31 março 2006

Parque 99


Foto: Zam

O Estado e a Revolex

Menos Estado: Simplex e PRACE, PJ sem dinheiro. Melhor Estado: Vital Moreira e António Vitorino no Conselho Supervisão da EDP. Isto não é de direita nem de esquerda. É condição de se fazerem políticas (de direita ou de esquerda).Estamos assim numa fase pré-crítica, onde todos podemos aplaudir. É a tese da Causa Nossa. Eu diria mesmo mais: se considerarmos que a composição do estado não é inocente, este estado tem em si o gérmen da sua destruição.

Agenda ( à escuta )



Às sete da tarde, hoje e todas as sextas-feiras, na Antena Um, a semana revista por três ícones do jornalismo virtuoso: a megalomania, a coerência, o bom senso e o dono da casa.

30 março 2006

Adições

O blog de Tiago Barbosa Ribeiro: Kontratempos

O blog de Rui Tavares

Uma Comédia antiga de J.L.Pena dos Reis.

REPRESSÃO EM CUBA. ‘O calor da Primavera’, de Raúl Rivero.



No autocarro que nos levava para a prisão, uma manhã de Abril de 2003, perguntei ao poeta e jornalista Ricardo González Alfonso qual havia sido para ele o momento mais duro durante o fulminante processo que nos condenou a passar 20 anos na prisão por escrever e dar opiniões no país em que nascemos. ‘A noite em que puseram na minha cela o rapaz que iam fuzilar no dia seguinte’, disse-me, e meteu a cabeça entre as mãos, muito juntas por obra e graça das algemas. Muito juntas, como se fosse começar a rezar. ‘O que é que lhe disseste, de que é que falaram essa noite?’

Fiquei calado, não falamos de quase nada. Ele era um homem sem crenças religiosas e iam matá-lo ao amanhecer. O que é que lhe podia dizer? Creio que, quando o foram buscar e ele se levantou do beliche, senti que algo de mim ia com ele. É assim, a vida. O azar ou a ambição e a maldade de um ditador levam-te a lugares que não queres, em viagens reais ou sonhadas.

Este sábado [18 de Março], eu, que sou só um homem livre devido à Espanha e por vontade de muitos homens livres no mundo, viajo às prisões onde 60 amigos meus, 25 deles jornalistas, estão há 36 meses fechados a cadeado apenas porque a sua maneira de ver o mundo (o seu mundo) não coincide com a do Governo que Cuba tem desde os anos 50 do século passado. Faz hoje três anos que aconteceu ali a Primavera Negra e continuam obscuros e nocturnos os Verões e os leves Invernos, e o Outono, desapercebidos.

Lá estão Ricardo González e Pedro Pablo Alvarez, no Combinado do Leste, de Havana, empenhados em escrever poemas atrás do ferro das grades pintadas com alcatrão. Lá estão Luís Milán e José Rámon Castillo, a rabiscar sonetos na prisão de Santiago de Cuba, e Normando Hernández e Horácio Piña, na de Pinar del Rio, doentes, amontoados, em perigo. No centro do país, próximo de Varadero, com os seus 22 quilómetros de espuma e água azul, Ariel Sigler Amaya, condenado a 25 anos, mas mais atormentado por a sua mãe, uma anciã octogenária, ter a casa cercada por turbas governamentais que a insultam [os chamados ‘actos de repúdio’, frequentes nos anos 80, agora de regresso]. Lá estou, com todos eles, hoje e até ao dia em que chegue a liberdade.»


Esta crónica é inédita em linha e foi publicada na imprensa portuguesa e estrangeira. Raúl Rivero é jornalista e poeta cubano. Cumpriu 2 anos de prisão, depois de uma ofensiva das autoridades de Havana contra 75 dissidentes e jornalistas independentes. Reside, exilado, em Madrid. Enviado por Kontratempos, um dos blogs de Tiago Barbosa Ribeiro

