30 junho 2004

Aviso


Atendendo aos acontecimentos das últimas (e próximas) horas o blog ficará a ser animado pelo André Bonirre com a colaboração do burrinho Jammes. Portem-se mal, ou segundo a vossa natureza.

A manif junto ao Governo Civil

Éramos poucos. O jornalista contou-nos e disse: são poucos (1). Os que o Mal convidou estavam todos. Menos o F. que não gosta de ajuntamentos. Mas quem disse que queríamos um movimento de massas? E a Margarete ficou a trabalhar. Fizémos um cartaz. Governo e oposição a mesma desilusão. Não, que rima- disse o Bonirre. Antes portela que Portas, antes devassos que Santanas. Não alinho nisso- disse a Sofia. Acabámos por ir de mãos vazias. Isto é, com fotografias dos amigos e das amigas para os reconhecer e as reconhcer, se por acaso. Foi lindo. O meandro do rio, a brisa do fim de tarde, os meninos a atravessarem-se e os condutores cuidadosos a sorrir. A Sofia dava de beber aos mais pequenos. Mas era afinal o Aguadeiro (2) quem mostrava sinais de grande nervosismo.

(1)e (2)Diário de Coimbra de hoje

Oração auto-colante com dúvidas

Oh Senhora do Caravaggio, “.. gemendo sob o peso dos meus pecados, .. humildemente me prostro a vossos pés..” (oração auto-colante do 24 Horas)

[do Caravaggio] - baralho sempre a cor e o lado de onde sai o gato que dá azar: este é pardo e a vidinha está-lhe a correr.

[dos meus pecados] - na última ceia fomos 13 a comemorar a banhada: serei eu o culpado pela decapitação do PMV-npe e pelas cabeças perdidas que andam por aí?

[a vossos pés] - tanta Sorte Grande nacional: algo me diz que me andam a cravar, sem eu sentir, uma ferradura da sorte em cada um dos quatro humanos pés.

André Bonirre

GOD TNX . They'r alive

>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
>)))(*> | >)))(*> | >)))(*> | >)))(*>
TNX. SEA U. K & F



Assim rezava. Enquanto recebermos mensagens destas nós continuamos.

Sofia, André, Luís (aguarda-se a todo o momento mensagem do P.C.)

29 junho 2004

O dia mais longo

Fiquei fan do homem da neves que escreve da Finlândia

28 junho 2004

Estratégia de Risco

Na Sic Notícias um Pedro Duarte empolgado e rejubilante explicou a linha oficial do PMV-npe (Partido Mais Votado- nas penúltimas eleições):
1.Todas as críticas serão escutadas e são respeitáveis mas quem decide é a Comissão Nacional do PMV-npe.
2.A solução PSL é tão empolgante e rejubilável como a deslocalização do Primeiro Ministro para a Europa.
3.Os opositores desta solução são intelectuais que não foram a votos (como os Autarcas Unidos p. ex. que estão unidos monolíticamente em torno desta solução bem como de qualquer outra que lhes surja pelas vias do costume. Por essas e não por outras).
Ora esta linha política corre dois perigos. Primeiro, nós não podemos ter dois desígnios nacionais empolgantes e rejubiláveis ao mesmo tempo. E nós, patriotas modernos, estamos empolgados com a selecção e andam-nos a desconcentrar desse objectivo principal com objectivos secundários que nem estavam agendados. Segundo, pode acontecer que o povo, quando acordar do futebol, empolgado e rejubilante, ou nem tão empolgado nem tão rejubilante, se chateie por um Conselho Nacional do PMV-npe ter decidido em seu nome.

