28 abril 2005

Canções de rua



Veste a capa e esconde o sangue
Atenção

Pode a coruja vir mais cedo
E perceber

Pode o cão lá na sacada
Não dormir

No momento em que te despes
Acordar

Quando estás com meia calça
Ele ladrar

A tarde sossegar em volta
Para se ouvir

O teu grito meio grito
divertido

Bonifrates


Os Bonifrates (João Maria André fixou o texto e André Kowalski encenou) apresentam na Casa Cultura de Coimbra os últimos dias de Puta de Vida. O último dos Bonifrates (Eu não sou Rappaport) já tinha sido grande. Agora o grupo constrói um espectáculo quase perfeito. Cada mulher tem uma história que um armário ou um baú também contam e o humor e a tragédia misturam-se em doses exactas.
As mulheres, todas as mulheres, estão divinas em Puta de Vida. No final os espectadores não aplaudem mais porque talvez apetecesse outra coisa nesta puta de vida.
Qualquer mulher dava uma puta qualquer.

27 abril 2005

Lúcia, sou eu


Lúcia, a minha colega de Nelas, lê este e outros blogs. Suponho que escreve. Como todas as leitoras, Lúcia sofre da síndroma de Flaubert, imagina que o escritor fala de si próprio. Ao ler os blogs, Lúcia passou a sofrer também da síndrome de Pessoa ele-mesmo. Não sabe a quem atribuir a autoria dos textos. Já lhe expliquei que este blog é assinado. Quando está escrito Sofia, é Sofia, um cometa. Quando está escrito Luís, sou eu. Ela pode confirmar pelo IP dos Correios, que é onde posto quase tudo, a net de banda larga está cara e já nem tenho linha telefónica em casa. André Bonirre e PC compraram uma pequena propriedade em Trás os Montes, e como os crentes enérgicos dedicam-se à agricultura biológica e à procriação de ternas criancinhas, quase indistinguíveis. Mas Lúcia acredita que eu publico os escritos do Silvano, que Bartleby tem cabeça para algo mais que os registos de eventos, ou que os meus amigos do café A Flor da Conchada, onde ela nunca foi, me passam manuscritos à hora da bica. Talvez Lúcia imagine que outras colegas dos Correios, mulheres interessantes a quem nunca tive a felicidade de ser apresentado nas formações, me mandem versos iguais aos que ela escreve às escondidas. Agora é quase sempre assim. Se me acontece qualquer coisa mais conseguida, um alexandrino perfeito, um soneto mais solto, no telefonema do almoço é seguro que vai dizer:- Gostei muito. Não é teu, pois não.

Lição de Fisiologia

Lúcia é a minha colega do balcão de Nelas. Conheci-a numa formação de Windows em Viseu e passámos a telefonar. É ao almoço e é à borla. Lúcia também come na Repartição. Depois deve telefonar à mãe que vive sozinha em Tondela e a seguir, duas vezes por semana, liga-me. Falamos dos clientes, dos cabrões que só pensam em nos despedir e retirar horas extraordinárias, de filmes e de livros. No fim pergunto-lhe se está bem. Ela passou o mês a dizer que se sentia inchada (Onde? E ela, baixinho:- Nas mamas), com cãibras na barriga, sem apetite, enjoada. Ontem estava óptima:- Finalmente veio-me o período.

Voo da coruja em torno do Jardim Botânico


A coruja voa sobre o Jardim Botânico
que à noite, a esta hora,
tem os portões fechados.
Os nenúfares estão desolados
com o silêncio das rãs.
Lineu, o guarda,
come uma miúda do programa Fédon
num quarto junto à estufa.
A coruja voa até à torre do Seminário
e é avistada pelos estudantes
da Leitaria Borges
(uma delas assusta-se:
vi os olhos do milhafre)
A coruja voa imensa
sobre o CADC
e estremece as asas junto ao leão
da estátua de Camões,
poucos metros acima do grito
da miúda do programa Fédon
a comer Lineu, o guarda
da estufa do Jardim Botânico.

(foto roubada de Margarete, do Aknowledge)

26 abril 2005

A Bertrand da Dolce Vita

A maior Bertrand do país, dizia a propaganda. Um armazém de livros. Os consumidores vão preferir o sector de livros do Jumbo. Tem quase o mesmo tamanho e, como dizia a poeta, fica mais perto da alimentação.

Feira do Livro de Coimbra

Um barracão deserto numa praça sem vida, onde gente que não gosta de livros expõe sem critério. Quase não há poesia, faltam as pequenas editoras e os grandes poetas. A Imprensa Nacional e a Imprensa Universitária metem dó. A livraria da minha livreira aprofundou a sua decadência e nem se fez representar. As excepções são as bancas da Interlivro e a Witloof da BD. Mas não chega. Esta deve ser a última edição da Feira. Também não é preciso. As sebentas vendem-se na Secção de Textos.

