31 agosto 2004

Sonho Mau

Folclore
eras tu de sanbenito
em procissão do Pátio
à Praça Velha
condenado por
usar preservativo
e não teres pirado
para Marselha*

(*Ou para os Países Baixos.)

Fidelidade 87

Podes nem vir. Podes deixar de ler e de escrever. Nós pararemos sempre um pouco depois das cinco da tarde.

Ao presidente do Partido CDS-PP colocado no ministério do Mar

Estás tramado connosco. Nós chegamos com as ondas, com as brisas de Leão e Castela, com o pó que se levanta da praça de touros de Badajoz, pela Serra Amarela, pela estrada romana de Portela do Homem que vai direitinha a Bracara Augusta, pela fronteira comunitária de Rio de Onor. Podes mandar fechar todas as fronteiras. Nós estamos debaixo das pedras.

No mail do Mal

Eu só não acho que o aborto seja uma questão exclusiva das mulheres, de resto concordo contigo L.
A actividade das women on waves, pode ser um pouco folclórica mas tem qualidade estética e ironia apreciáveis. É uma forma de campanha, lícita. Elas lutam contra a hipocrisia e nisso têm o meu apoio. As mulheres portuguesas podem ir de carro a badajoz, podem arriscar entregar o corpo a uma abortadeira num recôndito vão de escada, mas são proíbidas de embarcar em segurança...
Quanto aos nossos figurinos emproados, meninos da mamã e prepotentes governantes, nem sei que diga. Eles sim representam um folclore do mais foleiro e perigoso que há.
Eu cá se tivesse um barquito, dava boleia a quem quisesse e ia até lá.•

"Is this a war?" vale a pena ver a foto na
página delas


(Luísa, Ansião)


estou chateado mesmo.

dizerem-me que um assunto é uma questão de consciência e por isso não se pode politizar, partidarizar chateia-me de verdade, acho uma falácia para nos ludibriar e nos levar a desculpar quem tem responsabilidades maiores.

o que é que quer dizer decidir de acordo com a sua consciência???
é escolher aquilo que nós faríamos e querer isso para toda a gente? isto é o protótipo da escolha egoísta, o voto egoísta.
ou decidir em consciência é tomar a opção que nos parece melhor para todos, atendendo à realidade social do país? se é isto é o que deveria acontecer em todas as decisões políticas!

se o aborto é uma questão de consciência, quer dizer que devia ser liberalizado, para cada um decidir de acordo com a sua consciência!!

eu acho que não há questões de consciência nestes termos individuais, todas as decisões são decisões que envolvem uma esfera pessoal, uma social e uma económica pelo menos.

a questão do aborto, como todas as outras, é muito complexa, envolve questões morais e de impacto social, deve ser decidida, como todas as outras fazendo estudos e ouvindo os especialistas, fundamentando deste modo a decisão corajosa e final, e essa é uma decisão política!




isto não está escrito, luís, é só um desabafo, usa se quiseres, achares, whatever
(César, Lorvão)

Mais adições

No Fio da Navalha

30 agosto 2004

Adições

Viva Espanha, Blogame mucho, Controversa Maresia.

A Sinagoga de Amsterdam

Andei para aqui a pôr bandeiras e a gritar nos estádios e a cantar o hino. Não me posso queixar, agora. Sou pelo multiculturalismo, pela excepção cultural, não sei como é que lhe chamam. Isto é, pelo direito dos povos à preservação das suas tradições, do seu património, contra o efeito esponja do cinema e da televisão americanos. (Também sou pela livre circulação de pessoas e de ideias na Terra e nesse espaço que é a Europa democrática. Mas isso é outra história, não é?). Mas há limites. E a propósito deste afloramento da jactância lusa que noto nalgumas reacções à visita do barco do aborto lembrei-me de uma história. Não foi há muito tempo. Foi há quinze gerações. Um rei a quem chamaram o Venturoso, por ordem do Vaticano, depois de converter os judeus, não resistiu às pressões do Santo Ofício e expulsou-os de Portugal. Foi uma sangria irreparável de saber, ciência, civilidade e diferença. Encontrei um descendente dessa diáspora em Istambul, há dois anos. Assinava Joseph, mas o seu verdadeiro nome era Yousouf e levou-me a conhecer gente que ainda se lembrava de um avô português chamado Isaac Abravanel que foi médico dos Duques de Bragança e depois de Mehmet II. Muita dessa gente, ilustre pela cultura, encontrou acolhimento em Amsterdam.

Desculpa Rebecca

Diálogo com Zazie sobre a acção da WoW em Portugal pode ser lido mais abaixo, nos comments do post Desculpa Rebecca.

Antologia de O Mal: Alberto Blanco (2)

Teoría de la relatividad

Los problemas no se resuelven,
sólo van ocupando menos y menos espacio.
Los problemas son reales, pero tienen límites.
Los problemas no crecen,
lo que crece es la conciencia de ser,
la visión.


Los problemas cambian constantemente
de forma.
La visión no; conserva siempre
la misma forma,
pero cambia de tamaño.

Por eso resulta correcto decir
que sólo el error cambia,
como también es cierto
que la visión es totalmente fluida
y que allá fuera hay un viento terrible
y que su capacidad de transformación es
asombrosa.

Antologia de O Mal: Alberto Blanco

Teoría de la gravedad

Si voy por una carretera
subo y bajo,
según la forma del terreno;
ya doy vuelta a la derecha,
ya a la izquierda.

Antes se decía:
si sube es que es atraído por el cielo;
si baja es que es atraído por el infierno.
Si da vuelta a la derecha
es porque disfruta de las ventajas del sistema.
Si da vuelta a la izquierda
es porque ha comprendido
la función revolucionaria del proletariado.
Alguna explicación había que dar.

Hoy se dice:
no son las fuerzas de atracción
las que mantienen unidas
a la tierra y la luna,
a la tierra y el sol.

Es la forma del espacio,
no la atracción ni la masa ni la distancia.

Es la forma del espacio,
y sé que no parece una explicación...

Pero, es la forma del espacio,
nada más.


Alberto Blanco (1951- , México

29 agosto 2004

A gestão do aborto

A blogosfera é melhor que o país. Mas um determinismo qualquer havia de escrever em rodapé: até um certo ponto. O aborto é uma questão que atravessa todos os silêncios. Sem conselho de redacção nem accionistas a agenda política dos blogs portugueses é mais blindada que a dos jornais. Honra a Vieira do Minho e outros bem poucos assim.

Segunda-feira

Ciranda da bailarina

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem

Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem

Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem

Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

Procurando bem
Todo mundo tem...

* termo vetado pela censura


Edu Lobo - Chico Buarque/1982
Para o balé O grande circo místico
Ilustração de Naum Alves de Souza

1986 © - Marola Edições Musicais Ltda.
Todos os direitos reservados
Direitos de Execução Pública controlados pelo ECAD (AMAR) Internacional Copyright Secured

Gerês no masculino

Ontem, no lugar do costume, só tu, Silvano e eu. Vocês de véu, proibidas de caminhar. Eu não te disse: daqui para a frente é sempre a piorar.

Adeus Condi

J.J.Millás publica diariamente uma pequena crónica no El Pais que toma como inspiração uma fotografia de actualidade. Na de ontem chama ao Padrinho " o filme do pai da Sophia Coppola" e a secretária de Estado de Bush é Condolencia Arroz.

Bravos Marinheiros


Finalmente percebi para que serve a marinha de guerra lusitana.

