31 dezembro 2003

Nem um sinal por ti

Vocês foram generosos para o Mal. Leram-nos, falaram connosco, falaram de nós. Alguns de vocês escreveram comentários, essa guerra que se perde sempre contra o ennetation. Mandaram-nos mails, sms, cartas, encomendas. Nós gostamos tanto de vocês.
Uma tarde de verão, no nosso mail, estava um recado do escritor de Barcelona que dedica os seus livros a Paula de Parma. Convalescente do mal de Montano, julguei merecer aquela distinção.
Só tu não vieste. Eu entendi o teu silêncio para o Inimigo Rumor. Esperei todos os dias da minha cela por um sinal teu. Em cidades várias, os meus amigos compraram os teus livros. Até o Humberto, tão reticente na adesão aos meus entusiasmos literários, te encomendou na livraria a que é fiel. Que os teus livros, raros, são mesmo de encomenda. O Verão passou sem que a minha irmã e o André Bonirre te encontrassem nos túneis do Pico, um dos sí­tios onde o alferes Maltë pergunta: então é aqui que se vive?
O meu amigo influente prometeu convidar-te para o Palácio, a pretexto de um acontecimento cultural. Mas até ele falhou nessa investidura. E o adido cultural, e o pediatra de Angra.
O tempo passou. Tu não escreveste mais. Não disseste sequer que estavas viva, um poeta mais desgraçadamente ágrafo, mas vivo. O Zé Mário, delicado: Talvez ela não queira ser encontrada. Eu percebi. Desde os quinze anos que aprendi a reconhecer as mulheres que não querem ser encontradas por gente como eu. Mas qualquer coisa em mim me dizia que quando te esquecesse, quando nem os nomes dos teus livros recordasse, nem um verso teu me queimasse os lábios, nem o teu nome me toldasse, esse seria o dia de um sinal teu, da tua suave epifania. Passaram os dias. E agora passam as últimas horas do último dia. E tu não vens, nem um sinal por ti, Ana Paula Inácio.

Inventou-se

Um corpo vigia as palavras de azedo molhadas,
inventou-se um sorriso.

A Natureza mutante do Mal

Tantos blogs a mudar o visual. Gosto do novo Aviz, do tipo de letra, dos links à esquerda, da ocupação do espaço. O Socio[B]logue continua soberbo. As Terras do Nunca estão lindas. O BDE2 e o Barnabé também. O Mal tem que mudar em 2004.

Stand-up comedy sobre livros e literatura com Ricardo Araújo Pereira

Como se previa foi a vitória da inteligência, da cultura, do humor, do bom gosto. Eu não consegui encontrar o português do ano quando fiz, com as minhas várias famílias, a ronda pelos personagens do ano, preparando o post do passado domingo. O português do ano é este Gato Fedorento, este Inimigo Público, este guionista, este comediante. E não digo mais ( a Zazie sabe).

Política- Personalidades do Ano

Daniel Oliveira foi esmagador. Pedro Lomba assegurou a derrota da direita no debate. Mas não me apetece falar de política. Nem vou reproduzir um insulto injusto a Maria de Lourdes Pintassilgo, que o autor não repetiria se aprofundasse um pouco mais o tema.

Nuno Costa Santos e João Miguel Tavares escolheram o melhor do ano na Baixa Cultura

Cimêncio, o nome que o Luís Gouveia Monteiro cunhou para os "relatos não neo-realistas" dos subúrbios (Fenda); Vincent e Van Gogh, uma BD da Witloof ( para os que não sabem, uma editora de Coimbra que publica a melhor BD do mundo em edições cuidadas e tem uma loja de venda na Rua de Montarroio). E ainda As aventuras de Kavalier e Clay, que foi Pulitzer da Gradiva, Escrítica POP do MEC (distribuído com a Blitz); e a poesia de J. Gomes Miranda e Manuel de Freitas.
Nuno lembrou ainda o Prémio Camões deste ano, Ruben Fonseca e o Nelson Rodrigues, que a blogosfera ajudou a descobrir.

Leitura Obrigatória: José Mário Silva e Pedro Mexia

apresentaram as suas escolhas do ano. O Zé Mário começou com Juan Rulfo, já sabíamos de ali. Stephen Crane, de quem a Antígona editou O Monstro ("e a Antígona está a publicar Orwell,no seu centenário"); Os Contos de Nabokov, o último livro de Gonçalo M. Tavares (assim "chegado ao primeiro círculo da excelência"). O Pedro citou Mystic River, a tradução de A Odisseia, A Literatura e os Deuses, o livro de Maria Filomena Molder sobre Filosofia, e os dois últimos Nobel da literatura, entre outros.

É a Cultura, estúpido!- Ùltima edição de 2003

Anabela faltou. Não havia nenhuma mulher na mesa. Foi Nuno Artur Silva a entrevistar o escritor convidado. Nuno, não tinha lido a "Fantasia...", confesse.
Pedro Mexia e José Mário Silva tinham. Fizeram comentários e perguntas inteligentes às quais o escritor respondeu de forma a não convencer nenhum leitor hesitante sobre os prazeres que poderia retirar do livro festejado.
Nuno recuperou e esteve muito bem como moderador.
Não me lembro de nenhum sítio onde as mulheres tenham feito tão pouca falta, como ali, no Jardim de Inverno do S.Luiz, cheio para a iniciativa das Produções Fictícias.

30 dezembro 2003

Convidado: Mário de Carvalho, autor do romance"Fantasia para dois coronéis e uma piscina" (Caminho)

O começo foi um pouco decepcionante. Com todo o respeito pelo escritor Mário de Carvalho tenho muita dificuldade em distinguir aquilo que estivémos ali a fazer e a conversa dos utentes na fila do centro de saúde. Para ele, uns praticam uma insuportável tagarelice, que tem impedido o desenvolvimento do país, enquanto outros filosofam, como os clássicos saídos das respeitáveis lombadas, no romance de Vergílio Ferreira Para Sempre. Não estou tão seguro de que exista uma diferença qualitativa entre as duas formas de comunicação. Em todo o lado se pode filosofar. E contar a vida, como com pouco brilho ele caracterizou as conversas da fila da consulta, pode ser para muitos, o único exercício filosófico disponível.

Si vas a decir lo que quieres...

Con declaraciones como ésta, así nos va. Por supuesto, estoy dispuesto a hacer lo que sea necesario (aunque esto suene innecesariamente melodramático) para que ese escritor resabiado pueda hacer esta y qualquier otra declaración, según sea su gusto y ganas. Que cualquiera pueda decir lo que quiera decir y escribir lo que quiera escribir y además pueda publicar. Estoy en contra de la censura y de la autocensura. Con una sola condición, com dijo Alceo de Mitilene: que si vas a decir lo que quieres, también vas a oír lo que no quieres.

Roberto Bolaño in Los mitos de Chtulu, El gaucho insufrible

O gaucho insufrível

El gaucho insufrible, o livro póstumo de Roberto Bolaño na Anagrama, suspende a literatura. Antes de o lerem não é conveniente continuarem a escrever. Depois de o lerem não é certo que continuemos a escrever. Da maneira como o fazemos, pelo menos.