Razões para estar feliz

Vasco Gonçalves, que certamente não tem acompanhado a transformação de Ratzinger, disse ontem ao jornal do Beato Fernandes:
-O homem novo não surgiu ainda.
Pois a mulher nova já surgiu e eu conheço algumas, felizmente.

25 abril 2005



Porque eu dormia e vieram cantar-me que era tudo possível, já. Porque eu sonhava e vieram dizer-me a liberdade, já. E quando acordei de madrugada, dizem - mas pouco, mas nada.

Maria Velho da Costa in Cravo, Moraes editora, 1976

A segunda pele



Talvez consiga explicar melhor
Não é bem a pele
Mas a carne debaixo
O sangue e os corpúsculos da dor
Não bem a dor mas o vazio
Que fica
Quando a dor parece que passou
Não bem o vazio
Mas o momento que antecede o vazio
Quando ainda não percebemos
que era melhor
a pele rasgada a carne viva
o movimento de roda
dentada engrenando
no que talvez seja
a alma ou os gânglios do sistema nervoso
autónomo
Talvez consiga explicar melhor
se ficar parado
aqui

23 abril 2005

O questionário de Leeds


1-Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?Queria ser A Cartuxa de Parma. Não podendo, queria ser Madame Bovary.. Mas o livro que sei de cor é o Gene Egoísta. O livro mais importante que conheço chama-se A Origem das Espécies.

2- Já alguma vez ficaste perturbado por uma personagem de ficção?Perturbou-me o destino da menina de Volailles.

3- O último livro que compraste?
The Human Story, Robin Dunbar

4- O último livro que leste?O Regresso da Tosse Convulsa e O Drama da Vacina da Varicela

5- Que livros estás a ler? A Margem Imóvel do Rio, Assis Brasil; The Naked woman, a study of the female body, Desmond Morris;
Os textos de Blimunda ; Harmada de João Gilberto Noll; O Carvalho

6- Seis livros que levarias para uma ilha deserta?

The Ancestor's Tale: A Pilgrimage to the Dawn of Evolution by Richard Dawkins
A La Recherche du temps perdu, Proust
Crime e Castigo, Dostoiewski
Millenium,do gajo de Barcelona
Os livros de Coetzee
O Quixote, Cervantes
The Oxford Dictionary of Philosophy (Oxford Paperback Reference S.)
Simon Blackburn

7 – Três pessoas a quem vais passar este testemunho e porquê?Ao Rui Bebiano , à , à Cristina que têm melhores escolhas que as minhas, provavelmente.

Segunda Pele

Os que caminham nas serras levam a primeira pele colada ao corpo. Se está frio ela retém o calor. Por cima uma camisa de algodão para onde repassa o suor, no tempo quente. Depois um polar. Se o polar tiver um tratamento, protege do vento nos lugares mais expostos. Depois um casaco impermeável. As calças são largas e apertam no cano das botas. As botas, já se sabe, são fundamentais e as meias não devem ter dobra.

Às vezes és a nova pele que nasce em mim
outras um resguardo que nem noto
às vezes és o vento a chuva benfazeja

21 abril 2005

Ratzinger o Papa

Os relatos que os cardeais inconfidentes fazem da votação de terça feira (ver o Público de hoje)são deliciosos. Pueris, como só podem ser os velhos que cresceram sem a graça das mulheres. Entretanto Ratzinger saíu à rua e beijou duas crianças. Frei Bento Domingues disse que ele era agora um homem inteiramente outro, a quem o Patrono da ICAR, na sua infinita desatenção, se vai tentar concentrar por uns momentos.

Na Sistina

No Colégio Cardinalício decorria a contagem de votos. À terceira vez que Frohberg, o cardeal designado para escrutinador, anunciou o seu nome, Ratzinger baixou a cabeça e permaneceu assim até à aclamação. O cardeal Marco Forlini estava sentado em frente a Ratzinger. Forlini vive no Vaticano e está farto da Sistina porque acompanhou a restauração como delegado do Colégio Para a Preservação dos Santos Lugares Romanos. Nada o distraia do espectáculo de Ratzinger em frente ao seu destino. Quando Frohberg contou cinco vezes seguidas o nome do alemão, Forlini pensou que os reformistas se tinham entendido com os italianos do Centro. Gente sem dignidade, resmungou para o cardeal Guido Tachiani, ao seu lado. Mas a contagem continuava, avassaladora para Ratzinger. Forlini espantou-se de não ouvir o seu nome nem o de Salvio Demetrius, o bispo de Torino, em quem o seu grupo combinara juntar os votos desde que João Paulo deixara de os reconhecer. A certa altura perturbou-se com a idéia de que Deus talvez existisse e tivesse alterado os boletins, escrito o nome do alemão por cima de todos os outros nomes. Ratzinger parecia perdido. O cardeal de Filadélfia disse que ele rezava. Mas o cardeal de Filadélfia estava longe. Se Ratzinger rezava só ele o poderá dizer. Ele e o Patrono da ICAR.

