29 novembro 2007

Que sais-je?


Foto: Filipa Bonirre

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28 novembro 2007

Quarta-feira


Martin Maloney


Quarta feira é quase fim-de-semana o que torna a manhã suportável e a tarde semi eufórica. Quinta-feira é um dia incaracterístico. Com depressões e centros de alta pressão, tudo esbatido na certeza reconfortante de ser a véspera de sexta. Sexta –feira é um dia fabuloso. Já foi melhor, quando havia jornais e jornalistas. Deixaram de escrever, mas persistiu na manhã a sua radiosa novidade. A tarde de sexta é uma estrada gloriosa para a noite de sexta e a noite é o momento fantástico da semana. As crianças deitam-se mais tarde, os rapazes enchem as ruas, deslocam-se em bandos como se tivessem um lugar de destino. A noite de sexta –feira não acaba, excepto para alguns que desbadalam, indiferentes ao bramido do sexo, que à sexta-feira é elegante, instruído, perfumado. Sexta à noite as bebidas são espirituosas, os homens parecem atentos ao grande mistério das mulheres.

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27 novembro 2007

Todas as noites acordo


Foto: Filipa Bonirre

Todas as noites acordo com ruídos nas estantes. Levanto-me, dirijo-me com mil cautelas ao lugar dos livros e, chegada ao cenário, já não me mexo. Observo-os acometendo-se de fim, lançando-se contra o chão, o vidro das janelas, as arestas dos móveis. Dantes, atirava-me também eu, quase sempre em câmara lenta, vivendo cada momento até à salvação. Cuidava em aperfeiçoar a minha própria queda, uma mão em leque, a inclinação da nuca, o deslizar do joelho direito. Agora observo-os. Aprendo a pouco e pouco a beleza dos movimentos que perdi por estar sempre a tentar salvar o que não pede para ser salvo, só visto.

// Gloria C.

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26 novembro 2007

D # 1



Foto: Filipa Bonirre

25 novembro 2007

A maioria dos leitores

VPV deu-nos ontem, no Público, uma mão cheia de razões para não ler a última ficção de Sousa Tavares. Não era preciso. VPV leu a pedido do Público. A nós ninguém pediu nada. Se pedissem, tinham de pedir muito. A crítica de VPV tem matéria para muitas bengaladas e alguns momentos saborosos. Destaco um, grandioso, em que VPV chama à maioria dos leitores, iletrados.

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Poetas em tesão fria

Ficamos à espera. Mas o local, mesmo com mecenas, é hostil à poesia.

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Letra de Forma

Crítica e Opinião, o blog anunciado de um homem livre: Augusto Seabra.

Aviso

As mulheres do Leblon caçam intelectuais com a tesão do Houaiss.

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24 novembro 2007

Estrela da Manhã ou Acordar de noite para mijar não faz um poeta


Tacita Dean

Para a Cláudia

Estrela da Manhã
alumia os meus passos
Sou eu que digo, é a minha voz.
Embora caminhe apenas
da cozinha para o quarto esbarrando
na mesa do corredor batendo
na mísula derrubando
o busto da mulher holandesa

Estrela da Manhã
tão notória por sobre
Vilanova
Tu ou a lua cheia ilumina
os meus passos mesmo sabendo
que não sou um poeta
que apenas compro os livros
dos poetas
às vezes
bendita comunhão
por transferência bancária
outras em transacção soturna
sem direito a pontos enganado
pelos cartões.

Ilumina os meus passos
Eu simplesmente acordei estou
vivo
bebo a água da torneira espanto-me
por ser tão cedo tão
tarde
tudo aparentemente tão
deserto
tão silencioso como
a lide
das aves da noite
e a matança dos pequenos animais.

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23 novembro 2007

O amor é um jabón de aceite



Foto: Rita Bonirre

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O casulo


Martin Parr

Um rapaz quase
lindo e uma rapariga quase
feia formam um casal quase
interessante –não fora a conversa.
Estão quase de frente para
mim é quase noite quase
Inverno e está quase
a fechar-se o casulo cinzento
da melancolia.