A Suivre

Ana Paula Inácio, Enrique Vila-Matas, Ana Sá Lopes e os da Glória Fácil, Ruy Belo, Sarah, a Espuma dos nossos dias, o teu vestido de organza, Sigmar Polke, Montalbán e Pepe Carvalho, Fernando Assis Pacheco, J.M. Coetzee, Alexandra Lucas Coelho, a Sandra Dual e a Cláudia, Raquel Little Black Spot com a noite que incendiou a blogosfera, JPN do Respirar o Mesmo nosso Ar, Zazie em Almodôvar e depois sempre à Janela, Cristina e as outras sem esquecer o Escrivão Bartleby, o BdE do Zé Mário e o BdE2, Rilke pela mão do Paulo Quintela, Isadora na rádio Voz do R., Isabel puérpera e o Nuno dos Aba, Bruno Avatares Martins, Rui do Adufe, F. Nunes Vicente, P.C. e os do Mar Salgado, Primo Paulo do Mundo Imaginado, o homem das Terras do Nunca, o Alex da Sofia, Jamiroo, o blogger mais apaixonado da sua geração, de serviço nA- Tasca e tu Nuno, claro, Carla a dama d'Elsinore, Bilal sempre à mão, Muntadas, Richard meme Dawkins, Steven Pinker, Jared Diamond,o velho Charles, Luís Eternuridade meu amigo em viagem no Acédia, Olho do Girino não suspendas que agora é que isto anima, Rui Pires Cabral, C.A.M. de mãos decepadas em frente da nossa menina, Manuel de Freitas e os poetas sem qualidade, At., Charlotte Hilário de Almeida Quevedo (em Trench-c.), Castor, Gilda, Clarinha, Anonymous, Carlos de Oliveira, Margarida Clark Dulmo, Moi, Je, Margarete, Rosa, Rute Incertezas Mota, António da Vila, Thelma e tu Louise, malta do Quartzo, A. Franco Alexandre, Seta despedida na nossa direcção, Leituras, Nuno Torradas, Nuno Dempster, Rui Bebiano e os outros DesCalceteiros, os Outros de Nós, o gajo do Fórum Social Português e o do Forum Comunitário, a miúda brasileira Sara, K. e F., your life was a game e nós (música) jamais vos esqueceremos, Llorona, Lérias, que ainda estamos à tua espera para irmos juntos à casa dos mortos, Charles Beaudelaire mort ou vif, Éluard que nos deste uma cara para sermos amados, Prévert, Guillaume, Masson, sempre à espera das tuas Petas de Almocreve, Judith Harris, m. vagabunda azul-cobalto, JC e tribo dos Sonhos, Clan-o teu Destino glorioso, Espelhos velados, Helena Matos Hárpia, Musas como gostamos delas assim esqueléticas, Manuel Palombella Rossa, brisa boa é a tua, Ana da Vida dos teus dias, Santos milagreiros da Casa, Inês Moleskine, agitadores do Barnabé, Eliot (but who is that on the other side of you?), a senhora Emily Dickinson, Helder Moura Pereira, Edward Said, Constantino Cavafys traduzido pelo Sena ou pelo Magalhães tanto faz, Dylan Thomas (alguma certeza deve existir), Francisco Daedalus, a música do Francisco IF e o Silencio, vocês, todos os que nos ajudam a escrever, para quem escrevemos.

Pausa para falar a sério

Se a situação é tão grave como diz JPP no Abrupto então, de facto, não devemos manifestar contra o governo da treta. É melhor englobar no protesto a oposição da treta. Mas como é que JPP pensa que se trava a irresistível ascensão de Portas e Santana? É com cartas ao Abrupto? Com flores à Manuela Ferreira Leite? Câmbio.

O poder está no Parlamento

O poder está no Parlamento, ouço dizer. O poder está no partido mais votado (PMV). O poder está nos órgãos do PMV. O poder está na Comissão nacional do PMV ( entre Congressos). O Dr.Carlos Encarnação diz que deve haver Congresso antes do Natal para coonestar ( uma palavra do léxico das nomenklaturas) a decisão da Comissão Nacional.
Quando elegeram o Parlamento, o número um da lista do PMV no círculo onde voto foi o dr.Dias Loureiro. Foi ele quem apareceu ao eleitorado. Foi ele quem apresentou as propostas do Partido, debateu com os concorrentes, criticou a anterior governação. Mas o momento alto da campanha foi a visita ao distrito do candidato a primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso. No dia seguinte a ser eleito, Dias Loureiro disse que afinal não ia para deputado nem para ministro . Foi à vidinha, para um cargo não eleito de interesse nacional: a administração de um gigante financeiro, que certamente rentabilizou melhor as competências que Loureiro foi adquirindo nos cargos públicos que exerceu ao longo da vida. Quem é o deputado que substituiu DL? E quem substituiu o que substituiu? Eu sei que isto é enriquecedor para o próprio. Que Durão vai ser feliz em Bruxelas. Até aceito que o bem real de um indivíduo concreto está à frente do bem (im)provável de mil eleitores abstractos. Mas sejam coerentes. Acabem com a ladainha do interesse nacional. Nos próximos comícios eleitorais digam aos vossos militantes. Candidato-me a este lugar porque sempre pensei dar uma alegria destas aos meus pais. Porque fico com uma reforma que vocês nem imaginam. Porque é um degrau curricular apreciável na minha carreira. Porque daqui a uns tempos a banca perceberá que sou um gajo de confiança e farei a transferência da minha vida. Porque é porreiro andar de chofér, não pagar multas por excesso de velocidade, ter convites para o futebol, não pagar nos restaurantes. Porque as mulheres, carago, dão tudo por um deputado.
Os eleitores adaptam-se. Quando o putativo líder dos PMVs aparecerem a prometer a abolição da sisa sempre podemos perguntar. Sim, o senhor é pela abolição da sisa, e pela construção do metro de superfície. Mas pode-me dar a opinião também do seu irmão de armas? Do que o convidou para o avental? Do colega de escritório? Do companheiro do golfe?