A minha livreira

A livraria está decadente. Já não chegam as novidades. Sabe-se lá porquê, alguns clientes teimam em regressar. No escaparate há cada vez mais Papas, Paulos, Putas. A minha livreira foi destacada para os serviços administrativos, de vez em quando sai de uma porta dos fundos, atravessa a livraria na direcção de uma estante onde faz uns arranjos imperceptíveis e desaparece quase sem se notar. Há tempos que não me guarda nenhum livro, não me mostra com entusiasmo nenhuma novidade. Hoje, quando me viu, nem levantou os olhos. Ficou de lado, como se eu fosse o representante da Editorial Verbo a querer deixar o catálogo do ano. Depois, eu não sei ver quando as mulheres são naturalmente más ou só executam uma discreta vingança, deixou entrever o livro que traz consigo: Equador. Já não gosta de mim. Em que livro a desiludi?

Demora tudo

A pasta de dentes,
o gel de banho,
a manteiga, o pão de forma,
quando se vive sózinho,
a botija de gaz,
o terço entre os dedos,
o calgonite,
demora tudo,
o esfregão da louça,
o fim-de-semana,
o meio-do-mês,
as prestações do carro,
muito tempo,
o aperto do laço,
as dores do período,
o absinto, a ginginha,
as pilhas do transistor,
o alprazolam,
a falta que me fazes,
a acabar.

20 abril 2005

Bento 16 (gosto do 16)

O colégio cardinalício da ICAR é tão previsível como o eleitorado dos cantões suíços ou o Congresso do PCP. Ganha o não, Jerónimo e Ratzinger. O Patrono da ICAR não tem imaginação e prefere não arriscar. O Deus soixante-huitard que soprou ao ouvido dos eleitores da Capela Sistina o nome de João 23, o nome de João Paulo 1, envelheceu e joga pelo seguro. Este século XXI ainda está para durar. O homem que esteve atrás de JP2 vestiu-lhe a roupa. Agora pelo menos sabemos quem escreve os discursos.

19 abril 2005

Lamento da manhã

Mas porque é que me hei-de preocupar? Interessa-me lá se a encomenda da Redoute vem aberta, se o registo está mal preenchido, se a fila tem vinte e quatro pessoas, se os pensionistas só recebem oitenta euros, se o aviso de recepção do senhor Freitas vem outra vez devolvido. Interessa-me, pronto. E acordo de manhã a pensar nisso. Pensar nisso, mais do que estar ao balcão, é uma coisa insuportável. Dois neurolépticos, um ansiolítico, um antimigrainoso e um substituto da nicotina. No que eu me tornei, eu que era tão forte de espírito, tão seguro de tudo, tão fadado para a ajuda e o committement. Os Correios deram cabo de mim.

A Queima do ano passado

- Já reparaste, a Queima das Fitas já foi há um ano.
- Já? Há um ano?
- Quase que não demos conta e passou um ano sobre a Queima das Fitas.
- Passou... Mas o que é que aconteceu de especial nessa Queima?
- De especial? Nada.

18 abril 2005

Morte Peripatética

O Mestre costumava passear com os discípulos. Quando o ar começava a rarear soltavam-se-lhe pensamentos que os rapazes aprofundavam na Escola. Naquele dia a subida era íngreme. Num trecho particularmente penoso um dos discípulos perguntou ao Mestre qual o sentido daquelas marchas peripatéticas e ele falou quinze minutos, sem outra pausa além das que a respiração penosa lhe impunha. Depois caíu. Os esforços dos rapazes para oreanimar foram mal sucedidos. Nunca se percebeu se morreu do esforço físico da subida ou da insolencia da questão.

Marvão

Subi à serra que era um afloramento de quartzitos. Em volta os campos, alguns animais nos céus e outros em terra, construções que os homens foram levantando, caminhos que brilhavam ao sol, a mancha de quercínias. E eu vi os campos em volta, alguns animais nos céus e outros em terra, construções que os homens foram levantando, caminhos que brilhavam ao sol, a mancha de quercínias. E não senti nada nem me lembrei do Caeiro, que nunca foi meu mestre, felizmente.

16 abril 2005

Campanha

Se D. José Policarpo for eleito, é uma prova positiva da existência de Deus.

15 abril 2005

Adições

Um site de poesia:Poetry International

Promessa

O melhor blog do mundo (link ao lado) continua a contar as melhores histórias do mundo. Agora que é público e notório que eles são o melhor blog do mundo já podem contar as histórias, livres do espartilho formal. Nós continuaremos adictos.