Barca Velha 1 - António Barreto 3



António Barreto escreve aos domingos no jornal de que JMF pensa ser director. No passado domingo – foi há quatro dias mas eu preciso deste tempo para metabolizar as crónicas de Barreto – o tema era a região duriense. Barreto é um reputado especialista desta região. Autor de Um retrato do Douro e de Douro (edição INAPA, 1993, com fotografias de que é proprietário) foi com ele que aprendi o que era a Companhia, criada há 250 anos pelo rei José e pelo ministro Sebastião José Carvalho e Melo. O Estado do século dezoito. No artigo em questão, Barreto celebra o progresso recente da região. Hotéis de qualidade, estradas razoáveis, navegabilidade do grande rio, processos completamente renovados de viticultura e de vinicultura. (Estou a citar de cor que o artigo não está on line nem eu guardo o jornal de que JMF pensa ser director.) Símbolo dessa mudança é o Barca Velha. Barreto alegra-se com o facto da casa produtora ter declarado o ano de 1999 ano de Barca Velha. A alegria é geral embora no nosso caso se trate de uma alegria semelhante à que sentimos quando miss Kidman é beijada na tela. Depois Barreto relata o encerramento de três belíssimas linhas de caminho de ferro da zona pela CP e proclama: Iniciativa Privada 5 – Estado 0.
Uma proclamação deste tipo ficava bem ao meu vizinho, que escreve uns artigos de opinião num esforçado jornal local e aderiu ao liberalismo económico sem saber bem porquê. Ora Barreto quando fala do Estado sabe de quem está a falar. Não é do Leviatã do meu vizinho. Não é do senhor ministro e do senhor subsecretário, do senhor director geral e da senhora chefe de gabinete, do senhor presidente da FCT e da senhora presidente do Grupo de Contacto. Está a falar do Gonçalo e do Martinez, do João Bernardo e da Maria da Graça, do Themido e da Josie. Que foram antes membros do Conselho de Administração da CP, da EDP, da Sonae, do BES, do Grupo Mello, da Auto Europa. Que têm uma especial sensibilidade para os legítimos interesses, já não digo das populações das linhas durienses, mas do Grupo Pestana, da Câmara de Comércio, do Grémio de Exportadores do Vinho do Porto, da Cockburn.
Era domingo de indignação nas páginas do jornal de que JMF pensa ser director, como o Gato Fedorento explicara na véspera. E não custa nada bater no Estado, esse gordo malvado que nunca mais se reduz às suas verdadeiras funções e rende sempre lavar uns panos na barrela liberal. Mas da próxima, sugerimos a Barreto que guarde a indignação e mande um mail à Maria da Graça ou à Josie.

Aspirina B

Apesar de ser o blog do Daniel Oliveira, que acompanha a Clarinha Ferreira Alves naquele exercício de alarvidade que é o Eixo do Mal, Aspirina B é um blog onde os autores expôem as suas opiniões e o fazem de forma corajosa. A caixa de comentários, assaltada por um islamista radical que parece ter sido educado numa madrassa clandestina da Massamá, tem a vantagem de permitir ver como a ideologia mais repugnante, que considera que "as mulheres de mini-saia e transparências" são "putedo"" e desculpabiliza a excisão, pode caminhar debaixo das bandeiras do antibushismo/antisharonismo.
Quem tiver paciência para ler aquela actualização do Mein Kampf não esqueça a lição: algumas convocatórias abrangentes trazem gente desta ao arrastão.

E ele levantou-se e começou a postar


Foto arquivo: Luis convalescente

O desenho das civilizações: dos cartoons às conversas difíceis

7 de Abril de 2006, às 18 horas
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Organização: Marta Araújo, Marisa Matias, Hélia Santos e Bruno Sena Martins
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Com a participação de:

José Pacheco Pereira,
Isabel Allegro Magalhães, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Univ. Nova de Lisboa,
Mostafa Zekri, investigador livre (antropólogo e islamólogo).
Adel Sidarus, Instituto de Investigação Científica Tropical (Lisboa).
Boaventura Sousa Santos,
Moderação:
Maria Irene Ramalho, Centro de Estudos Sociais e Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

A matança que ocorreu lá em Lisboa

19 de Abril vamos à Baixa de Lisboa e no Rossio acendemos uma vela simbólica por cada uma das vítimas. Quatro mil velas que iluminem a memória.



(Ler a Rua da Judiaria)

Logo

A polémica sobre o livro acautelado teve, pelo menos, uma virtude. Sabermos que Margarida Rebelo Pinto é uma marca registada.

29 março 2006

Tráfego de auras


Foto: Torre de Controlo do Templo da Humanidade, Federação de Damanhur

28 março 2006

Dianegativo

27 março 2006

Sob o efeito do Fentanyl


Foto: Rathaus Apotheke, gravura, 1803


- Nenhum agradecimento deve ser inferior ao favor recebido - segredou-me o anjo Gabriel durante o sono da terceira noite.
Tenho que agradecer a vida, a respiração, a analgesia, o anti emético, o anti coagulante, a massagem do corpo, a compressa húmida na boca, a vida, a retirada dos tubos, o transporte, a mão, a espera , o iPod, o agasalho, a vida, o café com leite, os sms aguardando recepção, os sorrisos nas gavetas, os antúrios, o livro de fotografias,a vida, o álbum, as bolachas de água e sal, o bolo de chocolate, as fotocópias dos dias de amnésia, os jornais (que não li) deixados à cabeceira, a vida,