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22 novembro 2007

A notícia do seu apodrecimento é um pouco exagerada


Sugimoto

Os piolhos atingem toda a gente. Matam-se com veneno ou afogam-se em vaselina. A pústula do herpes simplex é um pequeno incómodo. Nem vale a pena gastar dinheiro com Aciclovir, Famciclovir, Penciclovir. As mulheres ficam bem de sapatos rasos e conheço uma bailarina que tem- é um dos seus maiores encantos- um joanete como o cabo de um arco retesado. O corrimento vaginal inodoro é fisiológico e provém da muita excitação. O Armando Guebusa é um filho da puta.

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# 177



Foto: Filipa Bonirre

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21 novembro 2007

Ginástica


Hiroshi Sugimoto


É melhor a ginástica que a poesia.
Não é precisa muita imaginação
Apenas o corpo entregue ao seu uso
intensivo a justa aceleração cardíaca
e por detrás o motor das células em rotação
excessiva procurando o dispendioso
combustível de alternância

Não é precisa muita imaginação
Apenas um plano de treino
Vinte minutos de corrida dez
de bicicleta
2x16 no LAT e o mesmo a seguir
no Pectoral e no curl e podem ser
mais no legs press

e a seguir o duche-
afinal o desporto é como a poesia.
Enquanto a água escorre sobre os olhos
prepara-se para a morte
o corpo (musculado).


(O generalista político Luís Delgado declarou que não lia poesia (pô-ê-zia) porque não tinha imaginação.)

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# 238


(para ti)

Foto: Filipa Bonirre

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20 novembro 2007

# 341



Foto: Filipa Bonirre

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19 novembro 2007

# 514



Foto: Filipa Bonirre

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As escolhas de Vila- Matas

Contra la Censura (J.M. Coetzee),
Breve historia de la paradoja (Roy Sorensen),
París suite: 1940 (José Carlos Llop),
Una súplica para Eros (Siri Hustvedt),
La máquina de Joseph Walser (Gonçalo M.Tavares),
Hipotermia (Álvaro Enrigue),
El mundo no se acaba (Charles Simic),
La angustia de la primera frase (Bernard Quiriny),
Si te comes un limón sin hacer muecas (Sergi Pàmies).

Escolhas de Vila-Matas na entrevista ao blog Luz de Limbo

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18 novembro 2007

Em Grand Central Station sentei-me e chorei





Me preguntaron si era fácil distinguir entre una buena novela y una que no lo era, y dije que bastaba con examinar cuáles eran sus relaciones con las altas ventanas de la poesía. Precisé que hablaba de sutiles conexiones con la poesía y en ningún caso de lo antagónico: novelas escritas por poetas a base de prosa poética, algo absolutamente a evitar cuando se trata de una novela.

"Querido Friedrich, el mundo todavía es falso, cruel y bello...", escribe Charles Simic, escritor yugoslavo de Nueva York que enlaza con originalidad el surrealismo, la metafísica y los mitos primitivos. Para él, la imaginación no es un alejamiento de la realidad, sino la llave idónea para acceder al mapa de estrellas de nuestras paredes interiores.

Hablé ese día de la filosofía poética de Simic y de la necesidad de que la novela no pierda las sutiles conexiones con la alta poesía. Y, muy poco después, sentí deseos de convertirme allí mismo en el título de una novela de Elizabeth Smart, En Grand Central Station me senté y lloré. Siempre quise ser o escenificar ese título, y aquélla era toda una oportunidad para hacerlo, pues a fin de cuentas me encontraba en Nueva York y estaba justo en aquel momento en Park Avenue, a dos pasos de Grand Central Station.

Me dije que, aparte del título, aquel libro de Elizabeth Smart (novela autobiográfica que narra la pasión de la autora por el poeta George Barker, un hombre casado del que se enamoró incluso antes de conocerlo: libro de una bella intensidad, extrema y rara) fue siempre una obra maestra gracias a su capacidad de diálogo con la tradición poética y a su elegante inspiración surrealista. De hecho, aquel mismo libro era un perfecto ejemplo de novela en comunicación con el gran espectro poético. Y es más, tenía el encanto de haber sido pionero en un procedimiento que aprecio y que consiste en convertir el texto en una máquina de citas literarias que ayudan a crear sentidos diferentes.