Bros não volta? Que se lixe.

O post anterior foi escrito ontem. Como fiz horas extraordinárias na Repartição, e o meu chefe estava de olho no computador, não me apercebi que não tinha sido editado. Hoje reli-o e hesitei em repostá-lo. Não me chega o silêncio da Raposa, o frágil silêncio feminino da Raposa, hoje à beira do desenlace fatal, amanhã nos braços do Aviador? O silêncio do Príncipezinho, que nem sequer é o silêncio monolítico dos homens, porque o Príncipezinho, como é sabido, é um grau 3 na escala de Kinsey? Ainda vou ter de me preocupar com o silêncio do Bostali Bros, que não tem licença de emigração e é um mal agradecido? Que se lixem. E o Bonirre (o Epicurista) também, e a Sofia (a Espartana) também. Descansem em paz com o PC. Eu continuo. Enquanto aquele simpático leitor que se assinava qualquer coisa prócaralho me der o favor da sua comparência, eu continuo.

Bros não volta

Bros não volta. Não devia ter falado assim dele. Nunca abriu o frigorífico de minha casa, na verdade nem sentia a sua presença. A sua fixação era com os livros e com o blog. Bros é um tipo sensível e magoei-o. Eu sei que isto é um jogo. Num jogo pode-se perder sem consequências, amar sem que custe a separação, até se pode morrer e continuar de boa saúde. Num jogo em que escolhemos os parceiros e as regras, ganhamos sempre. Mas não dá luta. Talvez tivesse sido por isso que reparei em Bros na Repartição e o convidei a tomar café. Depois não controlamos todas as variáveis, não é? Lembram-se de 2046? Ou era no Disponível para amar? Os amantes encenam a separação mas a dor dela é real. Enquanto o homem se afasta debaixo de uma chuva luminosa, a mão dela risca a pele e a carne do braço. Vi esta cena doze vezes, em câmara lenta, imagem a imagem, misturando lágrimas com as da mulher. E era cinema, ela uma actriz chinesa em meta- representação e eu um espectador doméstico de DVDs, a última das categorias do consumidor de sonhos. Isto é parecido com cinema. Mas então porque é que tenho saudades de Bostali Bros? Porque é que espero carta dele? Não devia ter sido orgulhoso. Quando me zanguei tinha um álibi. O que detestava nele era a minha imagem. O facto de ele me ter imitado a escrita tinha-a revelado, nos seus tics e repetições, nas obsessões, nos erros ortográficos e de sintaxe, na pretensão ideológica. Um dia o meu melhor inimigo, o meu inimigo secreto e desconhecido, um anónimo a quem fiz mal sem saber, a quem seguramente ofendi, escreveu aqui um comentário em que me retratava tão bem que estive duas horas a lamber a ferida narcísica. Ainda esperei por ele, odioso inimigo privado, mas não voltou. Bostali Bros e os seus textos foram um revelador do meu estilo enjoativo e final. Detestei-o a partir daí. Talvez também tenha pesado o relativo êxito do gajo. Um dia chamaram-me a atenção para, de cada vez que ele escrevia, o site-meter disparar. Tinha ciúmes dos comentários elogiosos que me eram dirigidos. O ciúme é um lenço que se fecha sobre os olhos e a garganta e que não paramos de apertar. Um destes dias escrevi uma coisa chamada O Arquivista. O meu tio H., que quando ouve blog fica oito dias mal disposto, telefonou: -Gostei. Quem é que escreveu aquilo? E o Bonirre: - O Bostali tem a nova password? Fizeste bem. Estava óptimo.

12 abril 2005

Um problema sério

Conheci-o nos Correios. Mandava encomendas para um país distante e as encomendas eram livros. Um dia chegou já com a Repartição fechada, abri-lhe a porta, ajudei ao preenchimento e acabei por sair com ele. Íamos para os mesmo lados, eu moro num bairro operário dos subúrbios, ele alugou um quarto nas casas de renda económica. Falámos de tudo. Deste blog também. Ele tinha muito tempo livre e conhecimentos de informática. Ofereceu-se para tomar conta. Links, imagens, selecção de textos dos blogs favoritos. Instalou-se em minha casa. Lê muito, come pouco e não fuma. Manda mails para a família, com pouco sucesso ao que parece. Conhece a blogosfera como poucos. Mas de maneira peculiar. Chama Grega à Bomba Inteligente e, por antonomásia, Romanas às outras mulheres da blogosfera: Romana Ante Mare, Romana Spot, Romana Magnólia, Romana Carla, Romana Flor, Romana Sombra, Romana Agradecida, Romana a Dias, Romana Gris, Romana Cris, Romana Lerda. Um dia adoeci e estive quinze dias internado no Pavilhão Doze. Ele começou a escrever. Ninguém deu conta. Ele desembaraça-se. Tem um problema com os acentos, tenta imitar os meus temas e a minha falta de estilo. Mas quando se solta, e se liberta do meu fardo, acho que escreve bem. Ninguém deu conta. Excepto o Bonirre, que me vinha visitar e sabia que eu não podia escrever. Um dia que me apanhou acordado disse-me: - Olha lá, deste a porra da password ao teu hóspede? Quando cheguei a casa e vi o que se passava chamei-o :- Mas o que vem a ser isto? Isto é o 2046, o disponível para amar na blogosfera, o que é isto? Ele levantou a cabeça e vi-lhe nos olhos a pessoa horrível que tivera alta do Pavilhão Doze, ansiolíticos a boiar em cocktail lítico. Nunca mais apareceu. Agora como é que vou alimentar esta merda?