Domingo, nos jardins frente a Belém

Nós tinhamos participado da convocatória e lá estávamos. Dois do Mal e uma leitora ultimamente pouco assídua. A primeira manifestação de sms e blogs. À espera de ver os estandartes do Barnabé e da Espuma, do Olho do Girino e da Praia para nos posicionarmos mais correctamente ou até, quem sabe, abrir o nosso, em negro e com a cara do Beaudelaire (tenho a certeza que uma cabeça daquelas faz falta em qualquer manifestação). Mas não se via nada. Era mesmo espontâneo. Quando chegou a hora de gritar foi: Chega de golpadas, eleições antecipadas; Antecipadas já; Santana peneirento queres um túnel para S. Bento; Eleições já. Os mais imaginativos tiveram direito a gritar a sua palavra de ordem e testar a sua receptividade. Vade Retro Santanás, ouvi ao lado. E foi o momento crítico, em que os do Mal estremeceram de simpatia por PSL. Tirando isso correu lindamente. Nem olé, olé, nem hino nacional. Alguém se queixou que era tudo beautiful people e não estava ninguém do povo. Ainda bem. Terça feira há mais? Bora, vamos.

27 junho 2004

Às 19 horas em Belém


Estávamos no fundo do vale do rio M., um afluente do Paivou, quando passou por cima, ruidosa, arrogante, uma formação de caças da Força Aérea. Percebemos logo. Era o Paulo Portas nas negociações para o novo governo. E voltou a passar, pelo menos sete F-qualquer-coisa, alinhados como aves mutadas. Nós contávamos: já tem mais um ministério, mais uma secretaria de Estado. Então julgámos que ali mesmo nascia a resistência e começámos a treinar saltos de 12 metros, destrepe e rappel de frente. Devíamos ter mais confiança em vocês.
Às 19 horas lá estaremos, em Belém.

25 junho 2004

Sonho mau

Estava a trabalhar e tive uma vertigem. Não era enxaqueca, nem excesso de trabalho. Nem havia razão evidente para o facto. O dia correu tão bem. Então tive um pressentimento e fui às mensagens: Durão na Europa e PSL primeiro-ministro. É para vocês verem o que eles fazem enquanto nos trazem entretidos com o futebol. Agora percebo porque é que o PSL estava emocionado ontem à noite. Era uma vez dois rapazes que eram colegas na Faculdade de Direito. Andavam a treinar não se sabia bem para quê. Numa madrugada em que se acharam a sós disse o mais falador: Um dia hei-de ser primeiro-ministro. E o mais ciumento: E eu presidente da República. E os dois em coro: Ou qualquer coisa de equivalente. Patriotas modernos, corações ao alto. Daqui para a frente vale tudo.

O ALTO PREÇO DA FAMA NO SUPERMERCADO

Os preços no supermercado estão em alta, é ela, pujante e imparável, a retoma económica, não me conhece mas sei que é o André Bonirre, sou amiga do Luís, tenho de lhe dizer, gosto muito de o ler, escreva mais, adeus, e foi-se para a zona dos legumes, era lindíssima, ia com pressa, via-se e, vê-se, cheia de bom gosto, quero dizer, Sofia e Luis, parabéns à Natureza do Mal (e quem diria, até eu sei agora qual é o preço da fama!).

André Bonirre

O problema dos colóquios

O problema dos blogs, o problema da escrita em geral, já foi explicado noutro sítio: Se tu me lesses eu escrevia muito melhor. Um dos problemas é que tem de haver uma esperança ténue de que tu me leias, mesmo que seja num futuro incerto, ou mesmo póstumo. O outro problema, e não é menor, é que existe o risco de tu me leres e eu ficar agráfico dessa imensa responsabilidade. Com os colóquios é a mesma coisa. Com Walser caído na neve, António preparou o colóquio do Sistema do Lápis para que ela ouvisse. Mas ela nem soube do evento.

Um blog de divertimento

Este blog faz hoje um ano. Foi numa sexta feira de manhã, há um ano, num bar decrépito duma Faculdade que encontrei a outra autora de O Mal. Escolhemos o nome e outras praticalidades. Depois veio o André, atrás da escrita dela. E a seguir o PC à procura de uma heteronimia. Agora temos um ano e um pequeno problema de identidade. Quando soube que o blog da Sarah era marginal de luxe pensei em como é que este podia ser classificado. Uma vez, há muito tempo, um dos marinheiros, chamou-lhe da prosa enjoativa. Agora foi-se embora e tive pena (estou a amolecer desde que sou patriota moderno). Nós não somos nada na verdade. Somos um blog de divertimento. Há uns que nos classificam na literatura. Outros nas bebidas. Se formos poesia, poesia de fel, de vómito, de ferida, de silêncio, de um recolhimento exaltado. Se formos bebida, que seja cicuta.