Fentanyl


No início deste texto devo agradecer a Friedrich Sertürner , nascido em Setembro de 1783 em Neuhaus, o farmacêutico alemão que viria a ser o proprietário da Rathaus Apotheke , em Hamelin, e em 1803 descobriu a morfina.
E também a Fryer e Walser, que em 1976 sintetisaram o Midazolam.
E ainda aos belgas que criaram o opióide conhecido por Fentanyl , um medicamento cujos efeitos são tão apreciados que o tornaram numa das drogas de rua mais procuradas nos Estados Unidos, a chinesa branca, com preços que, no que se refere aos selos transdérmicos, oscilam entre 10 e 100 dólares a unidade.
O Midazolan permitiu-me perder a consciência quando ela não me fazia absolutamente nenhuma falta. Perder a consciência durante horas que não existiram, as únicas horas da minha vida em que fui inteiramente senciente, vivo e senciente como uma bactéria, um fungo, ou o ramo de antúrios que a dona C., a senhora da rouparia, me enviou no dia seguinte. O Midazolam amnesiou-me para os acontecimentos posteriores à sua piedosa administração, durante todo o tempo em que inconsciente, amnésico, analgesiado, relaxado, e perfundido em todos os orifícios naturais e três artificiais, anestesiado mas vivo, retiraram a bola de sangue da metade mais gasta do meu corpo.
Quando acordei, todos à minha volta eram gentis, tocavam-me com pele sedosa e refrescante, os homens só queriam o meu bem, as mulheres tinham tranças coloridas e os lábios escarlates. Embora não tivesse recuperado a memória, registei, à minha volta, a maior concentração de meios humanos e materiais. Vistos de baixo, quase todos desconhecidos, não desmereciam da visão que Bertrand Morane não pôde ter. A diferença era que eu não descia. Não me mexia. Tinha dores se respirava, parecia pregado à cama por quatro pregos gigantes que desciam da grelha costal até à fossa ilíaca. Sempre que queria voltava àquela simpática condição senciente. Periodicamente, uma onda nos vasos fazia-me subir ou flutuar. Estava consideravelmente desligado de preocupações sobre a minha existência e a dos que se afadigavam em conservá-la. Sabia que a realidade existia, embora ainda não estivesse informado sobre a nomeação de Vital Moreira para o Conselho Supervisor da EDP. Mas a realidade parecia-me festiva.
Mais tarde disseram-me que estava sob o efeito de uma dose de Morfina que não precisarei. Agora, que o opióide usado é o Fentanyl transdérmico, devo confidenciar-vos que, no meu caso individual, a grande diferença entre ambos não reside na qualidade da analgesia, nem nos efeitos colaterais, que aliás têm todos uma tonalidade ambígua, sempre mais próxima do prazer que do mal-estar. Nenhum das drogas altera a percepção da realidade. Sempre soube que o mundo era violento e injusto, o lugar onde as desigualdades triunfam, os proprietários ditam a lei aos servos da gleba. Mas, sob a morfina, parecia-me que se organizava uma resistência inteligente e fraterna, educada e de bom gosto, cujos representantes eram aquelas mulheres e homens altos, silenciosos, eficazes, organizados, cumprindo uma coreografia com sentido. Visto através das pupilas punctiformes do Fentanyl transdérmico, este mundo continua a existir. Como obra de um deus ignorante e mal humorado. Uma coisa má sem remissão. Uma noite de mil anos, como dizem que foi a Idade Média e vai ser o fim da história, a vitória do mercado sem regulação. E isto sem revolta nem denuncia, um tempo baço e intermédio, onde os poderosos fingem discordâncias e os de baixo cabeceiam na sala de estar, frente ao écran gigante de plasma .

25 março 2006

Os novos administradores


Foto: Consistório Ordinário Público para a criação dos novos Cardeais, Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Santo Padre, 24 DE MARÇO DE 2006

24 março 2006

Eu e os meus irmãos


Foto: Arquivo Central de Identificação e Estatística Criminal de Lisboa, 1917

23 março 2006

Beating time


Foto: Eadweard J. Muybridge Bonirre, c. 1887

22 março 2006

Artista tenta auto-retrato


Foto: André Adolphe Eugène Disdéri Bonirre, c. 1860

21 março 2006

A incisão




A cirurgia começou com uma pequena incisão. Mas, embora se reconheça o valor da interdisciplinaridade, havia especialistas em excesso à volta da mesa. Alargaram demais a incisão e infelizmente o doente perdeu-se.