11 abril 2005

O problema da correspondência

Quando o Príncipezinho e a Raposa se separaram trocaram cartas durante algum tempo. A meio da Terceira Época da Fome os trabalhadores dos Correios fizeram greve. O Príncipezinho não lia os jornais e julgou que a Raposa deixara de escrever. De cada vez que via um campo de trigo chorava, mas como era muito orgulhoso chorava e não escrevia. A Raposa tinha aprendido que toda a carta tem resposta mas que uma raposa não toma iniciativas. Quando a greve acabou havia muita correspondência acumulada. O carteiro que fazia a distribuição da zona do Príncipezinho era um Fura-Greves. No dia em que a carta da Raposa ia ser entregue, encontrou um Colega Grevista que fora despedido e estava muito magrinho de fome e desemprego. Quando o Grevista viu o Fura-Greves pensou: e se eu lhe desse uma carga de porrada enquanto tenho alguma força? E deu-lhe. As cartas espalharam-se pela rua e foram levadas pelas enxurradas da Terceira Época da Fome. O Príncipezinho podia escrever à Raposa, mas, além do choro, o que o alimentava era um pensamento: o meu silêncio não pode ser inferior ao dela. Foi assim, entre o orgulho e as regras de etiqueta, que acabou uma história tão prometedora. Também, o que é que a Raposa ia fazer com o Príncipezinho?

10 abril 2005

Antologia de O Mal: Ana Cristina César





Sexta feira da paixão

Alguns estão dormindo de tarde,
outros subiram para Petrópolis como meninos tristes.
Vou bater à porta do meu amigo,
que tem uma pequena mulher que sorri muito e fala
pouco, como uma japonesa.
Chego meio prosa, sombras no rosto.
Não tenho muitas palavras como pensei.
"Coisa ínfima, quero ficar perto de ti".
Te levo para a avenida Atlântica beber de tarde
e digo: está lindo, mas não sei ser engraçada.
" A crueldade é seu diadema..."
O meu embaraço te deseja, quem não vê?
Consolatriz cheia das vontades.
Caixa de areia com estrelas de papel.
Balanço, muito devagar.
Olhos desencontrados: e se eu disser, te adoro,
e te raptar não sei como dessa aflição de março,
bem que aproveitando maus bocados para sair do
esconderijo num relance?
Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?
Beware: esta compaixão é
paixão.