Elogio dos ingleses


Estiveram na Luz como são. Os adeptos, os terríveis hooligans, misturaram-se com os portugueses. Berraram todo o tempo. Mas não houve cenas como quando o Felgueiras joga com o Moreirense ou os Dragões Sandinenses com o Gondomar. Foram eles que ensinaram o povo dos estádios a cantar o hino quando as coisas não correm de feição. E o hino assim cantado lembra as canções de marinheiros saindo dos porões das armadas imperiais . Os jogadores são eficazes, directos, tecnicistas sem adornos. Não simulam faltas. Não protestam decisões do árbitro. Foram derrotados pela táctica defensiva de um sueco amolecido pela convivência do sul, e pelo génio de um puto em quem ninguém acreditava (Postiga).

JPP

JPP transita de vice presidente do Parlamento Europeu para comissário da UNESCO. Ignoro a importância relativa destas posições na nomenklatura olimpiânica, independentemente do primeiro ser um lugar de eleição e o segundo de nomeação. Num lugar como no outro ele bater-se-á pelo direito do mais forte à liberdade. Mas terei sempre simpatia para quem tem a biblioteca de JPP, quem escreve early morning posts (mesmo com batota de fusos), quem entrou na blogosfera sem perder a severitas.

24 junho 2004

Facílimo

Isto afinal é facílimo. Sofre-se um golo no aquecimento e empata-se perto do fim, depois de três substituições ofensivas. Ganhamos na segunda parte do prolongamento para não dar possibilidade à recuperação. Como perdemos alguma consistência defensiva eles empatam e temos que ir ao desempate por grandes penalidades. O nosso guarda redes demora a ouvir as indicações do Eusébio, mas finalmente atira-se para o lugar certo e, embalado, marca com os próprios pés o golo da vitória.

Debaixo do mesmo pano

Logo no Estádio hão-de estar os ingleses e os portugueses com bilhete. Os plutocratas e os amigos, alguns cidadãos vulgares a quem coube a quota democrática e uns infelizes que puseram a avó a dormir à porta da bilheteira enquanto se deitavam noutra rua, nos colchões suecos, para ganhar 100 euros. Haverá um fun circo perto de tua casa e de minha casa. Lá estaremos. E a nossa emoção, a nossa alegria ou a nossa decepção serão parecidas com a do Bagão Félix.

Margarida, eu não vou entrar

Na livraria folheei os dois livros de memórias de Margarida da Victória, a reedição do primeiro, e o segundo, tão esperado. Os Amores da Cadela Pura (2), ou da Macaca de Fogo, assim lhe chamava Nemésio. Folheei ao de leve, num canto protegido da livraria, como antes na sala onde estavam os livros dos meus pais. Ainda não sei bem explicar o que senti. Ela não era a Margarida Clarck Dulmo, eu sei. Mas decidi ficar ali, como se estivesse à porta da Casa da Fajã e percebesse que não queria entrar.

23 junho 2004

António no Palácio

Na Finlândia conheci António no momento em que, contrariado, se transformava em Bostali Bros. António só escreve com lápis. Regressado ao Porto a sua escrita tornou-se cada vez mais pequena, quase indecifrável. Julguei que fosse um reflexo dos primeiros contactos com o SEF e outras repartições. Na verdade António tornara-se frequentador da Janela Indiscreta, e através desse convívio, num Walseriano. Amanhã nos jardins do Palácio, às 18 horas, com o apoio discreto das residentes e iconografia pacientemente reunida pela Zazie, António fala sobre o "sistema do lápis". Que metamorfose em menos de um mês, António.

Sandra

No fim dela está o seu começo, não fosse ela uma espécie migratória. Há quem seja fiel durante uma tarde (uma terça feira à tarde para ser mais preciso). Mas os que todas as terças param, quase às trindades, e escutam as palavras que o vento sopra, Lorca, Eliot, esses são heróis (citação brechtiana).

A Blogosfera é uma festa (3)

A que era Sara, cansada de Sarices, a que me deu canções da rádio que diziam a verdade, está agora, do outro lado do mar, adicta à secreção de venenos anti-monotonia.

A Blogosfera é uma Festa (2)

Oh blogger central dA Tasca, generoso e torrencial. Pois não há melhor motivo para um post. Dar um beijo ou um abraço a quem se gosta e quer.

Bom tempo na blogosfera (1):Avatares de um desejo

Avatares tem um ano. O blog que lançou um olhar antropológico sobre as mulheres, o blog que tem o sorriso, a profundidade, a delicadeza, a convicção do Bruno. A descida à terra de um deus talentoso. Parabéns, muitos parabéns. E a todas as leitoras e leitores, comentadoras e comentadores, admiradoras e admiradores, entre os quais nos contamos, discretas e discretos mas entusiasmadas e entusiasmados.

