Está hard wired na espécie humana, esta necessidade ingénua de acreditar, de, mesmo quando se desmorona o mundo do mercado global e do arame farpado nas fronteiras, quando apodrece e fede a civilização dos combustíveis fósseis, as boas almas continuarem a olhar com fé para os políticos do passado, os manipansos dos velhos partidos do século XX. A função sacerdotal de José Pacheco Pereira é, para a devoção que assegura a decadência doce do velho mundo, tão importante como o Euro 2008.

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20 maio 2008

Viena de Austria



Genebra era uma cidade de exílio
e alguns aportaram a Génova
sem perceber
a diferença entre as margens sumptuosas
do Lago Leman
e o sotaque rude dos marinheiros,
Oxónia estava sempre remando
contra Cambrigia,
Bruxelas lembrava o Herberto Hélder,
injustamente,
e Bordéus o marechal traidor,
Haia, do Tribunal, era impossível de encontrar,
Elsinore sempre com um crâneo na mão,
Ascónia um embaraço,
Colónia o único perfume,
mas Viena

era de Áustria,

Viena de Áustria.

17 maio 2008

Uma fonte



Um patio de adobe, uma sombra, um poc,o de agua fresca. Foi assim, diz a Blue, que o Pedro a viu. Para mim ela ee uma flor urbana. Como um livro, um roman-fleuve, ou Um Homem sem Qualidades deste tempo que vivemos e que ee o tempo que vai entre o fim das grandes narrativas e o comec,o nao se sabe de quee. Nao bem um livro. Algo que estaa antes e depois de um livro inesgotavel e que ee a materia dos livros e dos sonhos, das emoc,oes, dos acordos e das discordias, das grandes complicac,oes, como dizia aquela frase esquecida num patio de Berlim. Mais do que um poc,o no deserto, acho que ela ee uma fonte de um jardim da cidade, de onde jorra, com debito variavel, uma agua que nunca seraa da Companhia.

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Soltaram os caes

Enquanto a policia e o governo italiano prendiam e expulsavam centenas de imigrantes, um pelotao de camisas negras, publicamente apoiado pelo inevitavel Umberto do Norte, incendiou um campo de imigrantes. Ironicamente,apos a adesao europeia da Romenia e da Bulgaria, a maioria destes desalojados tem, neste momento, a cidadania europeia, e o mesmo direito a habitar os solos afluentes dos afilhados de Berlusconi. A direita ganhou as eleicoes em Italia, esse estranho paiis, como o nosso, ou este onde leio esta noticia e escrevo este post apressado. Capaz de nos dar o cavaleiro e o monge, o rapaz do stick e o que pensa. Infelizmente, parece ser outra vez tempo das conviccoes simples, do branco e do preto, da fronteira. Soltaram os caes. Os que sabem nao se podem calar.

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16 maio 2008

Na Kunstahaus de G.

" Acredito que em qualquer obra de arte, o que deve transparecer ee este momento particular, breve e silencioso, em que se entra em contacto com a Inteligencia, uma Inteligencia total e absoluta atravees da qual todas as coisas entram em comunicaca~o." (Pedro Cabrita Reis)
Eu estava na Kunstahaus de G., caminhando entre os canteiros de True Gardens #6 (Pedro Cabrita Reis), aa procura desse momento de Inteligencia, quando senti no ombro a ma~o do assistente, do guarda, do vigilante, do comissario. No ombro soo ma~os consentidas e esta na~o.. Era proibido, not allowed, forbidden entrar na estrutura. Soo respeitosamente, aa volta do jardim. Nas bordas da Inteligencia. Sem verdadeiramente tocar na obra de arte. Todas as coisas entram em comunicaca~o. Mas noos, as massas pagantes (7,5 Euros, com direito aa infamia colada no peito), devemos olhar com respeito, de longe, as coisas em comunicaca~ao, nesse momento breve, e noos, pre-coisas, de longe, a ver.