Ana Cristina César (1952-1983), in Novas Seletas, Editora Novas Fronteiras, 2004

O Recoveiro



Quando a minha irmã Poliana era pequena pedia coisas estranhas que não existiam na cidade em que vivíamos. Não me lembro exactamente dos pedidos dela: sapatos de ballet, lápis da Caran d’Ache, bonecas falantes? Nem sabíamos bem onde ia ela buscar aqueles desejos. Nós, os irmãos mais velhos, andávamos todos na escola pública e crescêramos entre reguadas, Salve Marias e as paradas dos lusitos. Ela era a única a estudar no Colégio e talvez as meninas das famílias do Norte, cujas famílias estavam de passagem e habitavam as grandes moradias das Avenidas do Centenário, tivessem objectos daqueles. Se por um acaso que não recordo, alguma vez a cobiça nos levou a imitar os seus pedidos, faltava-nos a imaginação para formular pedidos coerentes. Nem imaginação era coisa que os nossos pais esperassem de nós. Por um capricho que sempre aceitáramos como natural, o Pai tinha interrompido a austeridade no momento em que a nossa irmã acedera ao dom da palavra. Brinquedos e roupa estranha, telas e pautas, eram atributos de um mundo feminino, das mulheres do Norte e dos Colégios, que na nossa família se inaugurara com a chegada da Poliana. À noite, no quarto dos rapazes, chegámos a pensar se ela era mesmo nossa irmã, ou se os nossos pais a tinham recolhido nalguma caravana de refugiados a caminho da América.
As colegas da minha irmã tinham nomes estranhos, da primeira dinastia, sobrenomes com hífen, e nós pensávamos que, mais do que das cidades do Norte, eram estrangeiras,.
Aos pedidos da minha irmã o meu Pai costumava responder: - Para a semana, quando vier o Recoveiro do P. (P. era a maior cidade do Norte), eu encomendo-lhe. E não deixava de cumprir.
O Recoveiro gozou sempre, lá em casa, de um estatuto superior ao do Menino Jesus, do Pai Natal ou do Humberto Delgado. Recoveiro era uma palavra paterna, designando um homem certamente bondoso e viajado, que o Pai encontrava e a quem fazia encomendas. Tudo de que precisávamos se comprava em lojas que conhecíamos: a papelaria do senhor Brandão, a livraria da Menina Alice, a mercearia do senhor Serafim, a sapataria do Carlinhos, a discoteca do Neves, a casa de equipamentos desportivos do senhor Fernandes, que também vendia fardas e chapéus. Aquilo de que a Poliana precisava, pedia-se ao Recoveiro. O Recoveiro não tinha nome, e na ordem dos Recoveiros, o maior era o Recoveiro de P. Não inspirava temor nem devoção. O Recoveiro era. E o Pai o seu profeta e interlocutor. Nunca nos passou pela cabeça vê-lo, muito menos querer conhecê-lo.
Depois crescemos, a minha irmã passou a ir às compras, esbateu-se o mistério da vida. Um dia viajámos todos à cidade do P. , que tinha pontes com nomes de reis e era grave e imperscrutável. Almoçámos num restaurante com serviço Christople, criados de uniforme e pratos com comida desconhecida. Talvez o senhor que comia sozinho na mesa do fundo, e à saída veio cumprimentar, fosse o Recoveiro.

Silêncio



De repente parece-me
que se calaram todos
(e tu também Sofia).
Talvez estejam só a sussurrar
e mal vos ouça.
Será assim o fim dos ciclos?
Fragor e fúria
só para os vindouros?

09 abril 2005

Blasfémia: Contributos para o debate sobre a existência de Deus

Se o Deus da ICAR existisse já tinha aparecido num reality show.


(alterado às 07:45h de 09/04)

08 abril 2005

Elogio da ICAR, desapontamento com o Patrono

O negócio da ICAR é a morte. E o vosso medo da morte. E o vosso medo. Não tenho nada contra. Acho até que a ICAR do século 21 administra bem o seu poder, sem proselitismo excessivo e com algum bom senso. É talvez a gerontocracia mais equilibrada da história moderna. Enquanto as massas se acotovelam nas ruas do Vaticano não assaltam os palácios de Inverno, nem saqueiam os supermercados. E trata-se de uma comoção sincera, pacífica, que não é virada contra ninguém, que nos reconforta com a nossa condição, que se processa em zonas muito limpas do SNC e nos faz sentir melhores. Na escassez de milagres em que vivemos temos que nos contentar com estas coisas. A relação dos homens com os deuses foi sempre, aliás, muito desigual. À pompa e brilho com que a ICAR organiza estas cerimónias responde o Patrono com a habitual frieza.

Alegria

Nem Deus nem Mestre. Mas este é o mestre que não renego. Ele escreve sobre a circulação do último meme da ICAR

"Ensaio neuroquímico

A Natureza tem horror ao vazio. Os neurónios têm receptores para mediadores que o próprio organismo produz (endorfinas), que atenuam a dor e medeiam o bem estar e a felicidade. A endorfina era o suco dos frutos do paraíso, excepto a maçã amargosa; depois, ficámos condenados a produzi-los com o suor do nosso rosto – a fé, o amor, a arte, a amizade, a confiança e a convalescença.
Na sua falta, os receptores ficam ávidos de sucedâneos – morfina, memes ou outros ismos viciantes.
"

Preocupação

Com o time off da Margarete

07 abril 2005

Ana Paula Inácio cantada pelos NA/FA

Os milagres acontecem. Maria Antónia Mendes dos NA/FA canta Ana Paula Inácio (Columbia, 2004).

NA/FA - canções subterrâneas

Estejam atentos que os quatro da NA/FA andam em tournée nacional. A música de Luís Varatojo (guitarra portuguesa), João Aguardela (baixo), Vasco Vaz (bateria) e Maria Antónia Mendes (voz)para poemas de Rui Pires Cabral, José Miguel Silva, José Mário Silva, Ana Paula Inácio e Carlos Bessa. Um projecto de risco cheio de bom gosto, sensibilidade, talento, humor e alegria.

06 abril 2005

O meme JP2 : da ICAR para os vossos cérebros

A ICAR agarrou bem a oportunidade. Com o Ocidente tão deserto de figuras de referência, de homens ou mulheres que o povo possa amar, o meme JP2, o Grande, demonstra enorme capacidade infecciosa.

Menina ao acordar

Começa sempre o dia
com água na cabeça

e com os lábios longe
de língua que a mereça.