Vómito

O Daniel Oliveira faz um post cândido sobre o tema do dia nos telejornais formulando votos para que o balanço seja feito e que tenha consequências na Casa Pia, nas estruturas de apoio às crianças, no poder político que as tutela, nos tribunais, no M.P., e na comunicação social. Por um estranho desvio da razão que deve ter a ver com aquela questão mal resolvida com o partido da Dª. Odete, o Daniel Oliveira chama ao post Superioridade Moral. Oh Daniel, faça lá os votos que entender necessários, mas não fale nas crianças, por favor. O seu post ou é ingénuo ou o Barnabé está a a treinar-se para as próximas legislativas. Sabe onde estão as crianças dessas instituições a estas horas? Peça a uma Comissão Parlamentar para fazer uma visita surpresa, entrar nos quartinhos e levantar os cobertores. Nós pagamos as horas extrordinárias dos nossos representantes.

29 dezembro 2003

Leiam em castelhano, porra!



W.G.Sebald; Roberto Bolaño; Alan Pauls, os dois últimos livros de Vila-Matas. Se ninguém investe na tradução comprem em castelhano, oh leitores lusos. Se ofendi alguém, peço desculpa.

Los Inolvidables de Babelia

Dezoito críticos de Babelia, o suplemento de sábado de EL PAIS, escolhem os dois títulos inolvidáveis do ano, em ficção. O mais citado é Paris no se acaba nunca de Enrique Vila-Mata (Anagrama), un libro esperanzador sobre una generación que siempre se duele, diz María José Obiol.
El gaucho insufrible (Anagrama), o livro póstumo de Roberto Bolano, é também aclamado. Enrique Lynch, que habitualmente faz a recensão de textos científicos, recomenda Bolano antes que a estupidez literária o converta num escritor de "culto". Mas que mal pode a estupidez literária fazer a um vagabundo, inaceitávelmente morto, morto ou matado?, aos 50 anos?
W.G.Sebald de quem a Anagrama publicou Sobre la historia natural de la destrucción, um livro que aborda a decisão aliada de bombardear as cidades alemãs na 2ª guerra mundial; Alan Pauls com El Pasado e os portugueses Lobo Antunes e Vergílio Ferreira (Até Sempre foi publicado em Espanha em 2003 ) são outras das escolhas.

28 dezembro 2003

Palavras guardadas

Palavras guardadas, sem posição ou tom nos dias são colecção de perdas. Ou parcelas de silêncio a combinar sonhos, valem o que não fomos.

Adivinha: This Little Piggy Went To Market


Em 1996, Damien Hirst colocou dois porcos em tanques de aço e vidro e chamou a esta clausura "This Little Piggy Went to Market, This Little Piggy Stayed at Home". A questão é : Em 2003, Jorge Figueira considerou esta "dilaceração" como um contributo a quê?

O(a) vencedor(a) tem como prémio um exemplar de SMS:SOS, A Nova Visualidade de Coimbra, edições ASA/ Coimbra Capital da Cultura (expurgado do capítulo Crise de 1969/1969 Crisis escrito por Alberto Martins/written by Alberto Martins) que pode levantar na XM, Escadas do Quebra Costas. O PC (aquele gajo dos ABA) está excluído, tal como a gente da Janela (sabem sempre tudo, não é?).

O blog do ano 2003

Blog d'Esquerda (1 e 2) e Dicionário do Diabo

O acontecimento do ano

A explosão da blogosfera em Portugal

A destruição do ano:

Da RTP2, da TSF. A ocupação da comunicação social pública e privada pelo bloco político no poder.

A vergonha:

dias de Março- a invasão do Iraque pelas forças armadas americanas e inglesas com o apoio de Portugal.

Alguns dos que nos vão fazer falta:

Sérgio Vieira de Mello.

Manuel Vasquez Montalbán
Edward Said
Maurice Blanchot

A jornalista do ano:

Ana Sá Lopes (Público)

O acontecimento literário:

A atribuição do Nobel a J.M. Coetzee

O acontecimento económico:

A venda da Somague aos espanhóis;
o verdadeiro negócio por detrás do TGV (3ª travessia do Tejo e construção de nova estação);
a captura da caixa de Pensões dos CTT por Manuela Ferreira Leite

O programa de TV:

Saia Justa (GNT)

O programa de rádio:

Intima Fracção, ou o que resta, agora, aqui.

O acontecimento desportivo:

A vitória de Carlos Sousa no campeonato do Mundo de Todo Terreno;
A vitória de Gustavo Lima no campeonato do Mundo de vela (em laser);
A perda da America’s Cup para Valência;
O inexorável declínio do futebol português;
A extinção do grupo de basquete da PT, após três anos de vitórias consecutivas.

O livro:

Os livros de Manuel de Freitas (Averno, Assírio e Alvim);
Os Livros de M. António Pina (Assírio e Alvim);
A Respiração Assistida de Fernando Assis Pacheco (Assírio e Alvim);
A Realidade Inclinada de Carlos Alberto Machado (Averno);
Vista Para Um Pátio de José Miguel Silva (Relógio D’Àgua);
Armas, Germes e Aço de Jared Diamond (Relógio D’Àgua);
Diário de um Fescenino de Rubem Fonseca (Campo das Letras)
A tradução da Recherche, de Proust, por Pedro Tamen
As reedições de Carlos de Oliveira e de Sophia.

A actriz:

Julianne Moore em Longe do Paraíso de Todd Haynes

O actor:

Javier Bardem em Às Segundas ao Sol

O filme:

Às segundas ao Sol de Fernando León de Aranca;

Mystic River de Clint Eastwood;
Adeus Lenine de Wolfgang Becker;
As Invasões Bárbaras de Denys Arcand

A música:


The Living Road de Lhasa (Tôtoutard/Warner Fr.) ;
Cuckooland de Robert Wyatt (Ryko/Edel);
Quelqu’un m’a dit de Carla Bruni (Naive/EMI);
os discos da etiqueta Maxjazz, sobretudo Renée Marie em Live at the Jazz Standard;
Alegria de Wayne Shorter (Verve)

O teatro:


Tiny Dinamyte dos Paines Plough & Frantic Assembly, UK;
Leave no Trace dos Third Angel, UK

A dança:

Silicone Não, Teatro Viriato (Paulo Ribeiro/Jacinto Lucas Pires);
Cocina Erótica, Company, Argentina.

O melhor de 2003

Já sei que muitos de vocês não gostam de balanços, nem de escolhas deste género. Para isso bastam as revistas e os jornais. Além do mais, não tendo feito um registo sistemático do que aconteceu podemos ter esquecido aspectos importantes.
Mas nós pensamos que a blogosfera é um espaço onde é preciso arriscar, polemizar. E que risco maior do que revelar as nossas preferências?
Com a ressalva de que se trata da visão de provincianos, com acesso limitado à maior parte das coisas da cultura, e com o tempo limitado pela vidinha, aí vão as escolhas de A Natureza do Mal.

27 dezembro 2003

Palombella rossa

Afinal há milagres. Um deles, posso testemunhá-lo, está aqui e é escrito pelo Manuel.

Seis meses

Foi a 27 de Junho, às 17h, que a Sofia iniciou a edição de O Mal.
Pouco depois, lançou, de uma assentada, o repto, o mote e a bandeira: "Hoje digam "amo-te" aos amantes. Façam valer a pena as palavras. Ou não."