O sono da Primavera



O amor sabe
a hora certa
e sabe os fusos
e se se atrasa
é para chegar ao mesmo tempo
sabe a note de coeur
e sabe o fundo
o amor acerta na cor
o amor sabe as palavras
e os gestos
o amor é o quiasma
onde o que vem depois
agora
é o primeiro
o amor sabe as canções
com que se serve
às vezes o amor
sabe demais
cedo demais
adivinha
pressente
antecipa
às vezes o amor
não pode tudo
a primavera encontra-o
adormecido
e nem as lágrimas contra os muros
limpam o sangue
do seu sono
às vezes parece que a morte
vai vencer
e a dor a estupidez
desfiam um terço milenar
mas o amor não aguenta
tanto tempo assim
e no fim o amor
sai vencedor

20 março 2006

Fotografias

19 março 2006

Serafim, não estejas assim





Convido os amigos para jantar
recebo-os de quimono de toile de coton
azul turquesa
assim eles percebam que não vêm às barricadas
nem aqui se sentarão em móveis
de gentleman and cabinet maker’s director
e se alguma coisa lhes posso prometer
é ikea à mistura com um biombo namban
para esquecer o pesadelo do chippendale.

(vejo o teu sorriso na fotografia)

o vinho que comprei com tanto esforço
está estragado
digo o nome para vosso aviso
tapada do chaves
mas talvez a culpa seja do continente
já me avisaram para não comprar vinhos
onde não os sabem conservar

(gosto do teu sorriso
mesmo que tenha existido um fotógrafo
e aliás tu sorrias para ele
vê-se nas lentes)


secretos não é prato que se ofereça
gorduroso
com o opróbrio do porco
e a inevitável ligação
ao islão
mas o sável
como se pode comer sável
depois do Ruy Belo e
antes das enxurradas

(agora todos os meus
amigos são fotógrafos
deve estar a passar-se alguma coisa
com a realidade
a realidade anda um pouco retraída
agora que os meus amigos são fotógrafos
nenhum fotografou o teu sorriso
mesmo neste jantar

havia o porco
o pão de ló seco
a cortina queimada
o vinho derramado na toalha
e o sangue no quimono azul turquesa
tantas coisas a distrair
os amigos fotógrafos
do teu sorriso)

o Serafim olha-me
como um discípulo
devo dizer qualquer coisa
que perdure
digo Serafim
e até os fotógrafos se aquietam
pode ser que os rapazes das barricadas
não tenham razão
pode ser que não valha a pena
levar um filho aos ombros
mas chippendale não rapaz
nem quinana
se te calhar uma cadeira Regência
de pata corta
senta-te no chão
e se o chão for de asfalto
lembra-te
(não é nada de original
mas eles não vão gostar)
que debaixo do asfalto
está a praia
e em cada grão de areia
brilha o nosso passado
e o nosso futuro

17 março 2006

Artista quase enquadrado

Artista procura melhor perfil

Grafitti em Barcelona

Hoje de manhã vi na rua um grafitti imenso a dizer

L'AUTONOMIA QUE ENS CAL
ÉS LA DE PORTUGAL

que, em português, quer dizer mais ou menos:
"A autonomia de que precisamos
é a de Portugal".


(créditos para Ignazio S.)

As escolhas de Cavaco



Para o Conselho de Estado, Cavaco escolheu Manuela Ferreira Leite e o médico João Lobo Antunes, o Professor Marcelo- é sempre melhor tê-lo no conselho que à solta, Anacoreta- assim exigia a dívida ao outro partido, e Dias Loureiro, que lá partilhará o tempo do Conselho de Estado com o dos outros Conselhos em que tem assento. As escolhas de Cavaco mostram o seu conceito de pluralidade. Depois de aconselhado pelo dr. Espada e pela Senhora da ética, Cavaco tirará as grandes dúvidas com estas eminências. Um país pequenino, que vai de Boliqueime até à Auto Europa, agora com a caução do neurologista da Lapa. Katia, sossega. Haverá um conselho para ti. Sossega e canta, que eles querem-te a cantar.

16 março 2006

Jardim celeste

Uma mulher do Mal: Catherine Elise Blanchett




Compro o jornal porque tem um CD de jazz anexo. Um tablóide. Uma página inteira sobre o assalto à prisão de Jericó onde, quem como eu não lê jornais, fica sem perceber o que aconteceu. Onde fica Jericó, sob que autoridade administrativa, porque foi atacada a prisão, o que estavam lá a fazer os observadores internacionais, porque se retiraram, quem foi raptado em retaliação, quem raptou? Uma notícia de fundo de página sobre um colóquio de Ramonet em Lisboa. Deserto de conteúdo informativo. Em contrapartida ficamos a saber tudo sobre os ferros que mataram Vanessa. Salva-se o jazz. José Duarte e Manuel Jorge Veloso. Eu só leio jornais para ouvir Gerry Mulligan a tocar Valentine nos finais dos anos cinquenta. Quando quero ler algo verdadeiramente bem documentado, interessante, que seja presente, passado e futuro promissor, que não esteja subordinado às agendas mesquinhas dos chefes de redacção e a jornalistas que escrevem sobre Jericó, Natália Correia, Ramonet sem sequer ir ao mapa, quando a necessidade de redenção é imparável, compro a Harper’s Bazaar e vejo a Cate Blanchett, o corpo só vestido de luz, brocados que têm a cor dos altos dias da menstruação, corpetes que apontam para os ombros de Cate, cetim, rendas de pérolas, um bustier de Vivianne Westwood segurando os seios de Cate como duas rolas.