(foto da tripulação do barco de Women on Waves, ao largo da costa da Figueira da Foz)

Desculpa, Rebecca

A Rebecca e às outras mulheres a bordo do barco da Women on Waves devo um pedido de desculpas. Na Polónia tiveram à espera um grupo de gente recrutada nos patíbulos da História: aquela mistura explosiva de Contra Reforma, expectadores do guetto de Varsóvia e beneficiários da acumulação capitalista na versão mafiosa post-socialismo real. Em Portugal o equivalente luso de que tanto nos orgulhamos/ exultamos/ etc está no poder: o pessoal da Santa Inquisição, os que entregaram os republicanos espanhóis às praças de touros de badajoz e os afiliados da Mocidade Portuguesa (como dizia ontem no Babelia o António Lobo Antunes). É normal que proibam a vossa entrada. Pelo que tenho visto e ouvido (ah, mas eu quase não vejo nem ouço) o noticiário tem sido sereno, e gostei de ler o José Miguel Júdice a dizer que se tratava do legítimo direito de manifestação por uma alteração legislativa. Quando há quem queira incendiar este debate e fazer regressar a Idade Média e as suas tropas de choque este tom parece-me o mais correcto.

Um meme de paz na Aba de Heisenberg

Nuno, oxalá o teu apelo seja um meme, e o meme chegue à Florida que é parte do mundo. Só ainda não inseri n O Mal por problemas técnicos.

Tristes Títulos

Armanda, desculpa, eu tinha-te dito que aqui não falava de coisas sérias. Mas não resisto. O homenzinho a quem inadvertidamente entregaram o ministério do Mar não é só o que dele já todos conhecíamos: o hipócrita que incendiou o cavaquismo, o criador do Manuel Monteiro, o rapaz que guiava o Jaguar da Moderna, o senhorito que veste fatos de risca porque julga que ser de direita é assim, o que masca chiclete na parada militar, o que debaixo da testa tem a testa reluzente. Agora juntou outro aos seus tristes títulos: um perigo para a saúde pública.

27 agosto 2004

Só a bailarina é que não tem

Há dias, na Antena Um, José Nuno Martins fez uma evocação muito bem documentada da obra discográfica de Chico Buarque e passou uma canção feita numas férias para a garotada cantar. O original é um coro das filhas e sobrinhas de Chico entre as quais a Bebel Gilberto. Chama-se A Bailarina e a construção do poema faz-se em torno de uma enumeração, geralmente de pequenos defeitos ou problemas, que toda a gente tem excepto a bailarina. Hoje descobri que Adriana Calcanhoto canta A Bailarina no seu último disco, uma colectânea de temas pretensamente infantis. Voltei a ouvir Só a bailarina é que não tem e acho que vai ser o meu hino de fim-de-semana. Recomendo vivamente a todos e a todas, incluindo às bailarinas e bailarinos. A arte, mesmo quando nos chega apenas por uma canção da rádio, pode ser redentora.

Não nem

André, a tua janela inspira-te imenso. Apanhando a tua onda aqui te sugiro alguns títulos adequados ao modo: Não posta o parvo nem o blog aquece; Não começa o filme nem a luz se apaga; Não esquece a lagarta nem o homem a deixa; Não me salva o Silvano nem há paz de noite; Não mata o veneno nem liberta o monte; Não beija como antes nem faz a comida.

Antologia de O Mal: Czeslaw Milosz

ARS POETICA

Sempre aspirei por uma forma mais ampla,
que não fosse nem poesia nem prosa em demasia
e permitisse a compreensão, sem expor ninguém,
nem autor nem leitor, a grandes tormentos.

Em sua essência, a poesia é algo horrível:
nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,
e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris.

É por isso que se afirma, com razão, que a poesia é ditada por um espírito,
embora haja exagero em afirmar que se trata de um anjo.
É difícil de entender a soberba dos poetas,
por que se envergonham, quando a fraqueza deles acaba descoberta.

Que homem inteligente gostaria de ser o país dos demónios,
que nele se multiplicam como em sua própria casa, falam inúmeras línguas,
e como se não lhes bastasse roubar-lhe a boca e as mãos,
ainda tentam alterar-lhe o destino a seu bel-prazer?

Porque hoje se respeita tudo o que é adoentado,
alguém poderá pensar que estou brincando apenas,
ou que encontrei uma outra maneira
de elogiar a Arte através da ironia.

Houve um tempo em que somente livros sábios eram lidos,
que ajudam a suportar a dor e a desgraça.
Mas isso não é o mesmo que examinar milhares
de obras oriundas directamente das clínicas psiquiátricas.

Mas o mundo é diferente daquilo que nos parece,
e nós próprios somos diferentes dos nossos delírios.
Por isso as pessoas conservam a sua silente cortesia,
para obter o respeito de parentes e vizinhos.

A vantagem da poesia consiste no facto de lembrar-nos
da dificuldade de manter a identidade,
pois a nossa casa está aberta, não há chave na porta,
e hóspedes invisíveis entram e saem.

Concordo, o que estou contando aqui não é poesia.
Poesias devem ser escritas poucas vezes e de má vontade,
sob uma pressão insuportável e apenas na esperança
de que os bons espíritos, e não os maus, tenham em nós o seu instrumento.


tradução de Aleksandar Jdanovic

in “Rosa do Mundo-2001 poemas para o futuro”, 2ª ed. Assírio e Alvim, 2001

NÃO VARRE O JARDINEIRO, NEM CHILREIA O JARDIM

A esta distância, serão 100 metros, vê-se nítido o movimento envolvente dos corpos no banco junto à Fonte das Avencas. A esta distância, seriam silêncio o arfar provável dos namorados e as gotas vegetais, não fosse o relincho detestável da manada – 300 cavalos e pestilento gasoile debita o corta-relva-aspirador do jardineiro na sua faina mecanizada.

André Bonirre

26 agosto 2004

NÃO VOLTEIA O ALCATRUZ, NEM MERGULHA O PICANÇO

(por uma PAC pós-Quimigal)

Na base da soberba escarpa, não tuge o folhedo nos beijos da breve aragem, nem as madressilvas inebriam. Os motores de rega e o gasoile tudo empestam.

André Bonirre

Entrelaçadas

Que saudades das noites entrelaçadas.

Jammes

sent by//PC

Traceless

Às vezes bato com os cascos no chão, malho na pedra se for de rocha, raspo na areia se for de areia, finjo ferocidade. Na verdade faço riscos a que chamo desenhos. Num golpe de cintura apago-os com os pelos da cauda, é por isso que nunca ninguém os vê.

Jammes

sent by//PC

A culpa

Aquilo não se passou comigo, eu sei. Nem sequer é o síndrome de Bovary. Simplesmente publiquei as cartas de uma mulher cujo nome não recordo e que um dia, por um engano do córtex visual, passou a ter uma lagarta translúcida no campo visual. E do promotor de vendas que ela tomou por confidente, sem medir as consequências. Não foi nada comigo. Não conheço a mulher, não simpatizo com ela. Sempre tive medo de mulheres que levam pequenas vidas nas cidades de província do Sul, cidades de que desconheço os cafés, as creches, os cinemas, o sítio onde se compra o El Pais, cidades como Constança, Santarém, Tomar, que transportam o Tejo como uma doença de pele. Porque é que sonhei com uma mala de automóvel, a respiração de uma mulher inanimada junto ao meu pescoço, uma dor horrível nos pulsos e eram cordas . Porque é que acordei com remorsos de te ter deixado, à tua sorte de empresária, ao convívio de promotores, ao delírio de ciúmes do senhor Adalberto?