Desde esse dia que não temos parança. Nós e vocês, nos semblables, nos frères.

A Natureza do Mal

26 dezembro 2003

Agora dormem

Agora os meninos adormeceram e nós pensamos: se sorriem, nos seus sonhos, é porque são felizes. Esquecemos que só há desejo certo numa infância de escassez e tardes longas. Este é o tempo em que falta sempre qualquer coisa, alguém. Podes voltar ao Continente, a correr, na tua pausa de almoço comprar a prenda que faltara à imprecisa lista dos meninos. Não há dique para a insatisfação, nem teto para os sonhos instantâneos. O lixo circula agora livremente pelas ruas dos bairros afluentes. Só o teu amor dura. Um dia ela vai perceber.

Antologia de O Mal: Fernando Assis Pacheco

O dia em que nasci meu pai cantava
versos que inventam os pastores do monte
com palavras de lã fiada fina
cordeiro lírio neve tojo fonte


esta é uma velha história de família
para dizer como ele e eu chegámos
à raiz mais profunda do afecto
da qual nunca jamais nos separámos

nem Deus feito menino teve um pai
que o abraçasse e lhe cantasse assim
desde a primeira hora até ao fim

fui vê-lo ao hospital quando morria
olhos parados num sorriso leve
tojo cordeiro lírio fonte neve

Fernando Assis Pacheco in Respiração Assistida, Assírio Alvim, Lisboa 2003

25 dezembro 2003

A recolha do luxo

Alguns jogos estragam-se antes das crianças terem tempo para brincar, os livros não são lidos, não há dedos, nem dias, para tantos anéis. Não há tempo para o desejo. O lixo não cabe nos contentores. Como nos outros anos.

24 dezembro 2003

24 de Dezembro

Hoje vou passar pelos que amo. Provar rabanadas, sonhos e bolo rei. Trocar coisas e ao fim do dia, ao pé de dois olhos espantados numa janela que foi minha, esperar que o Pai Natal venha do céu. Sentimentalismos fora, o Natal é um cantinho bom do ano, um aconchego.

Os livros seguram a reunião.

23 dezembro 2003

Protejam-se dos afectos

Comemoremos. Com prendas, cordiais, e rabanadas. Não calemos o que deve ser dito. Nem nada do resto. Falemos, falemos sempre. Os nossos mortos aproveitam-se dos silêncios para aparecer. E nós não sabemos guardar-lhes o lugar à mesa sem inspirar receio, estranheza, piedade. Ah, e as crianças. Não devemos fazer sofrer as crianças. As crianças devem crescer no grau máximo de inconsciência. Nós somos peritos em construir cenários de felicidade. Não é este ano que esbanjaremos os nossos créditos. Comemoremos pois. E misturemos as palavras e os corpos, se for apropriado.
Mas dos afectos temos que nos proteger. Essa coisa complica tudo ainda mais. Sejam lá o que forem, dão ressaca. O inverno ainda é longo. E teremos que voltar, com uma cara que não nos comprometa a temporada.

22 dezembro 2003

Antologia de O Mal (Para a Sarah)

A ferida

Real, real, porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um mometo, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?

Manuel António Pina in Os Livros, Assírio Alvim, 2003

No Natal comprem livros, porra!

Prendinhas para a famí­lia e para os amigos. Comprem livros, porra. Mas Vista Alegre, não. Equador, já toda a gente tem. Lobo Antunes? Só se for para o Saramago. Com garantia de que vai ler. E vice-versa. Meia-noite? Eu não leio escritores que se deixam fotografar de cócoras para o sor zé manel furnandes. Cuidado com as Antologias. Os mercenários da cultura fazem colheitas de natal. Dêm 4,9 euros a um arrumador que sempre sabem o destino. Ou vocês conhecem a ajuda do berço?
Humildemente vos deixo algumas sugestões:

1. Coetzee, claro. Enquanto não vem Elisabeth Costello e as suas conferências no Altona College de Williamstown, Pennsylvania, dêm As vidas dos Animais, Temas e Debates, 1ª ed. Maio de 2000. E a propósito, leiam a reflexão de Peter Singer e, antes de sermos de novo submersos pela cacofonia

2. Ética Prática, de Peter Singer, da Gradiva, col. Filosofia Aberta, 1ª ed. Março de 2000.

3. Vila-Matas, Paris no se Acaba Nunca, Anagrama, 2003

4. Literatura latino-americana. Roberto Bolaño, El gaucho insufrible ou Amberes;
Alan Pauls, El Pasado ; Ricardo Piglia, Respiración Artificial, todos na Editorial Anagrama, Barcelona.

8. Richard Dawkins, O Rio que Saí­a do Eden, Uma perspectiva darwiniana sobre a vida, na Rocco- Temas e Debates, 2002

9. Spoon River, Uma Antologia de Edgar Lee Masters, tradução e prólogo do José Miguel Silva, na Relógio D'Água, 2003

10. Poema do manicómio de Mondragán de Leopoldo Maria Panero, edição bilingue da Alma Azul, fevereiro de 2003

11. Dêm poesia, claro. Manuel de Freitas, tudo, não esquecendo os poemas publicados em Telhados de Vidro e na PERIFÉRICA. Rui Pires Cabral (Praças e Quintais); José Miguel Silva; Pedro Mexia, claro; Bernardo Pinto de Almeida, Marin, na & etc; Manuel António Pina, Os Livros, na Assírio.

17. Um livro de fotografia de Duarte Belo, Uma Espada Trespassa o Coração, Assírio, 2003.

18. Um policial de Bernard Schlink, Neblina sobre Mannheim, da ASA

19. E se nada disto vos apraz, Bardamerda, de Autor-Anónimo, & etc, Julho de 1999 do qual recolho o pequeno poema sem título com que vos deixo:

Tinha um cu admirável,
embora- de perfil-
lembrasse decididamente
o descuido mís­tico
do último Heidegger

SÓ ENTRA SE VIER ÀS FATIAS

Voltei à Penitenciária
disfarçado.
Era de noite, e no primeiro pátio,
aproveitando a escuridão,
entreguei o teu B.I.
ao controle laxo da Cultura.
Devias afinal
Ser parecido comigo.
A funcionária eventual, já quase
sem contrato,
registou os teus dados,
sem suspeitas.

Eram já muitos os convidados,
todos com ar de vítima inocente.
E no meio deles, à paisana,
a segurança.
E entre eles, Vincent,
o meu inimigo de estimação,
bêbado de tanta denúncia e
distraído.

Uma mulher de couro fino,
apontou-me os mamilos
como dois faróis.
Os meus metais soaram,
sinais de alarme.
Mas ela, condescendente, disse:
São moedas, e passei
ao controle seguinte.

A psicóloga reconheceu-me.
Segredou-me: Espero
que venhas em paz.

O coração batia-me
os tambores do pânico.

Passei assim o primeiro portão
de grades,
e o chão forrado
da casca dos pinheiros
abafou o ruído dos meus passos.

Estava a fugir para dentro
da cadeia.
Os polícias não estavam treinados para
um disfarce assim.