14 maio 2008

O Geberit

Ha-os de muita especie, felizmente, que as coisas querem-se assim, variadas. Ha de metal, de madeira, de plasticos, incorporados nas paredes, com extraccäo pelo vacuo, manuais, semimanuais e de celula fotoelectrica. Ha amigos do ambiente, largando pequenos volumes, ou bimodais, permitindo a perdularia opcao vulgar. Mas de tudo o que, ao longo dos anos, tenho visto, o melhor, claramente, ee o Geberit. O melhor ee o Geberit.

13 maio 2008

O papel amarelo

Na Kunsthaus Graz barraram-me a entrada por 7 euros. Eu nao tinha tempo para a exposicao, bastava-me dar uma olhadela breve a True Gardens #6, de Pedro Cabrita Reis, anunciado para o espaco 01. Fiquei na entrada, junto a um escaparate, hesitante. Um homem e uma crianca aproximaram-se e ficaram a olhar-me furtivamente. A crianca sorria e o olhar do homem era enigmatico.Depois a crianca empurrou-me, de forma a que ficasse atras de uma coluna, e o homem colou-me na T shirt um papel amarelo.

Tem uma seta
uma data
um Nr.: 210700040265
uma frase em letra miuda nur gültig am 13.5.2008.
Entrei no jardim.

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12 maio 2008

Explicações


Não escrevo para que me percebam. Mas não gosto de mensagens cripticas, nem de recados, e bastas-me tu, tu, como leitor(a) hipócrita. Acho que devo explicar algumas coisas. Na coluna do lado, onde estiveram Jacques Brel (cujo espectro enlouqueceu o rapaz Beirut), Rufus Wainwright, as CocoRosie, está agora Marisa Monte a cantar um Infinito Particular. É uma espécie de hino das raparigas de programa, das meninas dos bares. Aprendi no blog de Paula Lee. Gostei de revisitar a canção e o poema, de tentar perceber porque se tornou importante para as meninas. Se fosse mulher no Paraguai, havia de ser puta na Argentina e fazer-me traficar para Barcelona, onde há homens que pagam para, por um instante, terem a ilusão de chegar junto de um infinito particular.

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O blog de Lisa



Arranjar um nome para o blog de Lisa revelou-se mais complicado que despedir o inquilino. Quando ele saíu os miudos choraram e Lisa interrogou-se sobre se, afinal, ele não seria melhor pai do que ela, as amigas e a segurança social tinham julgado. Depois pensou que toda a escrita tem um começo informe, um Genesis, e o começo da sua escrita estava no nome do blog, um título leve e popular e ao mesmo tempo carregado de gravitas. Já cá não está quem falou. Não tenho a mínima ideia. Dão-me licença que passe. Desculpe qualquer coisinha. O homem a sair, os miúdos a chorarem sem que Lisa percebesse porquê, e ela a escrever o título e o primeiro post do seu blog, um blog como um quarto que fosse dela, como um vestido que lhe caísse bem, como uma licença sabática, uma novena, uma pausa na sua vida tão cheia de ruído e confusão.

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Jantar em Kastanien Allee


Numa rua de Prenzlauer Berg reuniram-se alguns amigos. O casal K., que não via desde a queda do muro, já não demonstra nenhuma empatia. Só deve mesmo restar o amor. Quem diz isto é a Lisa. A minha amiga Lisa transformou-se numa conformista, e já fala em abrir um blog. O único problema, na vida dela, é o problema da habitação. Tem um homem a mais em casa. Um inquilino. O pai dos filhos. Já Minette, estranhamente, era a mais animada. As mesmas mãos de há dez anos, o mesmo colo, onde se houve rosas e milagre foi ali. Mas é difícil falar com Minette, que só fala alemão de Zurique. Eu tentei, como há dez anos, desta vez com redobrada convicção. O Jeremy, aquele gajo, explicou-me que para falar uma língua estrangeira é preciso ter 1) alguma coisa para comunicar e 2) vontade de o fazer. Depois é como nadar, ou escalar uma falésia, ou fazer rappel invertido, ou dançar o tango, ou fazer blinis, ou beijar a namorada suíça. As coisas saem. Não saíram, agora como há dez anos.