Não é natural que ganhes

Nos jogos olímpicos não é natural que ganhes, disseram-me. Nos jogos olímpicos todos os mais rápidos, os mais ágeis, os mais fortes, os melhor dotados, os melhor dopados, os corpos mais naturais, é natural que ganhem. No fim cada um recebe a moeda do metal raro que lhe cabe no pescoço e uma coroa de ramos de oliveira. A comida mediterrânica. Por por causa dela é que não fui convidado para os jogos olímpicos, a parte que me caberia na manjedora eram as folhas de oliveira.

Jammes

sent by// PC

Ao sexto ano

Nunca se esquece quem com quem andámos à bulha.

sent by//PC

Ao quarto ano

- ó mãe nós agora somos muito amigas não somos?
- ...
- até vamos às compras juntas!

sent by//PC

Os dias do João

No seu gabinete em Lleida, de onde já vinha o site www.goldenaura, ele iniciou agora A Aura do Dia. Boa sorte, amigo.

Convocatória

Este sábado no Gerês. Sacudam a poeira das botas e apareçam às oito no sítio do costume. A partir de agora o Mal assume-se como um rude blog de marcha e as convocatórias passam a fazer-se exclusivamente deste modo.

Nota Oficiosa

Se o indivíduo a quem inadvertidamente coube o ministério do Mar se sentir tentado a qualquer iniquidade tomaremos (plural magestático para os efeitos legais convenientes)as medidas adequadas.

Agradecimentos

Desde que a Toxicóloga não escreve no Mal chovem no correio mensagens que agradecemos, certos que a destinatária o fará mais convenientemente . Copiamos a mais impressionante:
Voltaras e até Prosciuto di Parma fatiado te enviara.


A gerência

Mais Acédia

Walserianos, atenção à tradução que o Rui Amaral faz aqui.

25 agosto 2004

NUMA ESPLANADA, AO NORTE

De olhar submisso, ela mendiga “mea culpa”. Ele, entre dentes, implacável “meia não, toda a culpa”.

André Bonirre

Um barco dentro da cidade

Armanda, desculpa. A acédia que no Verão me acomete impede-me de falar em coisas sérias.

Dual

Das pequena mortes quotidianas faz-se uma grande morte,
ou a vida?
Das vozes delas debaixo das pedras faz-se um grito,
ou o silêncio?

Arte Poética

Se tu não tivesses blog Ou não lesses blogs Se não soubesses ler E mesmo assim me lesses Se não tivesses mail Nem sms E ao menos falasses comigo Mas não falasses de mim Ah então é que eu ia escrever Bem

24 agosto 2004

O blogger que acredita no amor

Jamiroo, mereces. Tu que não rasgaste o caderno preto do elástico, que por cada post postado tens noventa e nove escondidos, que já estás no nível três, esse que só aquele mongol que conheceste nas férias é que sabe. No mesmo dia linkado pelo Respirar e eleito número um pelo Avatares. Grande noitada n A Tasca, hem?

Alexandra na Dois

Sandra, jpn, at, André, miúdas e miúdos das cinco envergonhadas da tarde. Não sei se é terça sim ou terça não. Se fôr terça sim, gravem por favor, que hoje tenho aquele chefe chato que só deixa ir ao WC uma vez por turno.

Tarantella


Durante séculos a literatura médica e popular alimentou o mito do veneno das aranhas. Reuniões científicas juntaram toxicologistas, médicos, aracnologistas e outros peritos, em agradáveis estancias de lazer, em torno deste tema abjecto. Desde 1982 que a literatura médica regista casos de aracnoidismo necrótico, feridas horríveis, de cicatrização lenta, atribuídas às picadas da Lampona spp e da Lycosa spp, a aranha lobo. O tema foi revisto recentemente e a conclusão absolve as tarântulas. André, diz lá na Secretaria de Estado para estarem calmas e calmos. Está tudo seguro por muitos anos. Já nem a aranha tem veneno. Podemos entregar ao território dos mitos palavras como loxoscelismo, aracnidismo necrótico, e juntá-los ao tarantismo enquanto dançamos uma tarantella com saudades do tempo em que o medo das aranhas, das cobras e o amor, claro, tinham uma utilidade para a espécie.

23 agosto 2004

Agora menos

Costumava acontecer e agora menos

Comover-me com o barulho dos teus saltos
A maneira como pões os pés para dentro

Assustar-me com o sono da razão
Acreditar que o meu clube é o maior
Ver chegar com um poema a redenção

Esfregar os olhos antes do genérico
Ser do grupo da frente na chegada

(Tantos mortos que nos cruzam pelas ruas)

Esconder-me às cinco para te ouvir
Sofrer com as derrotas sem combate
E doer horrivelmente a injustiça

Costumava acontecer e agora menos
Achar que há algum sentido nisto tudo

Advertência

Por onde quer que espreite não consigo ler o nome deste blog. Este blog chama-se A Natureza do Mal.

Janelas Altas

Quando vejo um gajo a querer chatear
Ou uma gaja demasiado sensível
Ou um parvo a querer saber
A opinião
Reparem bem, a opinião
Sobre as oito ministras do Zapatero
Do Barroso ou do Chavez
Que posaram como modelos
Para a Marie Claire
Ou como manifestantes
Para o Monde Diplomatique
Ou quando constróem muros
Nas rotundas da terrinha
E há quem pense que isso
É uma causa nossa
Ou quando comemoram
A lusa olímpica medalha
Ou quando leio os patrulheiros
E o patrulheiro dos patrulheiros


Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.


(dívida a Philip Larkin, Janelas Altas, tradução de Rui Carvalho Homem, edições Cotovia, Lisboa 2004 segundo Collected Poems,organizados em 1988 por Antonhy Thwaite, London, Marvel Press and Faber and Faber)

Adições

Blasfémias; Ma-Schamba.

Para quem não vai às caixinhas

A versão de Talking in bed enviada pelo Anonymous Bastard está aqui.

22 agosto 2004

Ou o Camané

Talvez seja de considerar a hipótese de, afinal, isto não correr tudo bem.

Isso que dizes, sei o que é. Quando me acontece, que é quase nunca, fecho-me num sítio que eu sei e ponho um disco do Camané, sempre o mesmo. Não gosto especialmente, não é coisa que se faça por gosto. Não me sinto melhor nem pior. Não é terapia. Não penso em nada. Aqueles versos, digam eles o que disserem, falam por mim. Respiro entre as faixas. Ou fungo com ruído. Surpreendo-me sempre por acabar a gravação e ter passado tanto tempo sem dar conta. Às vezes aquilo está no modo repeat e quando dou conta é já de noite ou de manhã. Então guardo o CD, fecho tudo e vou-me embora. Onde caminho já foi o fundo do mar, mas sei que não sou peixe, nem réptil, nem tenho asas.

Las mujeres de Zapatero

Hechos: Vogue publicó un reportaje con las ocho ministras del gobierno Zapatero posando como modelos, con ropa modesta pero elegante, a las puertas de la Moncloa.
Interpretación de los hechos: Me esfuerzo por tener una opinión pero no lo logro. Como el tema es impossible de debatir con los que me rodean, me gustaría sacarlo a discusión.

As mulheres de Zapatero


Os factos: O número de Setembro da Vogue (mas é a edição em espanhol a que infelizmente não acedo) publicou uma reportagem com as oito ministras mulheres do governo Zapatero, posando como modelos, com roupas modestas mas elegantes, às portas de Moncloa.
A interpretação dos factos: esforço-me por ter uma opinião mas não consigo. Como o assunto é impossível de debater na minha roda, gostava de o pôr aqui em discussão.

Finalmente o Verão

É domingo. Nos areais os mais fracos começaram a convulsivar.