A Natureza do Mal

BAPTISMO DE VÔO

Novíssimo, robusto, foi um bluff, demasiado frágil, um fraco e prometia tanto. Logo no primeiro voo desmanchou-se todo e, ali, no chão da esplanada com ecrã gigante, jaz e arrefece num monte de destroços. Tivesse eu uma bandeira, um cachecol, as mãos patrioticamente ocupadas portanto, e seriam só alegrias e não prejuízo os festejos do golo. Já me precavi, amanhã levo para o jogo um telemóvel voador, com paraquedas verde-rubro, claro.

André Bonirre

VERDE ESPERANÇA POUCO CANÓNICO

Eu não era minoritário, eu era exemplar único e estava a sobressair demasiado no meio da esplanada com ecrã gigante. Isolado, sem qualquer adereço verde-rubro, um pano, a cara pintada, nada. Apatriotei-me rápido. Mandei vir uma Salada Viriato, espartana, mas com ingredientes mais apropriados que a Salada Condestável. Cobri, então, cuidadosamente, toda a face esquerda com as rodelas de tomate e, depois, a direita, com folhas tenras de alface e senti os 90 minutos com outro fervor patriótico.
O pior, um desconforto, foi ter de equilibrar, na ponta do nariz, a rodela de ovo cozido sempre que os operadores das televisões me focavam (mas não me importo, a dor do pescoço há-de passar, agora sou o orgulho da família, do bairro, fartei-me de aparecer na televisão).

André Bonirre

Primeira vista

Hão-de se encontrar (re) em cima de uma figueira, colhendo os frutos e distribuindo (re) a quem passa em baixo e os olha com os rostos em branco. Sem outro assunto, falarão ao acaso, do acaso que os juntou. Em cima da figueira construírão uma casa usando tábuas da infância, os buracos tapados com tantas outras histórias. Por vezes, quando sobem e descem os degraus do tronco encontram a casa vazia de um ou de outro. Qualquer dia, qualquer dia, o Zêzere no seu fluxo imponderável virá e levará a árvore e as tábuas água abaixo. Pode haver um pensamento que explique este tanto de expontâneo. E tudo o resto ficará.

PC

A partir de que idade é que se pode

A partir de que idade é que se pode
Voar?

Mijar de pé
Andar à chuva sem se molhar?

Deixar a fralda
Dormir em quarto próprio
Dançar em pontas
Tomar banho sem fazer a digestão?

Atravessar as ruas
Pintar os olhos
Depilar as pernas
Fazer a barba
Usar carteira?

Beber leite das vacas
Fazer o inter rail
Furar as orelhas
Ser baptizado
Beijar nas mãos as mulheres
De quem se gosta?

Mergulhar com botija
Dar serventia aos pedreiros
Desfilar na passerelle
Ser enrabado
Por um cavalheiro amigo?

Ser deixado sem risco
Ao abandono
Ir à Disneylandia de Orlando
Com cruzeiro incluído
Ter telemóvel
Não dormir de tarde
Beber de penalty um traçado?

Fazer testamento de vida?
A partir de que idade é que se pode
Morrer sem que ninguém chore?

Miguel

Nasceu no primeiro dia do Verão. Vindo de onde vem tem de ser lindo.

Dia/noite

O mosquito do dengue pica de dia
pica de noite o da malária.

22 junho 2004

A tragédia biológica das mulheres

A tragédia biológica das mulheres. Era o nome de um velho livro da casa dos meus pais. Quando perguntei, a minha Mãe disse que era a gravidez. Como de costume eu não percebi. Não sabia quase nada das mulheres e esperava por uma estação, que podia ser a Primavera, em que os mistérios se devem simplificar. Mas surpreendia-me ver as raparigas tão lindas e, mais do que elas, as mulheres. Alegres, despreocupadas, como que a viver na inconsciência da sua tragédia biológica. Aos onze anos acontece-lhes ter o período. Nessa idade os miúdos começam a ter uns pêlos ridículos no buço, que aliás não são autorizados a rapar. Aos quinze anos elas quase pararam de crescer e parecem mães daqueles putos desajeitados com borbulhas. Elas têm objectivos e sabem o que fazer para os alcançar. Concentram-se. O domínio da linguagem é melhor. São muito mais competentes nas relações sociais. Nas aulas seduzem os professores, adivinham as matérias importantes, tiram apontamentos, dominam os processos de selecção. Sem esforço, escolhem ficar em casa a estudar noites a fio e eles bebem cervejolas. Entram nos cursos que querem. Por essa altura eles começam a assentar e para alguns é tarde demais. Agora eles vingam-se. Elas deixam-se engravidar e a progesterona e a oxitocina encarregam-se de as pôr meio imbecis. Entre os 25 e os 40, mesmo sem quotas, eles equilibraram a contenda. Quando elas dão conta o tempo passou.