Me acuerdo muy bien de cómo era, aquel día, la novela de mi vida. Parecía que el surrealismo de Simic estuviera por todas partes, porque vi en el pasillo de entrada al gran vestíbulo de la estación a un negro con la cabeza rapada, sin zapatos, poniendo a un limpiabotas y a Dios por testigos. ¿Por testigos de qué? Tras contestar a cómo se distinguía entre una buena novela y una que no lo era, empezó a cumplirse uno de mis más antiguos deseos cuando, al adentrarme en el gran vestíbulo, avancé hipnotizado hacia el célebre reloj de cuatro caras, y fui pasando repentina revista a lo que habían sido las ventanas ciegas de mi vida: iba como hechizado y como si tuviera luz para descifrar el mapa de las estrellas en los futuros interiores de las novelas. Y así fui avanzando y buscando un lugar solitario, hasta que lo hallé y, contemplando en una de las ventanas altas los movimientos del sol como quien mira el de las hormigas, pensé en un poema de Simic que habla de una azotea y de un agujero en unas medias negras y de una bella muchacha de Nueva York de la que estaban todos enamorados, y entonces sí, entonces, tal como venía previendo, como si uno pudiera ser el título de una novela dentro de una poesía secreta, casi desmoronándome, dando bandazos con mi suerte más ciega, en Grand Central Station me senté y lloré.

Enrique Vila-Matas

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16 novembro 2007

# 605



Foto: Filipa Bonirre

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Vergonha


Jean Fabre

Este blog cala-se em memória do rapaz polaco assassinado no aeroporto de Vancouver pelos polícias do Estado canadiano.

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O nome deste bicho


Cindy Sherman

Sei muito bem que o amor é um jabón de aceite que escorre serenamente pela pele e que a paixão um big bang explodindo no mediastino. Sei perfeitamente que o motor do desejo se liga em vários sítios e um deles são os pilares do diafragma. Então que nome devo dar a este bicho de dentro que estende os braços para o pescoço, o amarra ao peito em combustão, e se enrola como uma gravata da traqueia.

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15 novembro 2007

Somos filhos da guerra fria


Martin Parr, The Last Resort

Helena Matos(como eu) é uma filha da guerra fria. Quando intervém no debate político esquerda/direita porta-se (como eu) tal qual uma filha da guerra fria. Devia (como eu) fazer uma declaração de incompatibilidades. Quando ela tenta reduzir Rui Tavares a uma cartilha parece um manual reciclado da guerra fria. Por essas e por outras é que eu só falo do ramal da Lousã e de como, era já noite, levámos B. à carruagem desolada onde os que mandam cospem o desprezo pelos que andam de comboio, no ramal da Lousã.

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A mente humana é um estúdio de divertimento


Martin Parr

Se, como se diz, o corpo humano é um campo de batalha, então a mente é um estúdio de entertainment. O que é que explica que A História da Pide tenha merecido dos media uma atenção fugidia e relativa a um aspecto menor (foi a Pide nais benigna que as congéneres das ditaduras europeias de entre guerras?) e o livro dos amores entre Salazar e a Micas, essa coisa sinistra que lembra a pederastia dos anos 50, de sotainas, governantas e afilhadas agradecidas, surgir, recorrente e sem contraponto, nos noticiários e jornais de referência?

(Ver a propósito de A História da Pide, de Irene Flunser Pimentel, Temas e Debates 2007, os posts de Rui Bebiano e João Tunes e os comentários de Irene Pimentel.)

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14 novembro 2007

// Received by mail

Abri o e-mail pela segunda vez e fugiram-me os olhos para os Links Patrocinados ali à direita: Deus Ama Você, Edite o seu Livro, Piso radiante Eléctrico, Clube Amizade, Namoro em Portugal. Que saudades de uma boa escrita automática.

Abri o e-mail pela primeira vez através do telemóvel, onde só consegui ler que

"Não abria o gmail há semanas e ao princípio não estava a reparar, não vi, vi mas não liguei, lá cliquei desinteressado, e agora estou a tentar perceber mas..."

E pensei que esquisito, usa reticências. Agora penso que esquisito, escreve tanto.

L.

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13 novembro 2007

Contra mim falo


Claudia Santos Silva

eu contra mim falo eu escrevo
contra mim
e contra a evidencia
eu contra mim bebo e como
e contra mim me deito
enrodilhada
eu contra mim me visto
e se me dispo é contra a minha
imagem
eu caminho contra os muros
onde um texto ilegível conta
a minha vida
que contra mim teci

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12 novembro 2007

Porque não te calas tu também?