Já ganharam

No fim de semana, no Porto, que é uma espécie de tina de revelação das coisas obscuras, encontrou-se a trindade dirigente do novo PS. O Sócrates que é para derrotar o outro, o Sérgio Sousa Pinto para explicar o socialismo e o Assis para levar porrada.

Os amanhãs que cantam

A esquerda que não está zangada com a vida encontrou-se com um grupo que repetia já sem compreender: O futuro é um tempo melhor! Foi uma festa linda, sabe. Já não havia petróleo e como as energias alternativas não davam para tudo, tardaram as febras e as sardinhas. Comeram-se uns aos outros, que horror. Olhe poupo-lhe os pormenores.

21 agosto 2004

A Seta voltou a ser despedida

Um bom regresso para a Alexandra Barreto.

Quase nada

O senhor F. é o porteiro da repartição onde trabalho. Sabe abrir as portas com gestos largos, teatrais, ou tornar-se invisível. Os bons dias do senhor F., o seu olhar atento, cúmplice, fazem parte do meu bem estar matinal. Às oito da manhã o senhor F. antecipa-se a todos os noticiários. Até porque a sua agenda é outra. O senhor F. é especializado em pequenos acontecimentos insignificantes. Notícias de um pardal que ele alimenta. Previsões metereológicas. Informações sobre o parque automóvel dos funcionários. Notícias da família devastada por doenças incuráveis. Ou pequenos pedidos para a namorada, ou para um primo. Um dia o senhor F. segurou-me no braço e exclamou: - Que chapéu, senhor L.! É um chapéu inglês de certeza. Eu assegurei-lhe que o chapéu era austríaco e não inglês, com medo dessa precisão diminuir o seu apreço. Como ele continuasse a cobiçar o chapéu tive um acesso de generosidade e dei-lho:- Faça favor senhor Fagundes. O chapéu é seu . Este e outros episódios reforçaram a estima do senhor F. e o enfase da sua saudação matinal.
Quando foi que lhe não notei o brilho habitual. Ou era eu que estava cansado, distraído e não era capaz de corresponder ao seu cuidado? Continuou assim até ser indisfarçável. O decaimento da nossa amizade foi imperceptível. Hoje saudamo-nos sem cruzar os olhos. A saudação não remete para coisa nenhuma, ele não me quer dizer nada, o seu bom dia não conta na minha manhã. O senhor F., porteiro, cumprimenta o funcionário L. à entrada da Repartição. E é tudo. Em que momento é que isto começou? Que coisa horrível lhe aconteceu sem que eu tivesse conhecimento? Que mudança da sua vida não perguntei sequer. Em tudo na vida é assim. A rosa e o seu verme. A diferença entre o que se passa nesta amizade de bons dias, que é quase nada, e no amor, que é quase tudo, é ...quase nada.

Gosto disto

Insonhe


Eu oferecia-te uma flor e um poema e tu olhavas para mim como se eu fosse o prato principal nas cantinas.

postado por Tawzeeto, nos descalcetados. Estes no Verão ganham asas e até queima os olhos olhar para tão alto.

Falar na Cama (outras versões)


Falar na cama podia ser facílimo,
Vem de tão longe estarmos assim deitados
Um rosto de dois a serem verdadeiros.

Mas mais e mais tempo passa em silêncio,
Lá fora, um desassossego incompleto do vento
Constrói e espalha nuvens à volta do céu,

Cidades escuras completam o horizonte.
Nada disto quer saber de nós. Nada disto diz
Porque é que a esta distância única da solidão

É ainda mais difícil encontrar
Palavras simpáticas e honestas
Ou não antipáticas e não desonestas

Falar Na Cama

Falar na cama devia ser de resto,
o mais fácil, deitados remonta tão atrás,
como emblema de um par a ser honesto.

Mas passa mudo o tempo em seus vagares.
Lá fora, o vento, não de todo lesto,
Faz e dispersa nuvens pelos ares.

Ao longe, em seu negrume há as cidades. Não,
nada cuida de nós. Nada a mostrar
porque é que a tal distância do isolamento são

ainda mais difíceis de encontrar
palavras doces e verdadeiras prestes,
ou não inverdadeiras nem agrestes.

Versão de Vasco Graça Moura, no Abrupto

CONVERSAR NA CAMA

Conversar na cama devia ser mais fácil.
Ficar deitado ao lado de outro é tão antigo,
Um símbolo de duas pessoas sendo honestas.

Mas cada vez mais tempo passa em silêncio.
Lá fora a agitação incompleta do vento
Constrói e dispersa nuvens por cima do céu.

E cidades sombrias amontoam-se no horizonte.
Ninguém se importa connosco. Nada mostra porque
A esta distância única do isolamento,

Se torna ainda mais difícil encontrar
Palavras ao mesmo tempo reais e simpáticas,
Ou não irreais e não antipáticas.

Tradução de Jorge Sousa Braga.
Qual e a Minha ou a Tua Lingua?: Cem Poemas de Amor de Outras Linguas
Braga, Jorge Sousa (organizaçao)
Colecção: Documenta Poetica
Editor: Assirio & Alvim
Ano de edição: 2003
Local de edição: Lisboa
Número de páginas: 154
Publicado no Quartzo

CONVERSAR NA CAMA


Conversar na cama havia de ser facílimo.
Estar deitado com outro vem de tão longe,
Um símbolo da franqueza entre dois seres.

Mas cada vez mais tempo passa em silêncio.
Lá fora a agitação incompleta do vento
Junta e dispersa nuvens à face do céu,

E vilas escuras apinham-se no horizonte.
Nada disto quer saber de nós. Nada mostra porquê
A esta distância única do isolamento

Se torna ainda mis difícil encontrar
Palavras ao mesmo tempo sinceras e gentis
Ou não sinceras nem menos gentis.

Tradução de Maria Teresa Guerreiro.
in Uma antologia / Philip Larkin, trad. Maria Teresa Guerreiro, posf. Joaquim Manuel Magalhães .
- Coimbra : Fora do Texto, 1989.- 123 p. ; 21 cm.
- (Poesia nosso tempo ; 46) .
- Ed. Bilingue

Talking in Bed revisitado

Depois de republicado aqui, Talking in bed mereceu a atenção de alguns de nós (agradecimentros especiais à Sandra Costa do Tempo Dual e ao Rui Amaral do Quartzo). Juntamos agora algumas versões. Penso que estamos de acordo que melhor é mesmo o original. Já o cantamos de cor (já agora com os Radiohead que eram grandes apreciadores. Ver a propósito este site em francês ).

20 agosto 2004

Rosete Fim

Rosete

julgava que entendias, julgava
que era a mim que querias, a mim que vias,
deixaste-me acreditar que podia ser
ao pé de ti como sou, que te podia ter

se falasses como falo seria
eu a palha, se andasses como ando seria
eu a lage, se me desejasses como sou seria
empatia, e isso não bastaria

não somos da mesma espécie, e eu não
quero ser o fardo ou o freio, nada mais
pedirei mas sigo-te temendo

regressamos do calor agora os dois mas já
um por um, por te amar linda Rosete agradeço, e apenas
de não ser amado me arrependo

Jammes (regresso da seda crua)

PC

PROCURA-SE [PUB]

Animal robusto, Lycosidae de sua greca linhagem, vulgo “Aranha Lobo”. 8 olhos, 8 patas, instinto caçador apurado, larga experiência no extremínio de hematófagos & similares, presença pouco recomendada - potencialmente perigosa - sobretudo em Secretarias de Estado recém deslocalizadas.

André Bonirre

ALBERTINA EM PARTE INCERTA

Tecer paciente teia não lhe faz o género, caça de emboscada. Responde quando lhe chamo Tina, às vezes, quando lhe apetece. Desapareceu sem deixar rasto. Vivia aparentemente feliz por entre a lenha amontoada lá na garagem.