Ela canta

Dulce Pontes vai cantar nos Jogos Olimpicos de Atenas. Não sei onde fez os mínimos. Mas desde que os turcos usaram o Partenon como paiol que, na Acrópole, os ouvidos dos deuses se blindaram aos sons dos mortais.

21 junho 2004

Queda-te connosco

Só agora dei conta que eliminámos a equipa de España. Queridos hermanos. Será que convosco se vai também o El Pais, logo ao pequeno almoço, nos quiosques da terrinha?

Solace

Ela é suíça, fala o alemão que se fala na Suíça e trabalha numa representação de materiais para cateterismo cardíaco. Ele é inglês, de Bath, e é quase médico, se sobreviver ao Erasmus. Conheceram-se por acaso e depois num parque, junto ao rio, onde a cidade agora se reúne quando passa o calor. Ela convidou-o para ver o jogo na casa onde vive com umas amigas. Mas estava sozinha quando ele chegou. Havia cerveja e chocolates de leite. Ele bebeu muito. Ficou eufórico com a vitória das suas cores. Ela estava irritada. Quando ele a agarrou, as imagens que lhe passavam pela cabeça eram as de um Chapuisat pesado e sem tempo de reacção e de um Akin sem linhas de cruzamento. O cheiro da cerveja pareceu-lhe excessivo e libertou-se para ver se alguma garrafa se tinha entornado. Pensou que o rapaz de Bath estava habituado a beber, e nos bairros periféricos que em Bath talvez também houvesse, com homens tatuados, de roupa interior, a fazer barbecue nos quintais, e um desses homens era este rapaz. Ele sentiu que as coisas não estavam a correr bem . Talvez por ela ser suíça e ter perdido o jogo. E esforçou-se, como era capaz, para a consolar. To comfort, to console, como é que se diz isso no alemão que se fala na Suíça?

Portugal

Esforçaram-se imenso. Ganharam ressaltos. Tiveram a posse de bola. Atacaram. Jogaram verticalmente e flanquearam. Alguns foram geniais: Ricardo Carvalho, Deco, Maniche, Cristiano Ronaldo, Nuno Valente. Figo voltou. Nuno Gomes parecia o rapaz de há quatro anos. Eu dei a ajuda possível. Os seguranças da porta não detectaram as benzodiazepinas e tomei uma no início de cada parte, e outra, de rápido início de acção, para os três minutos de prolongamento.

Um discreto estremecimento de asas

De manhã, quando abri a janela de uma casa perto do Príncipe Real e perscrutei os céus, os preságios eram todos equívocos. Excepto um. Mas tão discreto, tão insignificante que não me apercebi logo da sua existência. Do pátio das traseiras vinha um ruído. O pátio estava abandonado há alguns anos. Agora parece que recuperaram a casa. Era de lá que vinha o ruído que depois percebi ser o de uma bola a ser chutada com algum vigor. Tinham levantado uma sebe e construído uma baliza. Uma menina, equipada a rigor, chutava contra a baliza. Concentrada. Insistente. De vez em quando dizia algumas palavras em surdina. Eu percebi pela cara dela que se estava ali a travar um grande embate. Ela ora era um avançado espanhol, e o rosto alongava-se, a boca era só um traço de esforço desesperado. Ora era o Cristiano Ronaldo, e as pernas faziam um bailado acrobático antes de rematar. Abri a janela, esperei que ela levantasse o olhar e perguntei-lhe quem ia ganhar.

20 junho 2004

Dos anões

O blog Espuma dos dias define-se a si próprio como um blog marginal chic. Nós, os anões, adoramos esse marginal chic.Mas se o mágico tivesse lido Swift, sabia como é que se conserva a assistente: comprando-a.

A natureza da mulher e do homem

Com dez anos de atraso, mas não tarde demais, a Gradiva traduz, na colecção Ciência Aberta, o livro de Matt Ridley, A Rainha de Copas. O sub título é O Sexo e a Evolução da Natureza Humana. Matt Ridley, ele próprio biólogo, tem feito um trabalho notável de divulgação dos temas mais actuais ligados ao funcionamento do genoma humano ( Genoma, nº 111 da colecção), ao debate central sobre o que é congénito ou adquirido na natureza humana, herdado ou produto da cultura (Nature via Nurture, 2002). A Rainha de Copas e The Origin of Virtue, os seus dois primeiros livros, são mais dedicados à explicação da teoria da selecção sexual. Culto, informado, inteligente. Leia, para saber porque temos de seguir o conselho que a Rainha de Copas deu a Alice: "Corre, corre muito, se queres ocupar sempre o mesmo lugar"