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09 maio 2008

Este homem



Este homem dorme na minha casa. Dorme no meu quarto. Acorda e vê as mesmas paredes, dá os mesmos passos, abre as mesmas torneiras. Ouve os mesmos ruídos. Tem sonhos como os que tive, anos a fio, naquela casa. Educa dois filhos. Acorda de noite, ouve uma mulher respirar, julga que sabe como respira quem dorme ao pé dele. Este homem repete a minha vida. Olhamo-nos nos olhos. Ele não quer saber o resto da história, eu não tenho vontade de lha contar.

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07 maio 2008

Listas


No Bibliotecário de Babel, o José Mário refere a lista do Telegraph sobre os 50 livros que mais nos marcaram. Li estes, embora não tenham sido os que mais me marcaram:


The Catcher in the Rye de JD Salinger (1951)
Confissões de Jean-Jacques Rousseau (1782)
Se numa noite de Inverno um Viajante by Italo Calvino (1979)
Labirintos de Jorge Luis Borges (1962)
Margarita e o Mestre de Mikhail Bulgakov (1967)
No Logo de Naomi Klein (2000)
On The Road de Jack Kerouac (1957)
O Profeta de Kahlil Gibran (1923)
O Rubáiyát de Omar Khayyám (1859)
O Estrangeiro de Albert Camus (1942)
Não matem a Cotovia de Harper Lee (1960)
O Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell (1957-60)

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06 maio 2008

Ana Lopes, uma mulher do Mal




Ana Lopes, antropóloga, investigadora do CES,doutorada na Universidaded East Anglia, autora do livro Trabalhadoras do sexo, uni-vos!" (2006) foi trabalhadora sexual e esteve presente como convidada na sessão de hoje de Os Livros Ardem Mal.

No blog de uma prostituta o lançamento deste livro, há quase dois anos, propiciou este texto:

Estava lotado, e, apesar de estar cheio de gente, a sensação que eu tinha era de que a maior parte das pessoas ali presentes eram pessoas amigas. Encontrei com alguns amigos também por lá, foi muito divertido.
Fui no bar pegar uma bebida e voltei para o salão. Quando as pessoas estavam sentadas eu pude observar melhor o local, e não é fácil descrever em palavras as emoções que eu senti ali dentro. Eu conseguia observar meninas andando de um lado ao outro, outras sentadas em sofás, clientes chegando e elas indo ter com eles, a abordagem das conversas, as garrafas sendo abertas. Tudo isso, naturalmente, apenas parte da minha imaginação, por reconhecer naquele ambiente características ainda muito vivas de um bar de convívio, como se a alma de um bar de convívio não morresse.


O TAGV, que já não tem bar e cuja alma arde em fogo lento, teve Ana Lopes. Defendeu com convicção a necessidade de legalização da prostituição e as vantagens da organização sindical dos trabalhadores do sexo. O debate que mais me interessava ficou por fazer e, durante a sessão, percebi que não estava preparado para ele. Não era o local e faltava-me quase tudo, desde o ponto de vista das meninas ao dos clientes. Uma referência mais extensa à biografia da convidada poderia ter ajudado a separar a questão da prostituição, no contexto alargado da sexualidade, da questão mais consensual dos direitos humanos e laborais das prostitutas e dos prostitutos. Surpreendentemente, em alguns dos presentes, o tema desencadeou reacções inesperadas, pré linguísticas, do âmbito da filosofia do sexo. Ficou assim por explicar o que é que uma trabalhadora do sexo aprende sobre si própria nas linhas eróticas, na vara do streap tease, nos encontros sexuais de ocasião.

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04 maio 2008

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