André Bonirre

Convite

"Espero-te numa tarde que seja tórrida. Se preferires a solidão das escarpas e o grito do milhafre estás desde já perdoado." Eu troco os montes, uma felicidade certa, pela probabilidade de a ver feliz uma tarde inteira. Não fiz votos mas quebrava-os. Vou ao casamento dela, pronto.

A Borboleta

Vi o teu braço e uma borboleta que nele poisara, quis falar-te, aproximei-me, tremeste e a borboleta caiu. Era um pedaço de papel amarrotado que eu confundi para não destoar de ti.

PC

Leituras Partilhadas

Elas andam a ler o Bernard Schlink. É tudo altamente recomendável.

Little Yellow Spot

Como já devem ter reparado ela vestiu temporariamente o seu blog de vinil amarelo. Há tempos que ela ameaçava com uma espada como esta. Eu concordo com todas as suas decisões e como prova de apreço permanecerei simbolicamente com o pescoço no cepo durante todo o tempo que durar a sua raiva.

19 agosto 2004

Notícia de Larkin, para quem não vai aos comments

Leia no Quartzo uma versão em português de Talking in bed do Larkin.

The Anonymous Paranoia

O Anonymous Bastard para de comentar quando eu chego. Sucede quase o mesmo com d, mais discreto mas igualmente estimado. Será que foram para férias? Será tudo coincidência? A minha paranóia de leitor blogosférico segreda-me que eles se correspondem secretamente com a MJO.

A que horas chega o pai?

O pai chega depois do trabalho, às sextas-feiras, nas praias do Norte. Estão ainda todos na praia quando ele chega. A criatura que desde manhã pergunta a que horas chega o pai, a irmã e a mãe. As famílias com horários já foram para casa e eles continuam até o pai chegar, até ele aparecer na marginal. É tão grande, tão forte, tão bonito, tão bem cheiroso no pescoço e no peito. É mais novo do que a criatura agora (esta ensinou-te o Javier Marias). Depois da demonstração das habilidades há o jantar no restaurante e gelado, carros de choque, livros na Havanesa, deitar tarde e depois ainda nadar no mar, passeios à serra, as conversas com os grandes sobre coisas que só podem ser segredadas ao poente. A vida verdadeira existe e começa (a que horas?) à sexta-feira.

O Paradoxo do Polaco ou Fim da Educação Sentimental

Dizes que conheceste um polaco. Ele explicou-te que o amor só é como eu o digo quando é literário. Depois passa-se para o nível seguinte. Ignoro se esse polaco escreveu sobre a sua experiência de nível. Eu não o li, nem o ouvi, e portanto fiquei excluído dessa sabedoria. Se o polaco tivesse escrito, o seu amor seria literário, e portanto desceria para o meu nível. Temos assim um paradoxo: o amor com nível não pode ser escrito. Só acedem ao nível superior do amor os analfabetos. Como são os analfabetos sentimentais quem escreve sobre o amor, a desorientação é grande. O paradoxo do polaco põe fim à minha tentativa, acredita que bem intencionada, de educação sentimental.

18 agosto 2004

Educação Sentimental

Lembrei-me de Rilke nos Cadernos de Malte. Era mais ou menos assim: Pedi a minha juventude e ela voltou, e sinto que ela continua a ser tão difícil como outrora e que de nada serviu ter envelhecido.

Falar na cama

É um dos poemas mais conhecidos de Larkin. Infelizmente não está traduzido em Janelas Altas, o livro recentemente traduzido. Há uma pequena colectânea bilingue de Larkin que o inclui, um livrinho cinzento de uma editora já sem actividade, a Cristina há-de saber, já o devo ter lido na Janela. Mas dou-o de cada vez que o compro, perco-o ou roubam-mo (e com todos estes destinos me alegro).


Talking In Bed
By Philip Larkin

Talking in bed ought to be easiest,
Lying together there goes back so far,
An emblem of two people being honest.

Yet more and more time passes silently.
Outside, the wind's incomplete unrest
Builds and disperses clouds about the sky,

And dark towns heap up on the horizon.
None of this cares for us. Nothing shows why
At this unique distance from isolation

It becomes still more difficult to find
Words at once true and kind,
Or not untrue and not unkind.

Gosto de tudo. Do verso inicial que não sei traduzir com precisão. Do duplo sentido de Lying together. Mas sobretudo do final que me parece tão enigmático. Words at once true and kind. Porque é que, a uma distância tão grande da solidão, são mais difíceis de encontar palavras verdadeiras e gentis? Porque a verdade não serve para o amor. Yet more and more time passes silently.

Caminhar é preciso

Susan Sontag, no prefácio a Rua de Sentido Único descreve Walter Benjamim como um caminhante infatigável. O caminhante que quer transportar coisas consigo tem de miniaturizar. Benjamim aspirava a escrever cem linhas numa pequena folha de papel, ambição que como se sabe Robert Walser realizou nos microgramas. Há um antropólogo em Strasbourg chamado Franck Michel que criou uma associação de longas caminhadas e teoriza sobre a sua importância na descoberta da nossa humanidade. A associação dá pelo nome de Déroutes & Détours (ver em www.deroutes.com e no número de Agosto do Monde diplo).

O que eu queria dizer

(...)"todas as criaturas da Terra são o produto de uma série de batalhas históricas entre parasitas e hospedeiros, entre genes e outros genes, entre membros da mesma espécie, entre membros de um sexo em competição com membros do outro. Essas batalhas incluem as batalhas psicológicas, manipular e explorar outros membros da espécie; essas batalhas nunca são ganhas, pois o sucesso numa geração apenas assegura que os inimigos da geração seguinte são mais aptos para lutarem mais aguerridamente. A vida é uma corrida de Sísifo, correr cada vez mais depressa para uma linha de meta que é meramente o ponto de partida para a corrida seguinte."

Matt Ridley, na Rainha de Copas p 186, Gradiva 2004

17 agosto 2004

Ciúmes

O Vaticano é contra a clonagem de embriões humanos porque pensa que Deus pode ficar com ciúmes.

O post automático

Postar assim devia ser facílimo
como falar na cama com a pessoa amada.
E há dias em que tudo o que vejo e ouço
tudo o que finjo ou penso
são posts
bem melhores do que este por sinal.

(créditos de Larkin pelas palavras a um tempo verdadeiras e gentis, a Pessoa e sobretudo a todos os que me dão tantos posts geniais que perco por acordar cedo demais, ou não acordar jamais).

Rentrée

meus amigos, vamos ao frango, trocar cromos de férias, re-entrée prematura, etc, o andré disse que ía de férias 10 dias, o carlos se calhar também, eu posso todos os dias, almoçar a todas as horas, e pronto, evito de dizer, beijos.
PC

Silvano original

Nunca vos contei porque me convidaram para escrever nesta chafarica. Eu e mais uns gajos já tínhamos ouvido falar disto dos blogs, que era coisa mais para os intelectuais já muito letrados e sabidos, coisa muito fina. O Eduardo achava que dava muito trabalho e que não conseguíamos escrever decentemente mais do que um post de vez em quando. O Zé Maria preocupava-se que nenhum dos seus amigos viesse a saber que tinha um blog, se tivesse. O Tico dizia que não, que conseguia escrever um post rapidamente, o truque é nunca desanimar, escrever mesmo antes de pensar, o que interessava era postar que depois os gajos leem tudo e dão cliques e linques. O Novarede só queria saber se podia postar por sms. Cá o Silvano, agora no turno da noite, atrás da secretária, até que podia escavacar uns bons duns posts mas o pior é se me mudam de turno. Foi aí que tivemos uma ideia brilhante, vamos para as termas, escolhemos uma com acesso por cabo ou ADSL, reservamos por uma semana com pensão completa, só nós da malta, sem nenhuma outra ocupação que não seja postar com toda a gana, e aí descobrimos por nós qual é o elan disto dos blogs. A coisa deu para o torto, se calhar foi porque combinámos que quem escrevesse mais posts nessa semana é que depois escolhia o template definitivo.