Changes

Como é que mudam os ciclos do mundo? Os grandes ciclos que duram centenas ou milhares de anos e os pequenos ciclos neles inscritos? Quando os guerreiros de Maomé II entraram a cavalo em Santa Sofia sabiam que estavam a inaugurar a Idade Moderna? E Pizarro ao derrubar Atahulpa? Mas um ciclo pode começar ou iniciar o seu declínio por um ínfimo acontecimento: as mulheres de um bairro de Nápoles que decidem deixar de cozinhar, meia dúzia de pessoas que começam a reunir-se todas as semanas numa praça de Dresden, gente silenciosa nas noites de Buenos Aires a olhar o Cruzeiro do Sul. Nem sempre percebemos a mudança. Podemos viver uma existência inteira no vórtice da revolução uma vida insípida. Hoje vi o anúncio do Pepe Jeans num outdoor e compreendi que os tempos estão a mudar: o calção da rapariga deixa ver a coxa até à prega e, mesmo rente ao grande lábio, a clara convexidade do ventre.

Dois anos escaldantes

As notícias importantes chegam tarde a Ubatuba. Parabéns, Charlotte.

05 abril 2005

Carecas em Ubatuba

O que chama a atenção, ao fim de poucas horas, é o elevado número de homens de cabeça rapada. Cabeças de três dias, cabeças cuidadosamente escanhoadas, cabeças enceradas, luzidias. Em algumas horas nocturnas a cidade brilha, mais nos reflexos das cabeças dos seus habitantes do que nos seus encantos naturais. A maioria destes homens são jovens e não podemos deixar de associar o esmero do crânio ao relevo muscular dos braços, à saliência dos peitorais. No café livraria eram quase todos e pensei que afinal a tonsura radical era uma marca de interesse intelectual. Mas à medida que me aventurava pela cidade, percebia que a careca integral atravessava os grupos sociais, as raças e as etnias. A careca parece ser um salto para a frente, uma marca paradoxal de neotenia. Se a calvície ameaça onde ela começa, ocultemo-la com a sua exibição total. O couro alopécico de recém-nascido transforma os homens em gigantes microcéfalos. Um duplo sinal enganador que desperta, no inconsciente das mulheres o efeito testosterona e o efeito oxitocina. Ao lado dos cabeças rapadas há uma legião de figuras inclassificáveis. A uns chamarei enrugados. Disseram-me que são jovens que à primeira ameaça de ruga decidiram fazer um tratamento no colagéneo que promove instantaneamente uma cutis laxa. E há os homens tigres, tatuados com manchas senis. E os que ostentam o pin I de impotentes, que à primeira nega se cortaram. E parques inteiros de paraplégicos, cegos, surdos, todos completamente surdos e cegos e paraplégicos após a primeira falta de força, a primeira dioptria, a nota falhada. E todos bronzeados, imensamente sorridentes e amáveis, todos treinando nas academias de primeiro andar durante o princípio da noite para depois, em Ubatuba, enganarem os que têm medo de adormecer em Ubatuba.

04 abril 2005

Sonhos (2)

O meu pai tinha um livro de um Frantz Fanon, combatente dos movimentos de libertação, cujo título era Les Damnés de la Terre. Fanon dizia que os colonizados se libertavam todas as noites, nos seu sonhos. No Brasil, em Minas Gerais, sonhei o sonho das senzalas, onde a África e a América se fundiam e confirmei que nenhum escravo tinha algemas ou peias. Os doentes curam-se. Os desacertados dançam um tango de estontear. Foi em sonhos que Bonirre aprendeu a quebra de anca que lhe fugia nas aulas de dança de salão. Os melhores textos dos surrealistas foram sonhados - e infelizmente perdidos ao despertar. Nas terras em que há poucos brinquedos, os meninos recusam acordar, para brincar um pouco mais com a camioneta de lata, a retro escavadora. Ciclismo, skate, patins em linha, prancha a vela, sky, é em sonhos. É em sonhos que os alunos nos ouvem como nos anfiteatros dos filmes americanos. É em sonhos que os beijos não acabam. Quando me sonho no balcão dos Correios as cartas são todas de boas notícias e o ambiente é o de um musical ingénuo.
Um dia chega que nos sonhamos como somos. E há uma cidade no litoral paulista, uma cidade à superfície amável, onde a realidade se torna sonho, e finalmente nos vemos, não em espelho, nem face a face, mas pior. Sonhamo-nos como os outros nos vêm. Chama-se Ubatuba e a maldição começou quando em 1536 José de Anchieta quis converter os tupinambás e duvidou do bem que lhes trazia. Esta noite vou dormir em Ubatuba e é por isso que vos estou a contar tudo isto.