Um dia que não devia existir

O campeonato da Europa de futebol é a guerra por outros meios. O Desmond Morris há muito que escreveu sobre isso e o Professor Marcelo, que agora também faz crónica num tablóide desportivo, invocou Aljubarrota e sabia o que estava a fazer. ( Mas a invocação é desastrosa: não temos archeiros ingleses, não temos táctica, o nosso Condestável está no fim de carreira e a melhor opção seria pô-lo no banco a rezar. Pior: desta vez eles querem ganhar). Dias destes deviam ser riscados do calendário. Eis-me apanhado pelo sangue e pela Escola, alistado num exército que não é o meu, a chorar quando cantamos o Hino antes da batalha. Não sei o que fazer. Não ligar parece-me covardia. Ver na TV é estar longe, os gritos não chegam ao relvado. Mas no Estádio o terror é insuportável e é ridículo passar mais de metade do tempo de olhos fechados. Abro a janela e tento ler os sinais. As aves voam para todos os lados. Os adeptos ainda dormem depois da noitada. Os jornais lá foram ouvir de novo o Alegre, o Durão e o Arnaut: o pior dos presságios. Há uma pequenina esperança que não digo. Mas já decidi. Vou ao Príncipe Real, àquele banco que tu, Cristina, reconhecerás. Deixo lá o bilhete durante cinco minutos (crossangústia).

Dir-me-às quem sou

Uma afeição: hoje sou de cá.

18 junho 2004

Kuron (1934-2004)

Morreu Jacek Kuron, aos 70 anos. Foi uma das vozes de esquerda que se opôs ao Partido Comunista Polaco e tentou, antes e depois da queda do comunismo, criar alternativas à ditadura e à direita beata. Num país que viu, em menos de cinquenta anos, as elites chacinadas por duas vezes, a resistência de Kuron teve aspectos exemplares. Com ele é um pouco uma geração que desaparece.

17 junho 2004

A Suíça, vá lá, um empate.

Mas talvez esteja a ser injusto para com a Suíça. A Suíça, Suisse, Switzerland e em romanche Svizra, é um país estranho. Há um texto muito lindo do Borges sobre a união dos cantões, que é um hino à liberdade dos povos e à convivência. Zurique é uma das cidades mais agradáveis do mundo. A Suisse romande, com Genève e Lausanne, foram terra de asilo no tempo das ditaduras, e, sobretudo no Inverno, respira-se bom ar nas montanhas que cercam o lago Léman. Mas não vibro com o calvinismo, os referendos em que ganha sempre o Não, o governo sem rosto, o poder da Banca com segredo, aqueles casais pouco praticantes que, segundo os inquéritos, são os mais monogâmicos da Europa, o país sem exército onde cada cidadão tem no armário uma farda e uma arma.

Inglaterra, claro

Também sou pela Inglaterra. Aliás as minhas simpatias vão mais para o Chris Patten que para o António Vitorino. E agora que me lembro: foi incomparável a dignidade com que o Patten se retirou de Hong Kong. Já nem me lembro de como o Vitorino saíu de Macau.

O hooliganismo como uma arte

Vocês perdem e ficam tristes. We beat everyone to death. Há assim uma grande emoção nas nossas vidas. Porrada boa é com a polícia. Mas isto porque os outros se acovardam. That's why policemen are paid for, isn't it?. They are ready for sure. Então ao menos não se espantem. Don´t worry. We too are the party, yes we are. Como as cerimónias de inauguração, a entrega dos troféus, os desfiles de vitória. A Super Bock, a Carlsberg, a Tuborg confiam nas vossas selecções. And on us, but keep it a secret.

Boa sorte Unesco

José Pacheco Pereira foi nomeado para um alto cargo da Unesco. Uma das instituições olimpiânicas....M'espanto às vezes outras m'envergonho...

No estádio

Para cantar o hino e sentir o descenso da alma àquelas zonas profundas dos torneios, ou mais fundo ainda às reuniões dos caçadores-recolectores, é preciso pagar o bilhete.

16 junho 2004

Fado

Hoje sou de Portugal.

15 junho 2004

A Janela depois da Zazie

Um dos blogs de bom gosto, o blog onde Robert Walser escreveria e onde se ouve a música da íntima fracção,o blog de Abbas Kiarostami e Al Berto, o blog que tem o escrivão Bartleby numa gaveta como um embrião congelado, esse blog tem um problema antigo. Demora eternidades a abrir, pelo menos dos meus acessos comuns. Ontem, enquanto esperava que a janela se abrisse, a Suécia marcou dois golos. Ora acontece que desde que a Zazie passou a produtora que a acessibilidade piorou. Quando a Zazie deixou de ser colaboradora permanente e se assumiu na Janela, nós aqui trememos. Uns de inveja. Outros perceberam que agora era a sério. A que nos levou pela mão através dos caminhos sinuosos, que do alto das ameias de Almourol nos abriu o Who's who, sabia o que fazia. E não deve ser por acaso que a Janela é agora um lugar de peregrinação. Quem lá quer chegar tem de sofrer e subir muitas escadas. Mas vale sempre a pena a revelação.