15 março 2006

Celeste não mora aqui

Aviso

"Members of the staphylococci are getting together to share genetic information, widening the range of hosts that can be infected by its most agressive species".


(The Lancet, 4 de março de 2006)

Darwin: uma exposição



Joel Cohen assina na Lanceta (the lancet, march4,2006,pp 721-2) a notícia emocionante de uma exposição e de um livro sobre a vida de Darwin e a formação da teoria da evolução. O comissário é Niles Elredge ( um belo catálogo publicado pela WW Norton & Company , a 23 £). A exposição está na net com este endereço e no American Museum of Natural History, New York, USA, até 29 de Maio, antes de ir a Boston, Ontário e finalmente ao Museu de História Natural de Londres.
Uma das peças da exposição é o livro de notas B, aberto na página onde, no topo, Darwin escreveu



I think



e depois desenhou uma árvore, a árvore da vida, ligando todas as coisas vivas entre si e a um ancestral comum.

14 março 2006

Primavera



Vais numa maca, a manhã já alta. Fechas os olhos, mas reconheces, pelo ruído, os passos lentos dos chefes de serviço, os passos largos dos internos, o silêncio dos delegados de informação, as saudações campestres das auxiliares. Entras em corredores mais estreitos. Passas pela humilhação do tapete de transfert. É a primeira vez que entras num sítio daqueles sem lavar as mãos. Um homem debruça-se sobre o teu corpo e comenta o trabalho de escanhoamento. Repetem as perguntas sobre próteses. Não levas nada de teu, nem o medo, nem a esperança. Agora podias levantar-te e deitar-te nessa mesa. Mas ali não existes como coisa que mexa ou fala. Vês o laringoscópio e a lâmina que te vai entubar, um pénis monstruoso a quem, na máxima erecção, tivessem retirado os corpos cavernosos. Vão-te partir os dentes incisivos, um percalço. Canalizam-te duas veias, pintam-te o corpo. Particularmente as costas. Preferias que te abrissem pela frente. Talvez te desse alguma vantagem verem-te a cara, os olhos parados atrás das cruzes do steri-strip. Começa a perfusão do soro que adormece. Pensas na quantidade de gente de quem não te despediste, as coisas que não disseste, a merda de posts que falhaste, a casa desarrumada, o rio da prata, as estradas alagadas de Dresden, os quintais da rua F., o colégio do Condestável, uma cela da Penitenciária, uma biblioteca, os quatro rapazes a nascerem na maternidade, uma suzuki 7 1/2 atravessando a floresta negra, as janelas iluminadas de Oxford, o Naranjo de Bulnes. Olhas para o tecto e vês o olho dentro do triângulo. Talvez deus exista e não console, pensas. Se acordares, que alguém compassivo te dê morfina e te lavem os dentes com elgyfluor gel. Olhas outra vez. Faces mascaradas. Não terás a sorte de Bertrand Morane. É o primeiro dia de primavera, mas dentro do quirófano é sempre a mesma noite.

Estadio cidade2004 - clausuras 2


Foto: PC

13 março 2006



No Museu dos Transportes a 18 de Março,às 21:30H, em Coimbra, e um pouco por todo o lado, oportunidade para cruzar a NAIFA (João Aguardela, Maria Antónia Mendes e eLuís Varatojo). Ouvir aqui José Luís Peixoto explicando que



Todo o amor do mundo não foi suficiente

(todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve de nada.)