No terceiro controle
o rapaz muito alto, que vende
candeeiros na cidade,
atraía as atenções
a meu favor.

Era já o túnel onde
começa a peça.
Voltara à cadeia.
Inteiro.
Apresentavam-se os reclusos
ao respeitável público.
515 era o meu número.
Mas estava sepultado
nos arquivos.
Dali prá frente
a minha luta era com o Kowalski
e os meus fantasmas.
Para essa, tinha-me vindo
a preparar.

21 dezembro 2003

SÓ ENTRA SE VIER ÀS FATIAS

Encenação Andrzej Kowalski
Interpretação Grupo de Reclusos do Estabelecimento Prisional de Coimbra
17-20 de dezembro
Estabelecimento Prisional de Coimbra
Este projecto de trabalho de construção de um objecto de teatro com os reclusos do EPC, pretende valorizar as idéias, emoções e experiências das pessoas que fazem parte do grupo. Considera-se importante com este projecto dar a sentir várias faces de uma moeda: o estar fechado, a claustrofobia, a violência da privação da liberdade e, apesar de tudo, para alguns, também uma vivência de riqueza interior e elevação espiritual inacreditáveis.
O espectáculo será construído cena a cena, ao longo dos ensaios, a partir de improvisações, conversas com os reclusos e textos por eles elaborados. O título do espectáculo, por exemplo, tem tanto a ver com a sensação geral de quem entra na prisão como com um pequeno cartaz que acolhe os visitantes à entrada do parlatório: " tudo o que pode camuflar um objecto de agressão ou facilitador de fuga só entra se vier à fatias."
Os textos utilizados são dos reclusos, muitos de uma dimensão poética surpreeendente. São, por razões óbvias, "de todos e de ninguém" e sobretudo absolutamente sigilosos. Ao dramaturgo caberá dar-lhes consistência e unidade.

Andrzej Kowalski

O basalto


O basalto é uma pedra escura e fria, brilhante, acerada. Retém a memória do fogo. Recita a lição da catástrofe. Mas é uma pedra em que podemos confiar, na qual podemos apoiar os nossos pés.

(José Miguel Silva, Basalto, uma homenagem [a Joaquim Manuel Magalhães]. in Telhados de Vidro, nº1, Averno, Novº 2003)

20 dezembro 2003

Mais prendinhas

O primeiro vestígio da beleza
é a cólera dos versos necessários


(citado de cor)

Sobre a Liberdade


O único objectivo pelo qual o poder pode ser legítimamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada contra sua vontade é o de evitar prejuízos a outros membros (...).
Ninguém pode ser legítimamemente forçado a agir ou a abster-se de agir porque será melhor para ele, porque o fará mais feliz, porque na opinião de outros membros, agir desse modo seria sensato ou mesmo justo.
John Stuart Mill

Para escrever o teu nome

Quem, o infinito?
Diz-lhe que entre
Faz bem ao infinito
estar entre gente.

Um moleskine assim

Fosse o Moleskin o caderno que o Chatwin prenchia com a mania que seria grande, fosse o Chatwin o aventureiro da Patagónia antes do outro o biografar, fosse um caderno simples de capas pretas antes do italiano esperto o tornar mercadoria e eu mandava-vos, prendinhas de natal.

Daniel

Boa sorte para O mais novo dos Abas. Daniel, filho da Armanda e do PC. Com este património genético vai ser arguto, atento, sensível, rigoroso. Com o matrimónio vai ser feliz. Nesta natividade somos os reis magos e os animais do quente, somos o povo de Belém e os anjos do céu, somos o teu presépio, putitinho.

19 dezembro 2003

Só entra cortado às fatias

Ontem, os presos da Cadeia Penitenciária de Coimbra, estrearam a peça que preparam desde o fim da Primavera, com o apoio da Coimbra, Capital da Cultura. Não tive convite. É injusto. Excluído do grupo cénico, tinha apesar disso e da minha situação carcerária, dado relevo ao evento. Fui à porta da penitenciária. Não me deixaram entrar. Os bilhetes estavam esgotados- disseram-me, à laia de justificação. Mas eu sei que o guarda Vincent me reconheceu. Não estava a minha psicóloga. Nem a jornalista dos olhos tristes. Era tudo gente da cultura e seguranças. Ao hall de entrada não chegava o cheiro nem o ruído de fundo da prisão. O que o mundo mudou em seis meses.

Contributo de Manuela Ferreira Leite

Sem direito a planos americanos Manuela aparece atrás do centro da acção, que é o par espantoso Durão:Paulo Portas. Tem o cabelo em desalinho de quem não teve tempo para o cabeleireiro. A cara escureceu. Está cansada e já não é deste debate. As raparigas de Aveiro? O corpo das mulheres? Nesse momento Manuela sente no seu corpo, no ventre, nas coxas, contra os ombros, um estremecimento. O cérebro parlamentar, a carapaça de experimentada líder partidária reagem. Ela vira de novo os olhos para fora e a câmara fixa-lhe um olhar ligeiramente irónico, surpreendido com a intimidade do par espantoso.

Contributo de Paulo Portas para o debate sobre o aborto.

Assembleia da República. Debate com o governo. Plano de Louçã dirigindo-se a Durão. Plano de Portas, Paulo, inclinado para Durão. Portas está com o ar post beatificação, músculos demasiado relaxados, postura excessivamente afundada na cadeira. Parece uma ilustração sobre a capacidade afrodisíaca do poder. Durão é um tigre pronto a saltar. Portas bichana ao ouvido de Durão. Este percebe rápidamente o comentário. Rabisco no caderno de notas que tem à frente. Plano geral da assembleia: na sexta fila, o deputado laranja por Lamego esbraceja e grita um impropério (Vai trabalhar malandro!). Plano de conjunto da direcção socialista: Ferro com ar irritado de quem não sabe quando o libertarão daquela chatice. Bernardino Soares, esfíngico, é agora o mais velho dos dirigentes comunistas. Durão levanta-se. O corpo está arqueado e começa a falar antes de levantar a cabeça. Durão é um tigre da Malásia e a presa é Louçã. Plano de Louçã, grave, periférico, transido. E que diz Durão? O senhor é ...Pausa enfática. Na cadeira já Portas ri...aquilo que todas as sogras temem para genro! O senhor é... Já Portas assente com a cabeça...um misto de Torquemada e Trotsky. Portas ri agora com todo o corpo. É, nas Actas da Assembleia o parênteses (Risos). Ri-se, feliz, vasodilatado. Aquele Durão é, de certo modo, também uma criatura sua. Muito melhor que Monteiro, convenhamos.
À noite, numa tenda impecávelmente branca, com mesas redondas onde homens impecávelmente cinzentos e azuis se sentam ao lado de homens impecávelmente azuis e cinzentos, o vice rei da Madeira em comissão de serviço no continente declara Durão o grande vencedor do debate da tarde e dá-lhe uma prenda de Natal. Uma salva de prata. Uma salva em prata. E Durão, o corpo mantém aquela tensão magní­fica que agora exibe, o rosto brilha, só os dentes traduzem alguma humana imperfeição, garante à  tribo reunida a perenidade do banquete e enumera as vitórias mais recentes: a captura de Saddam, e- Delgado garantiu-lhe vinha ele a entrar para o festim- os primeiros sinais da retoma económica. É Natal, Bom Natal, Feliz Natal, Natal para todos.