Silvano
sent by//PC

Francisco

O disco foi gravado em 1992 e tem como título Para Todos. Na capa uma foto de Chico Buarque com 17 anos, frente e perfil, dos arquivos da ditadura militar brasileira, dos tempos em que a coisa estava preta. O poema é assim:

A Foto da Capa

O retrato do artista quando moço
Não é promissora, cândida pintura
É a figura do larápio rastaqüera
Numa pose que não era para capa
Uma pose para câmara tão dura
Cujo foco toda lírica solapa

Era rala a luz naquele calabouço
Do talento a clarabóia se tampara
E o poeta que ele sempre se soubera
Claramente não mirava algum futuro
Via o tira da sinistra que rosnara
E o fotógrafo frontal batendo a chapa

É uma foto que não era para capa
Era a mera contracara, a cara obscura
O retrato do paúra quando o cara
Se prepara para dar a cara a tapa.

A canção dura 2:36

Armas e munições

Cheguei a Riga para fazer uma visita a uma amiga. A casa dela, a cidade, a língua eram-me desconhecidas. Ninguém me esperava, ninguém me conhecia. Andei duas horas sozinho pelas ruas. Nunca tornei a vê-las assim. Cada porta lançava uma língua de chama, cada esquina espargia centelhas, e cada eléctrico surgia como se fosse um carro de bombeiros. Ela bem podia sair do portal, dobrar a esquina ou estar sentada no eléctrico. Mas, de nós os dois, eu teria a todo o custo de ser o primeiro a ver o outro. Porque se ela tivesse lançado sobre mim a mecha do seu olhar- eu explodiria necessariamente como um depósito de munições.

Walter Benjamim

In Rua de Sentido Único(o blog de Walter Benjamim). Na Relógio D’Àgua, 1992 (com excelente introdução de Susan Sontag).

No espelho

Agora, de manhã, vejo o meu pai no espelho. Quem é que ele via, de manhã, no espelho?

16 agosto 2004

David Lodge

Vi por aqui um esboço de Amigos e leitores de David Lodge. Divertíamo-nos um bocado a falar dos livros dele. Que acham? Alguém teve experiências de troca? Vamos ver até onde é que se pode ir? Já alguém foi com o ser amado a Las Palmas, Tenerife, a um desses paraísos de férias, apartamentos à volta da picina? E os congressos, como o mundo é pequeno? A agitação dos congressos, a emoção quando chega Angelika Pabst. E o encontro entre a académica e o gestor de empresas? Pensem, pensem e digam. Eu estou inscrito.

Slovenia, WW2

Virá a morte e terá os teus olhos. Paul Celan

A morte tinha primeiro os olhos dos italianos. Depois dos húngaros. A seguir dos alemães. No fim tinha os olhos dos "guardas das aldeias" e os olhos dos partisans que, esses sim, eram os teus olhos.

Anonymous Bastard

É nosso. Não estamos dispostos a partilhá-lo. Com o Jammes à frente iremos à luta se o tentarem seduzir para outras colaborações.

S.S. João Paulo II

Desculpem perguntar. Mas está o Vaticano, que sempre foi perito em reality shows, a preparar a morte do Papa em directo?

Mais sobre a treta

O amor, essa treta, é uma invenção da fêmea humana do Pleistocénico para assegurar a assiduidade do macho aos deveres de alimento e protecção.
As histórias infantis são o modo preferencial de transmissão da treta. Os contadores de histórias são mulheres, na linhagem de Xerazade. Os destinatários são sobretudo os machos jovens da espécie. Eles têm de acreditar. Elas têm de aprender a contar.
As formas contemporâneas da treta foram teorizadas por mulheres excepcionais como Eleanor d'Aquitaine e Margarida de Navarra, e depois pelos românticos, cérebros fracos, pasto de delírio imaginativo e confusão identitária.
A treta hoje não serve para nada. É um reliquat do nosso equipamento genético, como o medo das serpentes e de outros animais em extinção.
Apesar disso goza de imenso sucesso. A treta transbordava das ruas de L. até inundar a ponte tripla. Escorria dos olhos de rapazes que ouviram demasiadas histórias em pequenos e fazia subir a cota do lago Bohijn.

Czeslaw Milosz

De manhã o André mandou um sms. Morreu o Milosz. Czeslaw Milosz, polaco exilado, Nobel em 1980. Não fora a Cavalo de Ferro quantos de nós o conheceríamos?
Alexandra Lucas Coelho traça-lhe o perfil e escolhe o poema intitulado Campo di Fiori para que dele fique uma imagem redentora. No El Pais de ontem, José Maria Guelbenzu chama-lhe “um sobrevivente das numerosas purgas intelectuais que a post guerra e a guerra fria produziram na segunda metade do século XX no campo do establishment da chamada esquerda intelectual.”

Sinto-me a beber whisky com ele, no aeroporto, digamos de Minneapolis, e a dizer, baixinho, fora de contexto: cardo, urtiga, bardana, beladona. Dias curtos. Mas disseste tanto. Olhas-me nos olhos, eu prometo-te que me levantarei dois centímetros acima da minha própria cabeça para dizer a quem desespera: “ eu também chorava assim a minha sina”. Outros alinharão o tempo de outras formas. Eu sei contigo que embora nasçam bebés rosados e o zangão visite a rosa, outro fim do mundo não haverá, outro fim do mundo não haverá.

Alguns gostam de poesia, Antologia com Szymborska, que Deus guarde ou ainda ficamos mais sózinhos, tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves, Cavalo de Ferro.
(cf Canção do fim do mundo p 27, É claro p 91, Tão pouco p 65, Cardo, urtiga p 81, e Café Grecco p 81 e ...No Aeroporto, digamos, de Minneapolis p 87.)

14 agosto 2004

Cienfuegos

Desde ontem passámos a dormir em camas separadas, separada a cama, separada a noite, separada a temperatura, é melhor assim que aqui nem à noite se arrefece. Vamos até Cienfuegos amanhã ou depois, em busca da invenção de um novo som. Sempre pensei que fosse ela a deixar-me ir, certamente por não lhe bastar a minha falta de excessos. Vejo agora que sou eu que primeiro fico pronto para a largada, certamente pelo excesso de novidades dela. A viagem deve demorar quatro horas, vou arriscar a descoberta de um novo entendimento, vejo os olhos dela que brilham nos meus e tenho medo que se apaguem de vez. Costumo guardar o melhor bocado para o fim, acreditando em manter o crescendo e eliminando a incerteza do caminho. A Rosete, como todas as mulheres, gosta de ter o melhor bocado logo no início, não entende para quê esperar. Escolhi a música para a viagem, não arrisco e começei pela preferida da Rosete, e ainda dizem que burro velho não aprende, não sei o que se passará depois de jogar este trunfo único mas devo confiar em ficar na mão dela. Um leve agitar das pernas debaixo da saia, o sentar de modo mais confortável e relaxado disse-me que ía bem. O maior arco-íris que já vi, de meia-volta completa, assegurou-me do sentido certo. Tentei fechar os olhos e dormir para que nenhuma outra sensação poluísse a memória. O dia acabou maravilhoso. À chegada ao hotel ela disse, visivelmente bem disposta, pareces uma mofeta, ri-me a custo. Fiquei meio emburrado, é isto, juro que não entendo, aparece-me docemente apaixonada em sonhos mas procura mudar todos os pequenos tiques que trago, e eu não cheiro mal. Assim é melhor, separadas as camas, separada a temperatura, separados os sonhos.