Estádio cidade2004 - clausuras 1


Foto: PC

12 março 2006

Procura-se o director geral




O director geral olhou para a sala e iniciou a sua conferência. Como gerir informação alarmante? Era o tema que lhe fora distribuído. O director geral só podia falar de manhã. À tarde tinha mais que fazer, aquelas tarefas prioritárias que os directores gerais não têm agendadas, mas sempre surgem à última hora. O programa do Congresso foi alterado, não há problema senhor director geral. O director geral fala da mesa do Congresso. Falar, devia ser sempre assim. Facílimo: - A primeira regra é a da transparência. A segunda regra é explicar o que se está a fazer e como se está a fazer. A terceira regra é usar a terminologia adequada, a quarta regra… Depois, o director geral apresentou o convidado especial, o perito da organização mundial olimpiânica que ia fazer o ponto da situação sobre a gripe aviária. Quando o perito da organização olimpiânica falava, o director geral teve de abandonar a mesa da presidência, porque um elemento da organização lhe veio segredar que S. Ex.ª, o Ministro, o chamava de urgência ao telefone. Informação pleonástica, porque quando um ministro telefona a alguém é sempre uma urgência. O director geral , chamado de urgência ao telefone, teve de abandonar a mesa deixando o convidado a falar sem presidente, uma forma estranha de comunicação. O convidado olimpiânico não se perturbou. Já tinha passado os dois cartoons que resumiam a mensagem: A melhor maneira de conhecer o mundo é ser um vírus. E a imagem da turba na Disneylândia, tendo em primeiro plano o cadáver do pato Donald. Agora era o momento em que ele dizia:
- Historicamente sempre houve pandemias de gripe e, no último século, houve três. É provável que aconteça novamente mas não sabemos quando será. Não sabemos se o vírus H5N1 será o responsável. Mas é óbvio que devemos estar minimamente preparados.
O director geral estava minimamente preparado. Atendeu o telefone. Falou para a pequena multidão de jornalistas que o esperava no hall, e saiu para a rua talvez esquecido de que tinha deixado no anfiteatro um alto responsável olimpiânico, alguns baixos resonsáveis nacionais e regionais e duzentos congressistas mais ou menos inocentes.
O director geral foi substituído na presidência da mesa. É surpreendentemente fácil substituir um director geral nas suas difíceis funções. Mas por mais tempo que passe, por menores que sejam as nossas expectativas, nunca estaremos minimamente preparados para os directores gerais.

Pandemia da gripe

Para estar mínimamente preparado contra a pandemia da gripe siga o site da DGS, da OMS ou do Alcatruz.

Somos todos cavaquistas

Sexta-feira foi o dia que não valia a pena ter existido. Estavam todos nos cumprimentos. Uns por terem apoiado, outros por não terem. O DN encheu a primeira página com a família real a subir a ladeira do Palácio. O director do Público posicionou-se para a corrida dO-mais-cavaquista. Vamos ter de tudo, enquanto a crise der. De tudo, menos vozes realmente livres. O VPV calou-se aqui. Um espectro já não assola a blogosfera.


Doctor House é uma série de televisão (AXN e TVI). O dr. House teve de ser operado a uma perna. Na outra perna escreveu:
- Não é este lado!
Tomei esta precaução como necessária, vinda de um homem que sabia o que fazia. Um dia tive de tirar uma bola de sangue, que crescera no meu lado esquerdo. Na véspera da cirurgia, escrevi, no meu lado esquerdo, com marcador negro:
- É este lado!
O enfermeiro que me despiu julgou-me um excêntrico. Comentou com o anestesista, que não se interessava por histórias e estava mais interessado na instrumentista. Quando o Cirurgião ajudante começou a desinfecção, viu a frase, gravada na pele escanhoada. O Cirurgião ajudante era um grande apreciador da série Doctor House. Pensou que eu tivesse escrito, à semelhança do Dr. House,
-Não é este lado!,
e o Não se tivesse apagado no duche. Virou a película no negatoscópio e preparou o campo. A operação correu bem. Tiraram-me o coração. Desde aí tenho vivido à custa da minha bola de sangue, pulsando na metade menos gasta do meu corpo.

10 março 2006

9.ponto.amanhã

Clockwork orange - ver não tver


Foto: PC

Coabitacão

Nem o cão (não) molha a pata, nem a pata (não) morde o cão.

Malefícios do tabaco

Ao longo da desabituação acabaram por se agarrar tanto, que casaram.

09 março 2006

A arte do amor


Foto: PC

Parabéns Armanda

Podcasting

Informações importantes na Intima Fracção. Um agradecimento especial ao Edgar e aos bloggers da Radio Critica, Percepções, Vidro Azul e Lado B.

Tardes Felizes

Amanhã, dia 10 de Março, pelas 18h30, a revista "aguasfurtadas" promove uma sessão de apresentação do seu número 8, na Galeria Sargadelos, no Porto (Rua Mouzinho da Silveira, 294). A sessão contará com a presença e participação de Manuel António Pina, Ana Luísa Amaral, Rui Lage, António Pedro Ribeiro, e incluirá ainda a leitura encenada de um excerto da peça de Regina Guimarães e Saguenail incluída neste nº 8 da "aguasfurtadas".

E o blog de José Miguel Silva

Local de Peregrinação.

Mais blogs de raparigas que se apaixonaram pelo amor, essa treta

Aqui.

A noite (cont...) ou Gib Ganb




A Noite
nunca existiu.
Digo isto de noite.
E embora não veja nada
esforço-me por pensar que esta
é a luz da noite solar
nos planetas dos círculos distantes.

Há quem tenha a crença
ligeiríssima
de viver na mão de deus.

Eu vivo na noite das galáxias
onde o universo
se estrangula
como a garganta da ampulheta

Outras vezes
vivo nos bordos.
No sertão do universo.