17 dezembro 2003

O primeiro cartão de Natal

Críptico, aqui. Ao jpn, um abraço, pela amizade e por nos ter posto com tão boa companhia.

A Oeste qualquer coisa de novo

A Oeste, que é agora aoeste, ganhou agora qualidade gráfica e outra arrumação. O Nuno Dempster é o mesmo: um dos sítios onde vale sempre a pena parar.

Antologia de O Mal

Lamento dos Remadores

Sem juízo nem tabaco,
nem velame, nem amor,
não vemos muito bem,
por onde vamos

Mais cegos do que muros,
vogamos sem senhor.
Os remos de papel,
infiel o coração

Nos astros a desdita,
no sextante a ilusão.
A noite nada ensina
e tudo é sem remédio.

in Ulisses já não mora aqui, & etc., 2002
José Miguel Silva publicou este ano Vista de um Pátio , e traduziu, também para a Relógio D'Água Spoon River de Edgar Lee Masters

Kriminal sexo(2)

Foi mais ou menos assim: um Bispo do Porto (e um Bispo do Porto é sempre o Bispo do Porto) disse que não achava bem criminalizar o aborto. Então criou-se alguma expectativa sobre a evolução da posição da Igreja. A sic-notícias (que parece ser hoje o espaço de maior serviço público dos media televisivos) organizou um debate. Um dos convidados era um padre vestido por Lagerfeld. Quando o pivot lhe perguntou:- "Qual era é posição da Igreja, houve alguma evolução"? ele disparou : "A posição da Igreja é só uma, do Santo Padre, passando pelo Episcopado, até ao povo de Deus."
Olá! Há uns anos, os hierarcas de outra igreja, chamavam a isto com orgulho a posição monolítica do Partido.

Kriminal é o sexo

Outra vez os hipócritas, os polícias, os patrulhadores das consciências, os professores de moral. Outra vez os que fazem as leis. Outra vez os que abdicaram do sexo a quererem dizer-nos como é "o sexo com amor". Estavas tu, Ana Drago, convenientemente escoltada por um jovem padre que já salvou 118 raparigas, o amigo do padre (um caceteiro do Norte), e aquela esfinge a olhar para baixo com ar de quem pensava: "fosse isto no meu tempo e eu bem te clitoridectomizava".

Tenho o champanhe e a efusão guardados. Não me chamem de esquerda.

Se a esquerda não comemorar efusivamente um facto destes, não é digna de se chamar esquerda."José Mário Silva
Um dia, estava em Bucareste, numas férias de turista pobre. Era uma avenida de imponência pirosa que levava ao Palácio Presidencial e nessa avenida havia um livraria, coisa rara naquela paisagem. Pedi um exemplar, em romeno, da Alice no País das Maravilhas. A funcionária disse que não, que não havia. Perguntei-lhe se não tinha vergonha de só ter livros do Ceausesco, da mulher do Ceausesco, dos filhos do Ceausesco. E repeti-lhe uma vez, duas, a pergunta. Ela ligou o telefone e passámos a ter a companhia discreta de uns senhores de gabardina. Dois anos depois Ceausesco caíu e senti-me feliz. Mas quando, numa estrada não identificada, lhe deram um tiro na nuca, senti-me mal, qualquer coisa indefinida que não me faz ter orgulho da minha humanidade, seja lá isso o que for. Eu não acredito nas massas populares a festejar a libertação. Procuro sempre, na turba em festa, a livreira de Bucareste em genuí­no espalhamento de alegria.
Saddam caí­u quando, à  revelia da lei internacional, essa coisa frágil que a segunda guerra mundial foi construindo, as poderosas tropas americanas invadiram o Iraque. Não caíu pela luta corajosa do seu povo oprimido, nem pelo sacrifí­cio isolado de uma vítima que dele se tivesse acercado para fazer justiça. O que no domingo mostraram impúdicamente foi um velho num buraco a tentar respirar por um tubo e a sobreviver a comensais tão velhos como a nossa espécie: piolhos. Alegrar-me porque vai ser julgado por um tribunal levantado por Bush? Zé Mário, eu escrevi como resposta à  vossa primeira reacção: não verto, nesse brinde, o meu champanhe. E agora digo-te: não comemoro. Nenhuma efusão, nem ardor, nem veemência, nem fervor. Não sou digno que me chamem de esquerda. Não me chamem de esquerda, por favor.

16 dezembro 2003

Uma mulher

Tinhas trinta e um anos, quando te conheci. Hoje vamos comemorar. O homem que estava contigo, faz-nos falta.

O TGV, um projecto de Castela

Esta noite em Coimbra reunião da Pro Urbe sobre o TGV com os profs. Manuel Tau e José Gama, o jornalista económico, Nicolau Santos e o empresário Henrique Neto. O tema : o trajecto do TGV tal como foi apresentado na recente cimeira ibérica. As intervenções deixaram claro o que o Prof Tau e Nicolau Santos têm escrito, com pouco impacto, nos últimos tempos: trata-se de uma resolução segundo as conveniências de Madrid e do ordenamento territorial de Castela, que se cumprirá apenas no que diz respeito à ligação Lisboa - Madrid e Porto- Vigo. O aeroporto da Ota está quase irremediávelmente comprometido. O desenvolvimento processar-se-á a Norte tendo como pólo o Porto (mais provávelmente Vigo) e a Sul, no eixo que vai de Lisboa a Madrid por Badajoz. O Centro será um lugar de fronteira, talvez de desertificação.
O momento mais importante da noite, porém foi a intervenção, feita a partir da assistência, do engº Manuel Queiró. Queiró caracterizou a decisão como anti-nacional e disse que só um grande movimento de protesto a poderia parar. "Trata-se de uma decisão tomada há anos nos centros de poder sem rosto, a que o ministro João Cravinho e Valente de Oliveira resistiram e que agora teve força para se impôr."- disse. É urgente deter o esbanjamento que constitui o financiamento obtido para a terceira travessia do Tejo- um projecto inútil e megalómeno que contém em si a construção de uma nova estação ferroviária para substituir a estação de Oriente, tornada obsoleta(!!).
Foi Manuel Queiró quem disse. Ele sabe do que fala.

15 dezembro 2003

Um elemento totalmente adverso à ordem e à disciplina

António Marinho lança amanhã em Coimbra o seu livro As faces da justiça, edição do Campo da Comunicação. António Marinho dedica-o às vítimas de crimes e às vítimas da justiça. No livro, a apresentação de Marinho está a cargo do adjunto Elias Matias, ten, comandante de uma força da Polícia de choque, que em ofício enviado à PSP e à PIDE o descreve como "um elemento totalmente adverso à ordem e à disciplina". Passou-se isto em Fevereiro de 1971, uns meses depois da sua chegada a Coimbra. Ao longo deste tempo, homem de palavra, António Marinho manteve-se fiel ao diagnóstico do polícia.

Coimbra from the sky

Filipe Jorge fotografou e José António Bandeirinha fez os textos. Sete das fotografias estão expostas até ao dia 30 na XM, uma livraria no início da Quebra -Costas, para quem vem de Almedina. O catálogo foi publicado na Argumentum como parte da programação de Cidade e Arquitectura da Coimbra 2003. Vista do céu Coimbra é deslumbrante. Aconselho-vos a não descer.