Li o relato do Público e do El País. Vi vezes sem conta os vídeos do Youtube (o Youtube parece doente de morte soluçante). Pus à votação na família e depois à discussão. Li as reacções da blogosfera. E ao longo do dia a minha alma volátil passou de uma vaga alegria metafísica à irritação jacobina.Ouvi várias vozes: A História é necessária. O excesso de História pode enlouquecer. A ignorância da História prepara as massas para a submissão. O meu estado actual é de alegria metafísica por um Bourbon não ter podido calar um índio sul americano.

(créditos: Marcelo, Filipe Nunes Vicente (Mar Salgado), João Tunes (Água Lisa), outros.)

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11 novembro 2007

O gourmet do Corte Ingles


Alextimia, Paula Gaetano


A mulher no gourmet do Corte Inglês procura

Peperoncino tritato picante

quando se cruza com o homem alto. Desvia o olhar, concentra-se nas especiarias, estende a mão para um frasco de 50 cl de azeite Noval que volta a pousar com brusquidão quando lê

Azeite
Virgem Extra


e pensa que o homem pode estar suficientemente perto para apreciar uma escolha tão vulgar. O gourmet do Corte Inglês é pequeno e os corredores de circulação propiciam múltiplos cruzamentos. Ela ficou sempre perto dele, o suficiente para perceber que o homem é muito alto, seco, tem um fato azul de bom corte. Não se lembra agora dos sapatos mas de certeza que na altura viu. Embora gostem de falar nas mãos e no rosto, é, depois das nádegas, o segundo sítio para onde as mulheres olham sem ver, em todo o lado e também no gourmet do Corte Inglês. Depois o homem escolheu

penne all’Arrabbiata

e a mulher sentiu as pernas a tremer. E continuou a segui-lo discretamente, perfeito na sua deambulação, enchendo o pequeno cesto preto com

Cogumelos porcini secos

Pimentón Dulce da Carmencita

Maccheroni de Toscana de Martelli


emocionando-se em cada passagem, como numa desgarrada de gaúchos. Perto da caixa, o homem retirou dois chocolates artesanais de

Cacau de S.Tomé e Príncipe

um para a namorada e e outro para a mãe, pensou ela, os melhores chocolates do mundo, embalados num rectângulo preto mate, liso, sem nenhuma inscrição excepto a que numa banda rosa atesta a longínqua proveniência.
A argentina Paula Gaetano criou um robô táctil. Sua, quando se toca. As mulheres do gourmet do Corte Inglês, se lhes tocam muito, rebentam em lágrimas.

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08 novembro 2007

Escaparate



Pisticci, Italie'78

Copyright 1981 Alberto Assunção Alvim


Escaparate, o mensário sobre livros que o Foyer do TAGV acolhe todos os meses, teve esta semana o seu primeiro banho de multidão. Como a única variável, em relação às pretéritas edições, era a presença de Adolfo Luxúria Canibal, é lógico supor que a ele se deviam aquelas presenças. Rui Bebiano leu o último Ecco, A História da Fealdade e o livro de Dawkins sobre Deus, que entre nós leva o título de A desilusão de Deus. Luís Quintais, cujas escolhas costumam ser de grande qualidade, falou de J.G.Ballard e Paul Bowles. Do resto, para citar Osvaldo, não me lembro nem tenciono ler. Não ouvi metade das intervenções. A instalação sonora estava a cargo de um gorila ao negro, que quando uma ouvinte jacente pediu, com delicadeza, para melhorar o som, lhe respondeu que “ouvisse depois na rádio”. Este tipo de agentes culturais são como os críticos das estrelas que co-evoluiram com o cinema . Uma espécie de ectoparasitas que provoca prurido, mesmo à distância. Estive para lhe dar uma bengalada, no que fui dissuadido pela ouvinte jacente que afinal ouvia melhor do que eu e me chamou a atenção para o facto do Adolfo Luxúria Canibal ter confirmado a extinção da Internacional Situacionista.