Jammes (tafetátafetátafetá)

PC

Pastora

Caminho nos prados e linda pastora sou a erva que pisas. A lage quente onde te vais sentar. Sou o pasto fecundo do teu gado humilde.

13 agosto 2004

fusão

A Rosete gosta de passar os finais de tarde a ver apagar o sol, as cores e depois as formas, gosta de ver as luzes que se acendem então, uma por cada casa, janela ou lampião mais duas inquietas por cada carro, gosta de imaginar a vida que há por trás de cada uma, vagueia-lhe o espírito. Acontece-me o mesmo, deve ser o que chamam fusão, não me atraem luzes, não resisto em calcorrear toda a vereda que me aparece dos lados, ou pelo menos abrandar o passo e esticar o pescoço até onde possa adivinhar o que está depois da curva do caminho que não é o meu. Nunca me esqueço que lidero a manada e não me posso dar ao luxo de perder o sentido.

Jammes (leia-se Jáme)

PC

12 agosto 2004

para P.

Atendes o telefone ainda meio ensonado, "já estavas a pé? Ah pois, já percebi que não estás sozinho, ainda bem", depois diz-te o que te deixou para o almoço e que ela não vinha e o Pai também não. Ficávamos sentados na primeira carteira na aula de Filosofia, por causa daquela professora que parecia o pai de frente mas que nós gostávamos de ver por detrás. Ela dava-nos o lanche depois do estudo na mesa redonda da tua sala e à saída perguntava-me a sós como é que tu ías no estudo, como é que ía ser no teste e eu dava-lhe a minha melhor verdade. Há três anos começámos a mentir um ao outro, chorei em segredo o que pensei que estava para breve, escondi a sombra na alegria de a ver tão curada, cheia de força e esperança. Hoje não telefonou. Nunca mais telefona. Três anos não foi pouco tempo e por isso mesmo foi demasiado breve.

PC

Evitas de ler

Do barco Sagres, no Pireu, Sampaio escreve sobre a Europa.

Bernstein sem culpa

Se Deus não fosse infinitamente bom obrigava-os a ler Bernstein. Bernstein era um homem bom, ele e o renegado Kautsky, que disseram e escreveram antes do tempo, contra uns exaltados, o que é hoje a estratégia dos partidos da esquerda, sem excepção.

Sem Perdão

Aos 17 anos comprou um livro de Bernstein e inscreveu-se no Labour Party. Agora passa as férias com Berlusconi, o padrinho, numa villa siciliana.

As praias do Norte

Nas praias do Norte
Um cão chamado Lorde
Os surfistas em fila
Aulas de bódiborde

O Nelinho de Roussas
O Moca Enfardador
O Alminhas de Merda
O sôr professor doutor

A mulher em fogo
Sem creme solar
Ele a ler O Jogo
Antes dir pró mar

Seis meninos trago
Qué tudo o que tenho
Já dizem carago
Choram baba e ranho

Bandeira vermelha
Na praia em Moledo
Serve pra levar
À frente do medo

(Quando vinha a Guarda
Contra os pescadores
Já só tu te lembras
Ti Manel das Dores)

Se aqui me ficar
(O tal artatáque)
Alguém vai tocar
O triquelitraque

Nas praias do Norte
Só há congestão
Só há boa morte
Bom vento e paixão.

sent by //Silvano (editado com pequenas alterações)

11 agosto 2004

Varadero

Já há alguns dias que estou impossibilitado de acercar-me sequer de um computador por causa do blackout, o único trabalho digital permitido por aqui é gasto a enrolar folha de tabaco. Muito menos entenderiam o que faria um burro frente a um teclado. Há muita cana de açucar para colher. Temos estado em Varadero, vou agora à praia muito menos por conveniência. No primeiro dia foi bem, eu levava roupa e a Rosete ía á frente, sendo mais vistosa passou facilmente pelo guarda na cancela da praia. Logo que escolhemos poiso comecei a sentir arrepios de corda tensa nas costas e um olhar gélido na nuca. Não era de nenhum dos de passagem que, como eu, cumpriam apenas o contracto com a agência de viagens. Aquilo foi coisa de me fazer recordar os olhares que me deitaram lá na terra assim que a Rosete me falou, que nos fizeram evitar as festas populares e nos levaram para os caminhos tão intensos da cumeada. Passado pouco tempo já eram três ou quatro na guarda da cancela, olhavam para onde estávamos e conversavam entre si. Topei-os logo. Eu destoava. Entre as de biquini escultural ou os de bermudas com carteiras monetárias coladas à pele eu des encaixava, era um fardo. No segundo dia aliviei-lhes as albardas, não passei a cancela, fiquei no areal do lado de cá. E foi o melhor que fiz, nós resistentes, entre resistentes, proscritos entre esquecidos. Aquele povo estava habituado a procurar o caminho da felicidade contra todos os indicadores, a encontrar escapes discretos para o turbilhão de sentimentos e vontades por entre os grilhões da estatização. Pelo menos, gosto de pensar que assim é. Voltei a escrever em papel, a Rosete gosta de me ver mexer nas folhas ou com a caneta atrás da orelha, afinal era do PC que ela tinha ciúmes. Ali fica encostada ao meu dorso durante o calor húmido das tardes, finjo escrever, finjo que não me pesa o seu corpo, finjo ocupar-me em algo mais do que notar a sua respiração. Rasgo tudo assim que ela adormece por receio que palavras doces e moles tenham ficado escritas. Eles ensinaram-me como enviar as folhas escritas, disfarçadas entre as guias de despesa, para a menina Filipa da agência de viagens, que as faz depois publicar no blog. Sinto-me tão feliz quanto um burro pode ser, tudo é perfeito mas começo a sentir uma barreira invisível pairando sobre ela, sobre mim, é ainda imperceptível mas nada do que eu faço consegue alcançar mais sucesso do que tudo o que já fiz antes. A sombra parece vir do futuro. Ontem disse-me educadamente que eu devia procurar fazer menos barulho a mastigar.

Jammes (sussurrado e silenciado fica áme)

PC

10 agosto 2004

Brevemente nO Mal

O novo modelo do sexo polimorfo. Com o alto patrocínio do cardeal Ratzinger.

David Lodge

Só está anunciado para Setembro, o novo livro de um dos escritores preferidos de O Mal. Chama-se Author, author. A tradução italiana já está nas montras com um título tão longo que nem tempo tenho para o escrever.

Evitavas de dizer

No Guardian de sábado A. Mangella escreve sobre O Homem Duplicado (em inglês chamaram-lhe O Duplo): "Custa-me dizer mas o livro é uma chatice".

Praça H

A Praça H., em Trieste, foi erigida pelas tropas de Napoleão para celebrar a chegada dos franceses e o fim dos privilégios feudais. Entretanto os Austríacos, e a velha ordem dos Habsburgos, voltaram mesmo a tempo de descerrar a lápide.

Em Trieste

Sempre as cidades de fronteira aplaudiram os invasores.

Brevemente n A Natureza do Mal

Ratzinger, o perfeito da Congregação da doutrina da fé, e as mulheres.

Parabéns

Este blog é o meu partido, a cartilha perversa e bem comportada, o atlas da ilhas, o FAP e o Javier Marias.