Eduardo


Eduardo publicou um livro com textos sobre ficção e ameaça com mais meia dúzia, alguns ainda antes do Natal, em que coligirá prefácios, comunicações, textos sobre poesia e textos filosóficos.
O título é bonito: a escala do olhar (foi emprestado pela Fiama). Os escritores que os textos consagram são os do costume, com algumas excepções. Uma fotografia de Eduardo, assinada por Ana Calhau, no recato de uma das capas, mostra um homem sem óculos, vulnerável. Lembrei-me da frase de um personagem de A Desgraça:a juventude não devia ser exposta a este espectáculo. E a minha simpatia por Eduardo subiu.

A Maçonaria

A Maçonaria. Como é que numa sociedade aberta se justifica uma associação onde os fins, os princípios e os meios não são explícitos, os estatutos desconhecidos, a condição de membro reservada?

Mulheres

Ver também o blog de Sandra Almeida e o livro de Vanda Gorjão, sobre A vida em tempos sombrios das mulheres portuguesas. Algumas são as nossas mães, ou avós.

Maria Eugénia Varela Gomes

O melhor deste país são as mulheres. Maria Eugénia Varela Gomes, a mulher que entrentava de cabeça a descoberto as cargas policiais do Salazar e do Marcello, deu a Manuela Cruzeiro, do Centro de Documentações 25 de Abril, uma entrevista que constitui um livro de memórias, a partir de agora indispensável.
Maria Eugénia Varela Gomes- Contra ventos e marés, Porto, Campo das Letras.
Relato aqui, do lançamento.

Helena Vaz da Silva

Lançada hoje uma Fotobiografia de Helena Vaz da Silva que conta com a colaboração de Alberto Vaz da Silva e é editada pela Notícias. É altura para assinalarem os 40 anos da fundação de O Tempo e o Modo- momento de início de uma certa modernidade, neste país pequenino, cinzento e asfixiante.

As Invasões Bárbaras (6)

Sequela de O Declínio do Império Americano, de 1987, Les Invasions Barbares de Denys Arcand, é um filme que questiona a esquerda de uma maneira fulminante. O Hospital público é um inferno de desumanização, ineficiência, incompetência (a place of disaffection). O estado providência, em que aquela geração votou, é um monstro gerido por administradores corruptos. Os sindicatos, mafias impiedosas. A Igreja católica, que perdeu influência sem perceber porquê (num dia de 1986), tenta vender os seus ícones. Mas aqueles para quem tinham valor, já não existem. Os bárbaros- dealers da droga, câmaras silenciosas que registam as presenças, estudantes mercenários, leaders sindicais- estão por todo o lado. Entretanto Rémy agoniza.
Não é o único a morrer.

As Invasões Bárbaras (5)

A vida de que ele não se quer despedir, não é a sua vida actual, mas uma vida que só existe na memória.

As Invasões Bárbaras (4)


Os livros sobre que pousa o olhar de Nathalie ao tomar posse da casa de Remy, morto: Primo Lévi- a condição humana nos tempos mais difíceis; Soljenietsin (Arquipélago Gulag) – a denúncia do gulag soviético; Cioran- o pessimismo; Samuel Pepys – o confessionalismo críptico; a licenciosidade.

As Invasões Bárbaras (3)

Tem de deixar a Universidade onde foi quase tudo. A peruca trai-lhe a quimioterapia. Quando anuncia aos alunos a sua substituição, a indiferença é total. As conversas laterais não se interrompem. Um aluno pergunta qualquer coisa sobre as repercussões da substituição na avaliação final. Ele tenta, em desespero, o olhar compassivo de uma aluna: desatentas, elas riem das graçolas dos colegas de carteira.
Até as secretárias têm direito a um bolo e uma vela na despedida. A mim puseram-me na rua sem uma palavra, queixar-se-á mais tarde.

As Invasões Bárbaras (2): Nathalie, Marie-José Croze.

Nathalie, uma jovem mulher, pela mão da qual chegará uma morte doce, é uma das que estará com ele. Ela, imperfeita, que desceu aos infernos, herdará, em nome do filho, os livros e a casa de Rémy.

As Invasões Bárbaras (1)

Rémy, nascido em 1950, vai morrer. Pela mão do filho e da ex-mulher reúnem-se à sua volta os amigos. Estamos no Canadá. Manda o Estado dos traficantes de droga, dos sindicatos e do dinheiro que compra a corrupção. Caíram todas as ilusões. Ao lado, as Torres gémeas foram atingidas, assinalando a chegada dos bárbaros ao Império. Excessivo, grandiloquente, lúbrico, por vezes brutal, Rémy tenta compreender.

14 dezembro 2003

Depressão e mania

Miguel Sousa Tavares acha que deu um grande contributo à leitura portuguesa. Lobo Antunes pensa que é cedo para se perceber o que trouxe ao romance. Saramago advertiu-nos para o espanto que nos percorrerá com a sua próxima novela. Se o país está deprimido, a crise maníaca dos seus vultos literários compensa a depressão.

Natal

A folha do sôr zé manel furnandes publica Contos de Natal, uma selecção de Vasco da Graça Moura. Quem der 4,20 € pela publicação dá 2,38 % a uma associação de caridade. Numa editora menos benévola publicou o mesmo Vasco da Graça Moura uma antologia de poemas de Natal. São vinte e oito contos, e mais de 50 poemas. Presume-se que os leu todos. E mais alguns, porque senão não eram Antologias. Entretanto traduziu Ronsard, Villon e outros. Bendita bolsa de escrita que os eleitores portugueses deram a Vasco da Graça Moura. Ninguém lhe leva a mal que ele não perca muito tempo com a Constituição europeia e outras minudências

A prisão de Saddam

Os soldados do Império que ocupou o Iraque prenderam o ditador deposto, sete meses depois da invasão. Encontraram-no num buraco de uma casa da aldeia onde nascera. Era um homem velho e exausto. Não encontraram ainda as armas que nos ameaçavam, e que foram- já ninguém se lembra, o motivo da invasão do país, contra a ONU e a opinião pública europeia. Todos se congratulam. Até vocês abrem uma garrafa de champagne. Eu não misturarei nunca a minha taça nessa comemoração.

História

No Museu Rainha Sofia uma professora explica suavemente aos alunos um quadro. E percebe-se, com lágrimas reprimidas, que os fascistas não ganharam a Guerra Civil.

Aos pares

Os electricistas jovens vêm sempre aos pares. Um para o trabalho nobre, o outro para segurar nos instrumentos e limpar os resíduos. Como os polícias de ronda, os sapatos, os especialistas médicos nos hospitais públicos.

Da superioridade do Estado

O Museu Thyssen é uma sensaboria, com a Elsa Raposo viúva demasiado presente. O MNCARS, um alento para a alma, com a Rainha Sofia discretamente ausente. Os funcionários públicos do Estado espanhol têm muito mais gosto, saber e competência que os conselheiros que compraram para o barão mecenas os 770 quadros do acervo do Museu Thyssen.