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07 novembro 2007

Emoções lenticulares

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06 novembro 2007

O senhor B. (I): HORA DE INVERNO




Filosoficamente falando, Sócrates (o José) estava errado. A mudança de hora foi só este fim de semana.
No intermezzo do desconcerto dos velhos recuperados da sarjeta pela matrona romana de manto de veludo à la visconti daqui, no intermezzo, el Bonirre despediu-se, foi-se embora. Era a sua hora. No pragmatismo bonirreano este é um axioma irrefutável: “Adeus meninos, até amanhã!” (camaradas ou não, àquela hora somos todos, os que ficam, camaradas do outro lado da barricada).
Mas eis que a meio do segundo número, o vemos ressurgido. Voltou para trás. É que depois de distribuir as meninas pelas moradas certas, descobriu que afinal não era uma da manhã, mas apenas 11 horas!
Conclusão ilógica: percebeu que não queria ir para casa (não se pode voltar para casa e perceber, depois de lá estar, que não é lá que se quer estar) e, coerentemente, voltou para trás. E reentrou no salão, ufano e leve, com um grande sorriso de alívio a perguntar à volta “Quem bebe o quê? É hoje! É hoje!”
É a isto que se pode chamar a superioridade moral dos racionalistas. Dos racionalistas cordiais, claro.

sent by//Rosaarosa

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05 novembro 2007

Agenda



Às 18h no TAGV, hoje com o sinistro Adolfo Luxúria Canibal.

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Rufus. Release the Stars



Amanhã no Coliseu de Lisboa, o pop barroco do homem que queria ser Judy Garland.

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04 novembro 2007

A minoria mínima


Les Amours d'Astrée...Eric Rohmer


Cresci na ilusão democrática. Embora nos contássemos pelos dedos de uma mão, isso era uma circunstância. As massas populares, que tinham escrito a história, desde a Roma de Spartacus até à recente Cuba dos guerrilheiros românticos, irromperiam em cena também neste país. Viriam de barco, desaguando no Rossio, como previa o poeta no seu primeiro livro. Seríamos muitos, nesse dia limpo, nessa madrugada clara. Quando comecei a pensar, o que aconteceu tarde como os que acompanham estes posts já sabem, percebi que não tinha confiança nenhuma nas massas populares. Os verdadeiros proletários desiludiam. Diziam-me: são o lumpenproletariado. Entre mim e os camponeses houve sempre, injustamente, os gritos do porco na matança, a cacetada no coelho, a degola das aves ou a textura do diospiro. Já com os intelectuais as coisas eram mais fáceis. Não com os artistas. Gosto do produto da actividade dos artistas mas assusta-me o desequilíbrio, a precaridade, o experimentalismo e o sexo em grupo. Professores, só universitários, da espécie em licença sabática permanente. Com os outros confesso ter pouca empatia: horários de vinte e sete horas semanais, problemas de disciplina, depressão na Páscoa, pneumonites ao giz, colocação no quadro de zona pedagógica. Não resisto a tamanha miséria. Gosto dos artífices e artesãos: carpinteiros, estofadores, canteiros, ferreiros. Mas parecem estar em extinção. Também gosto das floristas, das que nunca cheguei a conhecer: a da Estrada de Benfica, a florista de Mangualde. Acontece que todos estes grupos, que enumero, já não têm sindicato, associação só liquidatária. Aproximei-me demasiado dos especialistas em arte conceptual, dos psicólogos evolucionistas, dos neurocientistas, dos geólogos que estudaram a última glaciação. Por um motivo ou outro fui rejeitado.
Tentei ser de uma minoria que se visse. Eles fecharam-se, grupusculares. Comprei um carro alemão. Recebo convites para a sede sempre que um novo modelo é lançado. No parque de estacionamento dos Correios, o carro foi tão amassado que está irreconhecível. Na última revisão o recepcionista da marca alemã olhou-me com o desprezo que reservam aos que estão no segmento de entrada, com idade para o topo de gama.

Foi assim que me habituei à mínima minoria. Nos filmes somos quatro. Na livraria os livros estão sempre na prateleira de baixo, ou não há em stock, ou têm que mandar vir de Campo de Ourique. Nos colóquios a única desconhecida está na sala por engano e levanta-se incomodada com o barulho. Na exposição só depois da inauguração. Se nos reunimos, não temos o quórum exigido por lei. Os filmes têm sempre a estrela pálida da comiseração, quando passam na TV é a desoras . Não sou leitor fiel de nenhum jornal. Os melhores concertos têm sempre lugares vagos na plateia. Vivo em casa arrendada. O clube da minha vaga simpatia milita nos distritais. O meu telefone está sob escuta.