Vou à velocidade da rotação
da Terra embalado na oscilação
do sistema solar sentindo
o tremor discreto da galáxia.
Um pouco apreensivo com
a contracção do universo.

Este movimento não invalida
a sensação de estar parado.
Dir-se-ia que estou parado.

As minhas crenças são todas
ligeiríssimas.
Quase não existem.
Como a noite.


(foto: Hotel Univers, Nantes; Título modificado após coment. do PC)

08 março 2006

A rapariga que se apaixonou pelo amor

Agora aqui.

A noite



A noite
nunca existiu.
Ou é sempre noite.
Em metade dos planetas,
pelo menos.
Do sistema solar,
pelo menos.
E se não percebes isso
és provinciano,
como diz o filósofo
Desidério Murcho,
ou é a tua mundivisão
que é provinciana.

Churchill, Pessoa, Stuart Mill,
Cristo, Maomé, Gandhi,
todos os que não assistiram à
revelação do big bang
tinham uma visão do mundo
provinciana.
Os sábios e os heróis da antiguidade
nascidos antes do Cristianismo
estão no Purgatório de Dante.
Há gravuras que provam.
E todos os nossos sábios e heróis,
que escreveram ou lutaram
antes de se saber que
somos o pó de uma galáxia
entre milhões de galáxias,
o pó do pó,
o nada no todo
que é o Nada de um Todo
ainda maior,
tiveram como tu,
ainda hoje,
uma visão do mundo,
por assim dizer,
provinciana.

Eu que leio atentamente o filósofo,
e desde Sagan
ouço o eco do big bang,
e sei que em milhões de planetas
como este,
gente como eu
vivendo em mansardas
chama Stetson! julgando reconhecer
o dono da Tabacaria,
como é que hei-de chamar à
minha visão do mundo?

Almegue - regresso a casa

07 março 2006

Antologia do Mal: José Miguel Silva






O Atalante : Jean Vigo (1934)

No dia em que fomos ver O Atalante
Eu levava, por coincidência, um cubo de gelo
no bolso do casaco. Lembro-me de tremer
um pouco. Até aí, tudo bem. Pior,
foi quando te ouvi pronunciar, distintamente:
quem procura o seu amor debaixo de água,
acaba constipado.
Na altura ri-me: Pensei que falavas do filme.
Sou tão estúpido.


In Movimentos no Escuro, Relógio d’Água, Novembro de 2005


José Miguel Silva (Gaia, 1969) O Sino de Areia, Gilgamesh; Ulisses Já Não Mora Aqui, & etc; Vista para um Pátio seguido de Desordem, Relógio D’Água; 24 de Março

Várias traduções como Spoon River Anthology, do norte-americano Edgar Lee Masters (1868-1950), O mar, o mar de Iris Murdoch, Londres, Virgínia Woolf
Autor do texto O basalto (em Telhados de Vidro, Averno) sobre o tradutor de Cavafys.

Covões - doce-lar

Aos Amigos



Dizem que já não tenho nada para vocês. Tenho uma bola de sangue para vos dar.

06 março 2006

A amizade (3)

O que estraga o sexo não é a amizade, é o amor.

Amizade (2)

O que estraga a amizade não é o sexo, é o amor.

Amizade

Tudo me levava a concordar com o Filipe. Sexo entre amigos deve ser uma coisa recomendável. Pelo menos mais recomendável do que sexo entre inimigos. No momento mais alto da minha concordância houve, no entanto, duas coisas que me arrefeceram o entusiasmo. A primeira foi que a experiência do Filipe parece fundada apenas na TV, cinema e revistas cor de rosa; a segunda foi uma bofetada, quando lhe disse que me sentia muito amigo dela.

Morte. Avise todos os amigos

Estava avisado. Nunca abro mails cujo assunto seja Amo-te, Amo-te muito, Gosto de ti, Encontro. Nem Muita grana, Oportunidade única, Você ganhou. Nem Copa do Mundo. Faço delete sem abrir, evitas de dizer. Já sei o que é um spam. Não dou sangue, estou-me nas tintas para os rapazinhos perdidos, desaparecidos ou aos pais que continuam, ao fim de três anos, à procura de alguém que saiba o que é a doença de Tagamet. Não assino petições, abaixo assinados só de intelectuais conhecidos. Mas porque diabo um gajo como o Marcos Salvador, o marcos ponto salvador, havia de mandar um mail cujo assunto era morte. Morte. Era do meu interesse. Também não precisava de dizer. Fui ver e lixei-me.

A terceira noite

A noite do Rui continua aqui.