Aos que lêem no Metro de Madrid

Goya. No metro de Madrid lêem. De pé e sentados lêem. Príncipe de Vergara. Livros grossos, brochados. Encapados com papel branco ou azul. Tirso de Molina. Que lêem os que lêem no metro de Madrid? Livros técnicos, fotocópias de artigos científicos. Callao. Chueca. Jornais- sobretudo El País. Revistas, menos. Atocha. Menendez Playo. Miguel Hernandez. Raramente consigo ler os títulos dos livros que lêem. Mas nas horas de ponta, debruçando-me ao balanço da composição, leio frases avulsa: Al cabo de un rato llegué a la alcantarilla muerta. Todas las alcantarillas de aguas estanques se parecen. Noviciado. Duérmete corazón prohibido, duérmete antes de la hora fronteriza de las doce. Colón. Velazquez.Lo único claro es que cuando al otro lado de la lluvia ve a un hombre que la mira por un instante que le parece un día, quizá un año, cree, por fin, haber llegado a algún sitio.Ventas. Debe haber una tercera opción, alguna forma de concluir la mañana y darle forma y sentido: algun enfrentamiento que conduzca a alguna palabra final. Fuencarral Esta gente, que lê no metro, está a salvar a literatura.

13 dezembro 2003

Manifestação

Paul Berman , escritor de esquerda liberal norte-americana que apoiou a invasão do Iraque, deu uma entrevista à revista Letras Libres (27: 92-94, 2003). Ele argumenta que a batalha principal que está a travar-se é, no interior da civilização muçulmana, uma guerra entre a civilização liberal e os seus inimigos. Deveria haver movimentos estudantis em todas as cidades manifestando-se nas ruas, proclamando a sua solidariedade com os estudantes de Teerão e com a sua demanda de liberdade, conclui.
Shirin Ebadi, prémio Nobel da Paz, a primeira mulher muçulmana a receber este galardão, foi a Estocolmo esta semana. Levava a cara descoberta, deu a mão a homens e visitou universidades- o que lhe valeu a admoestação dos que mandam no Irão e lhe chamam Sharon Ebadi. E disse: A preocupação dos defensores dos direitos humanos aumenta quando estes são violados não apenas por aqueles que se opõem a eles, mas também pelas democracias ocidentais. E acusou os nossos estados de praticarem uma dupla linguagem, ao permitir o encerramento dos prisioneiros na base americana de Guantanamo, em Cuba e a não aplicação das resoluções da ONU sobre Israel.
Fui de manhã para as ruas, cheias de sol e de garrafas abandonadas pelas manifestações estudantis da madrugada. Se por acaso alguém me viu : estava a manifestar-me a favor de Shirin Ebadi, contra o fundamentalismo islâmico e a hipocrisia ocidental. É o que faço todos os dias, hoje com particular convicção, talvez pelo sol que me lembra que chegou dezembro, diciembre, december, décembre.

Gonzalo Rojas

O poeta chileno ganhou o Prémio Cervantes 2003, o mais importante para escritores de língua castelhana. À penúltima votação chegaram o chileno Nicanor Parra e os espanhóis Julián Marias e Juan Marsé. Marsé, apoiado por um sector do júri onde se destacava Rosa Montero, foi preterido por um voto- é a pequena história do Cervantes 2003.
Rojas, que terá 86 anos a 20 deste mês, é celebrado por uma poesia juvenil, livre e sem obediência a cânones. Escreveu 20 livros e classifica-se a si mesmo como um escritor lentiforme. Conta-se que Pablo Neruda disse dele: "Gonzalo no es malo, pero escribe poquito". E ele mandou de volta: "Diganle a don Pablo que él es un verdadero genio, pero que escrive demasiadito."

Quién dijo videncia?

Qién dijo videncia; la película está en la calle
y es la calle, justo de El Roble
con la 42 de las putas por estridente
que paresca mesclar villorrio con
villorio, Chillán
com New York en el ejercicio, un aroma
si se quiere fuerte, para hombres, sin confundir
fascinación com unción, útero
con rascacielo; lo cielo
No es cosa por último de alto
ni bajo (quién dijo aceitoso
por gozoso?); lo
abierto de la belleza es esto: la no
belleza, la no
película, la
apuesta.

Lésbico viene el mundo, habrá
que creerlo si está escrito
desde los fenícios en los periódicos con
lo turbulento de la vida, essas nubes
menazantes; fijo que el rollo
está sucio o se ha velado por
exceso de luz.


Calle, mi
calle mia que te me vuelas, qué
New York de eso ni nada, qué
Chillán de USA voy aqui a llorar
de no ver
sino aire, como están las cosas en
la contradanza de la imantación
de la Tierra?


Gonzalo Rojas
In Metamorfosis de lo mismo (Visor)

El País

Uma das coisas boas em Espanha é El País, todos os dias e hoje particularmente, dia de Babelia. É lido por 2 milhões de pessoas por dia. El P(S), o suplemento semanal, soma três milhões de leitores. É um jornal sério, bem escrito, com uma linha editorial inteligente e independente e por onde passa a informação e reflexão que estão completamente ausentes da TV aznarizada. El País é assim como o Público, quando o sôr zé manel furnandes for convidado para Conselheiro do próximo Presidente da República, se ainda houver liberdade de imprensa em Portugal.

C. Moreria

Na c. Moreria o restaurante. Preparam umas trufas deliciosas. Às onze e trinta, quando se torna provável que não virá mais ninguém, convidam-nos para a mesa da família. Os filhos, robustíssimos, e as namoradas, eloquentes. O pai é o único que se não senta. Discreto, percorre permanentemente o restaurante, com gestos que devem corresponder a pequenas arrumações. O primo é o sócio capitalista e divide as tarefas da cozinha com a mãe Lorena. Falamos da chuva, que afastou os clientes, de futebol, o Porto empatou em Chamartin. Mas eu sou do Barça e o terreno é escorregadio. Ah, caso não saibam a esquerda ganhou as eleições na Catalunha, afastou 23 anos de nacionalismo conservador que se confundiu com Pujol e soube unir-se para criar um governo. Essa esquerda chama-se Republicana. As suas faces são Carod Rovira e Ernest Benach, surpreendentemente eleito presidente do Parlamento autónomo de Catalunha. O socialista Maragall será, tudo indica, o próximo Presidente da Generalitat. O governo terá assim uma componente catalã independentista (ERC), e outra nacional (a filial catalã do PSOE), para lá do contributo de um grupo mais pequeno, a Iniciativa para Cataluna (Verds). Um dos responsáveis de Esquerda Republicana disse uma frase que me agrada, dirigida aos amigos de Pujol que confundiram o estado com o seu grupo: Não somos autoctonistas (como si sólo pudieran gobernar Cataluña los autóctones e catalanohablantes). No restaurante Portico siglo 21 de Madrid esta frase foi particularmente bem acolhida, e a sua citação determinante para o postre de chocolate que, em dez minutos, a mãe Lorena preparou para apoteose.

12 dezembro 2003

Calder

No Museu Rainha Sofia e até 16 de fevereiro uma espectacular exposição de Calder. A gravidade e a graça. Demoro-me na little black spot, essa graça. Ao fundo a música de Cage e essa emoção de ver jovens sentados no chão a desenhar, encher de riscos pretos e brancos, vermelhos e depois azuis e amarelos as páginas brancas dos cadernos.