A subir Triglav

No último percurso diz a lenda que cada um dos cumes do Triglav responde a uma pergunta feita com o coração limpo pelo cansaço. Eu a todos fiz a mesma pergunta e de cada um ouvi a mesma resposta.

07 agosto 2004

No Paraguai

Quando o fogo deflagrou no grande armazém, os responsáveis mandaram fechar as portas para os consumidores não sairem sem pagar. Os que puderam escapar encontraram outras portas fechadas: as das clínicas privadas (quase todas).

06 agosto 2004

ESCAPADELAS E SITEMETER

Eu e a Sofia discutimos, discutimos e não chegámos a acordo. Temos duas teorias opostas para explicar a quebra das 30 entradas diárias na NdoMal, que se verifica sempre que o Luis sai. A Sofia acredita na existência de um núcleo duro de 30 leitores fidelíssim@s, que se esfumam em bloco, mal consta que ele vai de viagem. Efabulação sem pés nem cabeça, argumento eu: nas planícies do Norte, na companhia de Bossali Bros, agora na cidade de L., todos os dias ele escreve, mesmo quando faltam letras nos teclados. Só há uma explicação, que, aliás, também explica porque razão o Patrão o traz debaixo de olho. Ele próprio não confessou já, que, volta não volta, se safa do balcão para sintonizar a 2? E as outras escapadelas, hã?

(esclarecimento: discutimos, não nos zangámos)

André Bonirre

Museu de Historia Contemporanea

Quando saio da roda de madeira entro na Sala A do Museu. Vejo, atrás de uma porta subtilmente entreaberta, o retrato oficial de Joseph Staline. Está tudo escrito em esloveno. Uma funcionária do Museu aproxima-se e prontifica-se a fazer a tradução. Agradeço-lhe, mas aquela história eu coneço bem.

Jogo de Praia: Verdade ou Consequência

-Onde estão as ADM, WMD, massivas, estúpido?..
-Consequência

PC

05 agosto 2004

Telegrama a Silvano

isto afinal é bom.pá.bem vistas as coisas não é inferior a Rimini. tás a ver ou não?

Na cidade de L.

Nao sei os nomes das arvores nem dos rios. Nao consigo decorar as ruas, nem os parques. Nao sei se os pais foram combatentes nem contra quem. Nao conhečo os construtores dos castelos nem da igrejas. Amanha ja nao estarei aqui e nao recordarei um sorriso, uns olhos, uma prača. Sou o viajante de tipo novo.

SILÊNCIO E AR CONDICIONADO

Éramos mais de 50 à espera, silêncio e ar condicionado. Tudo um espaço aberto. Música ambiente. Atendimento personalizado. Seguranças fardados. Produtividade. Painéis luminosos, écrãs planos, impressoras jacto de tinta. Modernidade. Tudo com investimentos públicos. Tudo pronto para privatizar, portanto. Enquanto espero, vem-me à memória um telegrama batido - “Jorge podes vir mamã enfim morta.”. E reparo, por entre o silêncio ambiente, que o poema só podia ter sido assim musicado num tempo em que havia bichas e guichets e se ouvia ao fundo o matraquear das máquinas de escrever e dos telexes e os telegramas eram pagos sílaba a sílaba.

[Na Caixa das Sugestões introduzi o meu contributo senil: “Substituir jacto tinta por laser; substituir música de elevador por Sérgio Godinho dos tempos do PREC, se possível]

André Bonirre

POST, COMMENT & MAL DE CABEÇA

O post é o que se lê primeiro, faz-se “publish” e ei-lo oferecido, de peito aberto, à leitura. O comment, quando existe, é o resto, onde podemos ver o que os outros escreveram. Mas um post nem sempre acaba nos comments. Às vezes continua, propaga-se através das TIC, passa de boca a boca, etc. Às vezes isto pode fazer mal à cabeça. Foi o caso:

- Anónimo Bastardo é Silvano? Câmbio.
- Ná, Silvano é urbano, Anónimo B. aldeão, talvez Mário-Maria ou Jammes.
- É Silvano é, ele é cavaleiro de mil faces, é um ficcionista, estão lá os nomes clínicos dos sulfatos..

20 SMS porque sim e porque deixa depois:

- Tenho que acabar artigo. Tenho que escrever meia tese. Tenho que ler pensamentos do Mestre com quem vou almoçar amanhã e estou a trocar sms por causa de um rural que não existe. Que se passa doutor? Estou boa da cabeça?

[Anónimo Bastardo, será que sentes um peso na consciência?]

André Bonirre

04 agosto 2004

Lado a Lado em Ljubljana

Ela faz Slovenska Cesta
uma e outra vez
(sem saber que percorreu Titova Cesta)
enquanto eu
nem a Zvezda chego.
Ela entra no Parque Tivoli
mergulha na Piscina coberta
uma e outra vez
enquanto eu
não passo da galeria A
do Museu de História Moderna
(e me entristeço com as estrelas vermelhas
quebradas no jardim).
Ela vai ter com os amigos
ao Celica Hotel
em Metelkova
(uma prisão de oitocentos
que virou Albergue hip)
enquanto eu
folheio livros na Knjgarne Novak
uma e outra vez.

Talvez lhe peça para tirar
os patins em linha

Um chão tão perto

Sem saber trazia um sonho para férias. Caminho ou estou parado sobre um chão de granito preto. Chove muito embora não se ouçam as bátegas de àgua. Mas o chão modifica-se a cada momento alargando circulos negros e ganhando tons de verde muito escuro. Como é possível este chão estar tão próximo que distingo as estrias da pedra? Porque é que não posso levantar os olhos para a luz? Que peso é este?

03 agosto 2004

Bagagem

Uma coisa asseguro que não levo para a cidade de L. O caderno preto de elásticos onde o amor escreve os seus epitáfios.

Livros para Férias

David Edmonds e John Eidinow escreveram um livro sobre o dia em que Wittgenstein e Popper, sob o olhar de Bertrand Russel, se defrontaram numa reunião no King's em Cambridge. Segundo a tradição, Wittgenstein ameaçou Popper com o atiçador da lareira. O livro procura resumir a vida desses gigantes do conhecimento, que responderam a questões epistemológicas centrais: como conhecemos, como somos governados, como podemos fazer avançar o nosso conhecimento?
Aqui está um livro que não levo para férias e um tipo de conhecimento que dispenso.

O Atiçador de Wittgenstein
David Edmonds e John Eidinow
Temas e Debates, Dez2003

02 agosto 2004

Livros de férias

Steven Quartz e Terry Sejnowski escreveram um livro sobre as novidades das Neurociências. Começa assim: Who are we? What is to be a person to love and to hate? Are we good or fundamentally evil? What makes us happy? Ultimately, who can we became? These are some of the questions we explore in this book (..)remarkable progress in brain science now provides us with the tools (...)to uncovering the mystery of who we are.
Aqui está um livro que não levo para férias e um tipo de conhecimento que dispenso.


Liars, Lovers and Heroes
Steven Quartz and Terrence Sejnowski, William Morrow, 2004

01 agosto 2004

Bostali Bros, meu amigo

Na primeira manhã em que acordei em L. vinha do Norte uma neblina com canções de gnomos numa língua sem dicionários. Era muito cedo mas já não conseguia dormir. Uma das canções falava de Bostali Bros, que conheci numa manhã como esta, e que abandonei à sua sorte de emigrante, no Porto, nem sempre assim tão hospedeiro. Cliquei um sms que queria ser simpático. Uns minutos depois tinha a resposta: Estou no Hospital de S...Cateterismo de intervenção com sucesso. Liga depois das nove.