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03 novembro 2007

Au Parc (Rien)


Gyula Halasz, dit Brassaï (1899-1984)



Même soleil d’hiver, même bruit de brindille
Le bout des doigts glacés, le givre sur les grilles
Mêmes odeurs d’humus, la terre qui se terre
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la pépinière, fin de semaine
Encore une heure, encore une heure à peine
Encore une heure de jour et la nuit vient
Même température, le mercure à zéro
Même mélancolie fauve aux portillons du zoo
Mêmes parents pressés, leurs enfants en manteau
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la pépinière, fin de semaine
Encore une heure, encore une heure à peine
Encore une heure de jour et la nuit vient
J’aurai beau décalquer, refaire les mêmes parcours
Reprendre les mêmes allées aux mêmes heures du jour
J’aurai beau être la même
J’aurai beau être belle
Tout y sera, tout y sera
A part toi
Parc de la pépinière, fin de semaine
Encore une heure, encore une heure à peine
Encore une heure de jour et la nuit vient
Et puis,
Rien

em Les Chansons d'Amour, interpretada por Chiara Mastroianni

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01 novembro 2007

O escafandro dos críticos das estrelinhas



Continua o terrorismo dos críticos das estrelinhas. Vasco Câmara deu a bola vermelha a este filme de Schnabel, adaptação do livro de um sobrevivente de síndrome de lock in. As sala estão vazias, resultado da política catastrófica dos distribuidores e da pedagogia dos críticos que não gostam de cinema. Este Câmara não trabalha e é masoquista. Dos filmes em exibição só viu dois, que executa sumariamente. Eu gostei de tudo. Da interpretação, da escolha de actores, da banda sonora, da verosimilhança. O preconceito intelectual de Câmara e dos maîtres a penser a quem o Público entregou a crítica cinematográfica atingiu o paroxismo. Não liguem e vão ver. Câmara e colegas sofrem de uma variante gravíssima do síndrome de lock in. Enrolam a língua mas alguém lhes cozeu as pálpebras.

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A Não Perder, absolutamente



La Niña Santa de Lucrecia Martel, na Um à 01:55H

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Intertexto


Merte and Marcus


E hoje outra vez esta dúvida sem método algum.
Coimbra B foi há quatro anos e chovia e isto talvez merecesse uma carta, excepto por ser óbvio que os sobreviventes não esperam receber missivas das vítimas das catástrofes. Os mortos devem ficar quietos e absterem-se de pestanejar.


Tenho pena das pessoas que levam duas vidas
Um usava Crocs, o outro Doc Martens: o desastre parecia inevitável
Ainda não desisti de fazer da minha vida uma coisa política.
IO SONO UNO DEGLI ALTRI
É outono e os castanheiros alumiam as vidraças
Deve ser bom poder dizer “moro em Nevogilde”



Marmelo,Eduardo, Joaquim Paulo,Blue, Ana, Filipe

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Teatro Anatómico



O primeiro blog de Novembro: Marmelo

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Tal e qual a mana A.



Mlle Nénette de Beauffort, automne '78

Copyright 1981 Alberto Assunção Alvim

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História e Consciência de Classe


Gillian Wearing


Num dia de latada uma rapariga de traje, como se diz, académico, sobe uma rua, de braço dado com outra, vestida de corres garridas. Param com frequência. Agora é à porta de uma moradia em restauro onde uma numerosa audiência de trolhas se acotovela para as ouvir:
A doutora: - Eu sou a doutora.
A caloira: -Eu sou a caloira.
A doutora: - Logo à noite a caloira vai ter de pagar um jantar à doutora.
Ambas: - Um euro para o jantar da caloira e da doutora.
E o que é que as raparigas dão em troca? Chupa-chupas. Redondos, saindo do lambuzado decote caloiral. Os trolhas observam o sortido e o pedreiro mais velho, em silêncio vagaroso, procede à avaliação do material e ao pagamento.
Passou então um homem resmungando.
Homem resmungando: - É uma vergonha.
E como alguém pudesse pensar que se tratava do trânsito, o homem englobou com um gesto largo os trolhas, a doutora e a caloira, o decote de onde jorravam chupa-chupas, o pedreiro remexendo sabe-se lá que trocos no bolso das calças e perguntou aos curiosos que enchiam os passeios e aos condutores desesperados:
Homem resmungando: - Onde é que está a Klassenbewußtsein, sim, onde é que está?

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