El Bandido Doblemente Armado

Há uns tempos que não gosto da Fnac. Sinto-me mal entre as estantes. Não encontro os livros que procuro. As prateleiras parecem-se com as do Continente. Tal como aquela promiscuidade com os electrodomésticos. Não gosto da Fnac do Colombo, do Norteshoping, do Chiado e a pior de todas, a mais enjoativa, é a de Santa Catarina.
Também não morro de amores pela Fnac de Callao. A livraria mais simpática de Madrid era a Fuentetaja em San Bernardo, aberta das 9 às 9 e com especial carinho pela literatura hispânica.
Agora posso aconselhar outra, em Fuencarral, no 3 da c. Apodaca. Dá pelo nome de El Bandido Doblemente Armado, está aberta até às 24 ou 2, aos fins de semana, para livros, café e copos.

Malasaña, Madrid

No bairro de onde escrevo não encontro ciberkiosks. Apenas escritórios, com um posto de net, pouco disputado, e gabinetes telefónicos onde aos fins de semana as raparigas e os rapazes de Sudamerica fazem fila para falar às famílias. Escrevo furtivamente, com vergonha destas palavras fúteis e as aldeias da Colombia (0.32), da Nicarágua (0.29), do Equador(O.33) à volta.

11 dezembro 2003

ÃOS E ÃS SURDOS

Entrei, algo reservado, na zona reservada, onde o direito de admissão é reservado.
Sentado no interior da reserva, ouço, ao meu lado, um cidadão visivelmente empreendedor a dar a sua lição de sapiência sobre A (sua) Propriedade Privada a uma cidadã citadina, por sinal com notáveis propriedades. À minha direita, ouço, sem dificuldade, um animado debate sobre Iniciativas Privadas, alegrado por duas cidadãs consumidoras e por um voluntarioso cidadão financiador. Mais ao lado, uma portuguesa comercial e um falante português suave permutam sonoras palavras (cidadãs) em prol do Mercado Livre no Mundo Livre.
Janto e durante o jantar, de toda a vasta reserva, chegam mais conversas, todas pouco privadas e nada reservadas, sobre o Estado da Reserva da Nação e as Privatizações do Futuro. À minha volta, só cidadãs e cidadãos com espírito ganhador, tudo portuguesas e portugueses de sucesso e de muito sucesso, todos (só) falam alto e de muito alto, surdos, coitados.. ah, já me esquecia, também havia homens e mulheres, falavam baixo, trabalhadores..

André Bonirre

La Naturaleza del Mal

Madrid: A revista mexicano-espanhola Letras Libres, que vai no ano III, dedica o seu número de Dezembro ao tema La Naturaleza del Mal, assim gravado em grandes letras na capa cor de sangue. O maior pretexto é um excerto de Elisabeth Costello, uma conferência em Amsterdam, retirada, em pré-publicação, do livro de J.M. Coetzee que a Mondadori anuncia para 2004. Não vejo o Mal nas ruas de Madrid. Nem nas tatuagens pré-sagradas que as madrilenas discretamente revelam.

07 dezembro 2003

Bush era decorativo


O Washington Post revelou que o peru que Bush segurou assim na visita ao Iraque era falso: "The bird was perfect but not for dinner". Garantem-nos que o peru foi educadamente comido pelos soldados americanos. Há imagens das cenas de mastigação. Mas a notícia tem qualquer coisa de verdade. Parece que quem era de plástico era Bush. "The president is perfect but not for Irak".

Direita coerente

Em Aveiro, para nossa vergonha, estão a ser julgadas as mulheres que a PJ e os tribunais criminalizaram por terem abortado. No banco dos réus estão as raparigas e felizmente os namorados, maridos e companheiros. Nem tudo é mau. A direita, que durante o referendo sobre a descriminalização do aborto declarou que nunca perseguiria ninguém, está à cabeça de uma manifestação de condolências, no Largo do Tribunal. Honra à presença de Bagão Félix, embora na qualidade de ex- dirigente do Benfica.

06 dezembro 2003

Uma espada trespassa o coração


Mas só aos de linhagem
é essa morte permitida.
Outros órgãos
menos nobres
hão-de em nós
mais lentamente
apodrecer.

Duarte Belo


A terra humilde dos montes quando a neve começa a retirar-se. Os fetos, os cardos, as raízes torturadas pelo frio. A face do granito reflectindo um céu de chumbo, a ameaça dos elementos. A fenda no monólito. Os líquenes como uma doença da pedra. Os ângulos agudos, agrestes. As sombras e a promessa de uma claridade que não vem. O chão poroso de uma praia abandonada. Os veios de quartzito. De novo os rostos minerais, o teu rosto, pai, como deve ser agora onde o pudesse longamente fitar.
O pano cru.
Num mundo sem gente uma espada trespassa o coração.

As Invasões Bárbaras, Denys Arcand

Notícias do norte do Império. Quase vinte anos depois, numa cama onde se agoniza. Reencontrar Rémy enquanto é tempo. Infelizmente só em Lisboa (El Corte Inglês, Monumental, Saldanha) e no Porto (AMC e Nun'Alvares). Antes, ir ao Quarteto (O Declínio do Império Americano).

Identidade

Misha Gordon


- Sou como os outros. Como os outros e as outras.
- E isso é bom ou mau?

05 dezembro 2003

Desinspirados na Pedrulha


O Conservatório de música de Coimbra ocupa instalações de acordo com a posição da música na hierarquia das Artes. Estava no Instituto de Coimbra, um colégio lindíssimo que ouviu, há anos, a versão de Sardinha e do TEUC de India Song. Agora, como o Instituto também ameaçava ruina, os músicos foram deslocados para a Pedrulha, que é assim como que o Marechal Carmona do início do século 21.
No debate do Sousa Bastos ela- a fama precedia-a, subiu à tribuna e começou assim. "- Sou a Filipa, do conservatório. Estamos desinspirados na Pedrulha."
Paternal, o Presidente da Câmara retorquiu: "- Antes desinspirados que com um piano em cima das cabeças!." Justamente, não é esse o ponto de vista dos criadores.

Sousa Bastos 3

No fim da reunião, passava da meia noite e a hora era propícia a acofenos e outras ilusões, acreditei que Encarnação pudesse ter a sua hora de loucura. Que se esquecesse da cartilha dos investimentos sustentados e percebesse o que havia de novo, ali. O que há agora e não houve no passado. E cumprisse o seu programa de uma noite de há dois anos, com risco e coragem, com aquela gente que não é dele e não é de ninguém.
Mas ele não foi capaz.

Sousa Bastos 2

Agora há gente que fala, convoca adesões, se mobiliza, argumenta, diz com orgulho a sua maneira de viver. Há, na Alta de Coimbra, imensa gente a querer dizer que em breve tudo estará atolado, ipparizado, entulhado, tudo só fetos e líquenes, tudo entregue às Fundações, tudo só professores embalsamados e alunos bem comportados, tudo empreiteiros de sucesso e restaurantes com vista, tudo só o imenso silêncio dos domingos neo-liberais nos centros das cidades abandonadas, tudo só cenário para futuras capitais de cultura.