A mensageira

Quase não se via mas ela é que trazia as notícias. Quem era, onde vivia, o que fazia fora da repartição, ninguém soube. E quase ninguém deu conta quando começou a desaparecer. Os mais atentos atribuíram a mudança a um exagero na sua discrição. A sua única materialidade eram as cartas, os ofícios, as revistas, as encomendas. E o barulho dos saltos. Foi durante anos a mensageira silenciosa e nas suas mãos cruzaram-se tantas vidas, esperanças, desenganos. Nos corredores que ela percorria, afixaram hoje a notícia que começa com o seu nome, Cassilda.

Monte Formoso - apartamento mobilado

04 março 2006

Movimentos harmónicos

O bosque das trazeiras fervilha depois do aguaceiro. Felosas, papa-mosquitos, chapins, melros e até gaios, aos pares, saltitam nos sobreiros em agitação pré-nupcial. Depois do dia, o fervilhante bosque guarda carros esparsos sob a copa dos sobreiros, irrequietos entre trepidações oscilantes.

O senhorio polido

A fêmea fingiu-se distraída ao vê-lo chegar de pluma. Retirou-se (para perto) à sua aproximação. Repetiram, como num ensaio, simulacros de perseguição. Pois, é a Primavera, tempo dos ninhos e ornitólogos, bastardos/cabrões dos pardais que vão fornicar/foder o telhado.

03 março 2006

Olhem para o crime praticado no Porto

Uma vez escrevi aqui que era melhor dormir debaixo de uma ponte do que num ninho de pequenitos, numa das mil instituições de acolhimento onde despejamos os deserdados das tribos. Houve logo uma alma sensível e vários apoiantes que se revoltaram com o excesso. Volto a dizer: é melhor dormir debaixo de uma ponte que na oficina do santo, no lar dos órfãos, na casa de nossa senhora. O problema não é da Igreja nem dos padres. A Igreja faz o que pode. A Igreja é, neste campo, uma organização especializada de exclusão social. Pagamos-lhe para isso. Para manter estas crianças longe da nossa vista. E exigimos o mesmo à Assistência Social. E aos jornalistas pedimos bom senso e bom gosto. Não nos venham cá chatear com a Gis nem com o crime praticado no Porto. Da barbárie sabemos o que é preciso. Ontem como hoje queremos música no coração. Têm soluções? Se não têm deixem-nos viver a ilusão das nossas vidas. Alarguem as prisões, construam mais centros de internamento, entreguem-nos à farmacologia, aos psicólogos, aos sociólogos, às equipas multidisciplinares, ao serviço social e à polícia.
Vem aí uma nova idade de internamento.
Eu sou pela ponte. Pelo vão da porta. Pelo banco de jardim. Sou pela chaga aberta. Pela exposição das feridas. A violência não é um objecto estético, nem um buraco negro num eu indizível (como julgam os adeptos de Capote). A violência, quando se abate sobre nós ou sobre os nossos, é intolerável, um escolex que adere às vísceras e vem para ficar. E assim é a miséria e a pobreza. A doença e a dependência da droga. O abandono e a exclusão.
É preciso fechar as casas a que hipocritamente chamamos de abrigo e abrir as portas das nossas casas.

O catamento segundo Dunbar

Filipe, podes avançar. Se fiz rir alguém já não me lembro.

Montes Claros - casa habitada

O choro na cidade (cont.)



Quando eu era Heitor e lia jornais acontecia-me chorar na cidade. Um dos sítios era na Tabacaria, de frente para os escaparates. Se alguém deu conta julgou que me comovia com as notícias.

02 março 2006

Luz - quarto com janela

01 março 2006

Celas - T4 + Sótão

Porque falamos tanto



Robin Dunbar explica que a função da linguagem não é a de transmitir informações úteis, práticas, relativamente aos modos de fazer. Quando um interlocutor a utiliza para esse fim, garante ele, adormecemos de tédio. A linguagem serve sobretudo para exprimir intencionalidades de grau elevado. Para falar dos outros, que nos rodeiam. Saber que P., que agora anda com Q., pretende que o faz sobretudo para atingir com isso R., levá-lo ao desespero e assim ter o caminho aberto para S. A linguagem serve para enganarmos. Para dizer por outras palavras, porque as verdadeiras palavras não dizem quase nunca, claramente, aquilo que claramente nunca percebemos. O que precisamos de perceber é como nos havemos de mover no terreno movediço do grupo social alargado. Quem nos quer mal? Que aliados temos? Que alianças estão em vigor? E quais as que se desfizeram? Que armadilhas se urdem? Estar preparado para isso exige um fluxo contínuo de informação. Para isso falamos. Quase todo o tempo, falamos. Na torrente das palavras afinamos a informação necessária para a guerra, a única guerra, a grande guerra que travamos com a nossa tribo.

Audiências 2



Eu escrevo. Enquanto tu me leres, hipócrita leitor. E mesmo depois.