Sonhos (1)

Somos sempre campeões nos sonhos. Costumava voar. Voar é facílimo desde que se consiga descolar. Quase todas as semanas voava. Preparava o impulso e o peito ficava levíssimo, os braços alinhados com o corpo, as pernas juntas como uma cauda e o corpo planando na direcção dos ventos. Os ventos quase sempre sopravam para o lado do Colégio das Meninas. Voava até ao Colégio das Meninas, até às camaratas do último andar, dormia com a Maria de Deus, a mais bonita, na cama apertadinha dela, e saía de manhã, antes das outras internas acordarem e da Irmã Imaculada tocar a despertar. Na Invasão dos Bárbaros, um homem conta que desde miúdo sonha com uma mulher que se banha nas águas de uma praia. A mulher é sempre a mesma, só as roupas mudam com o passar dos anos. Ele sabe que morrerá quando essa mulher desaparecer do seu sonho. Eu estive sem voar um mês seguido e pensei que tinha morrido. Até que uma noite voltei a ser capaz. Voei por cima do olival, da mata cerrada, da torre do seminário. A Maria de Deus já não está no Colégio das Meninas, não vale a pena subir à camarata.

02 abril 2005

Antologia de O Mal: Ana Cristina César

I.
Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil concentrar-me ao ver seus bicos. Então rabisco as folhas deste álbum. Poética quebrada pelo meio.
II
Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos poetas pensados no meu seio.


Ana Cristina César nasceu no Rio de Janeiro e viveu entre 1952 e 1983. O texto foi retirado do livro Novas Seletas de Ana Cristina Cesar, Novas Fronteiras, S. Paulo, 2004

JP2 da ICAR



Ele terá escrito, na sua cama do Vaticano: "Estou pronto. E vocês estão prontos?".
Nós estamos prontos. E alegramo-nos por vocês também estarem.

01 abril 2005

Livraria, diz: Ouvidor em BH

Livraria, diz: A Quixote em BH

Lançada em setembro de 2003 a nova livraria e café Quixote trouxe para a região da Savassi, em Belo Horizonte (MG), um movimentado ambiente de lazer e cultura. O espaço conta com um acervo de dez mil títulos, entre literatura e material acadêmico. O local conta também com uma cafeteria, ambiente agradável e aconchegante para se apreciar com tranqüilidade uma boa leitura. A Quixote está localizada à rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, Belo Horizonte MG.

Livraria, diz: Livraria da Travessa, Rio de Janeiro e BH


Rio de Janeiro

Belo Horizonte

A Lição de Coetzee

Nos anos sessenta, o jovem narrador Coetzeeano estava em Londres, vindo da Cidade do Cabo. Tinha vinte anos, vivia num quarto de uma rua sem qualidade, trabalhava para a IBM e continuava a sua pesquisa académica e a sua procura pessoal. Ele tinha abandonado a África do Sul um dia em que viu, saído não se sabe de onde, um exército de negros em armas gritando:
- Os brancos ao mar, os brancos fora de África. Em Londres ele esperava escrever poesia e encontrar uma mulher. As duas coisas por que ele esperava podiam estar associadas. A mulher por quem esperava devia reconhecer, na profundidade de si próprio, o poeta que duvidava ser, e amá-lo por isso, pelo reflexo do seu âmago indeciso nas águas turvas da superfície. Os encontros eram decepcionantes. O jovem narrador Coetzeeano era provavelmente uma pessoa horrível, não se apaixonava, as mulheres fascinavam-no mas ele não as apreciava. Quando pensou que era homossexual achou o sexo com um homem uma covardia, um arremedo. Mas não desistiu. Em nome do seu desígnio obscuro e da lição de Baudelaire e de Rimbaud, de Pound e de Eliot, cortou com a família e com a pátria. Recusou empregos. Passou privações. Ele sabia que não podia comprar casa a prestações, aceitar emprego estável nem responsabilidades a médio prazo. Talvez a profundidade do narrador Coetzeeano fosse apenas aquela predestinação cega, talvez aquela angústia diversa da de Antonioni da de Bergmann,ou do Angst centro-europeu, não fosse coisa que uma mulher pudesse amar. Talvez a poesia tivesse morrido no seu peito. Que importa. Podemos hoje sangrar da sua escrita.

Agora que ele veio

Tem três dias. E já é O Melhor Blog do Mundo.

Fruta da época

"Devem ser oferecidos numa cesta de prata ou em taça de cristal, forrados com folhas verdes....”

BOAS MANEIRAS - Manual de Civilidade, Carmen d'Ávila (1936)

Há-os silvestres e nórdicos, impregnados de gravitas, há-os libertários numa mistura com chocolate cubano, estes, os de ontem, não se ofereciam em DVD, mas em caixas manhosas de papelão reciclado e sabem a super-gorila com sabor a morango.

André Bonirre

Adições

La Force des Choses, de CBS e Castor.