De vitória em vitória

Desde domingo que colecciono retumbantes vitórias. Tanta felicidade deve fazer mal. Hoje sou da Holanda.

Antologia de O Mal: Sócrates

(...)Com efeito, ó juízes- pois chamando-vos juízes atribuo-vos o nome correcto- sucedeu-me algo extraordinário. De facto a minha voz profética habitual, a do demónio, que durante toda a minha vida passada era muito frequente e até se opunha acerca de pequenas coisas, se eu ia agir de uma forma que não era justa. Agora, porém, sucedeu-me precisamente o que vedes, o que se poderia crer que é o maior dos males, e esta é a opinião geral. Porém o sinal do deus não se me opôs, nem ao sair de casa de manhã, nem quando subi ao tribunal, nem enquanto falava. Na verdade noutras ocasiões interrompeu-me muitas vezes os meus discursos. Agora, porém, no decorrer deste processo não se opôs às minhas palavras nem aos meus actos.

Platão, Apologia de Sócrates, trad. de António Monteiro, editora Replicação

14 junho 2004

Lhasa


Lhasa, Lhasa de Sela, a outra Llorona, a miúda, vai estar em Portugal nestes dias. O sítio mais cosi para assistir é o TAGV. Digam, que um de nós há-de guardar bilhetes.

Data / Cidade / Sala
07/07/2004/ Lisboa / Forum Lisboa
08/07/2004/ Coimbra / Teatro Académico Gil Vicente 239-855-63
09/07/2004/ Aveiro/ Teatro Aveirense
10/07/2004/ Porto / Jardins do Palácio de Cristal

"Dir-te-ei quem és."

Hoje sou da Dinamarca. Hoje sou da Suécia.

Parlamento Europeu, a selecção nacional

No meu caso é simples, muito simples mesmo. Espero que todos saibam quem se senta em seu nome no Parlamento europeu.

Eurodeputados eleitos:

Pelo Bloco de Esquerda:
Miguel Portas

Pela CDU:
Ilda Figueiredo
Sérgio Ribeiro

Pelo PS:
António Costa
Ana Gomes
Francisco Assis
Elisa Ferreira
Paulo Casaca
Sérgio Sousa Pinto
Fausto Correia
Edite Estrela
Capoulas Santos
Jamila Madeira
Emanuel Fernandes
Manuel António dos Santos

Pela coligação PSD/CDS-PP:
João de Deus Pinheiro
Vasco Graça Moura
Assunção Esteves
Luís Queiró
Silva Peneda
Sérgio Marques
Duarte Freitas
Carlos Coelho
José Ribeiro e Castro

13 junho 2004

Au suivant

Ganharam os que pensam que a história não tem fim (os jogos duram até ao último segundo). Talvez este conhecimento seja uma vantagem geracional.(risos)

Interessados nos memes?

Podem sacar um programa de rádio espectacular com gente como Matt Ridley, Richard Dawkins, Susan Blackmore e Steven Pinker entre outros. Já tem uns aninhos mas parece-me muito recomendável para principiantes, e não só. Dá para imprimir ou ouvir. Aí vai o link: http://abc.net.au/science/descent/default.htm

Le jour suivant

Eu ontem estava com os mais fortes, em teoria, e hoje com os mais fortes em teoria. Espero que não sejam os menos votados. À parte isso, Vive la France.

Apelo ao voto

Se isso vos faz bem, se vos faz sentir uma pessoa melhor, votem. Os que que capturaram a representação dos cidadãos contam connosco, votantes e não votantes. Mas não votem, por favor, nos que no dia seguinte a serem eleitos, sem pedirem desculpa aos eleitores, em lugar da cadeira do Parlamento se vão sentar na cadeira do Conselho de Administração do Banco dos Negócios.

Falhanço na comemoração de Joyce

Eu estava a preparar um blooming para esse personagem que se encontra em Quito . Inspirado pela aproximação do dia 16 de Junho, em que Leopold Bloom sai de casa e encontra Stephen Dedalus e no texto de Helena Vasconcelos. Também o homem em Quito encontrou a língua do colonizador espanhol tal como os sobreviventes a falam, quinhentos anos depois. Estava dentro de si. Para isso teve de perder o neo córtex. Não bem perder. Digamos que o que se passou nas ruas de Quito e depois se confirmaria na viagem às montanhas do Equador seria um processo de encriptação nas estruturas mais profundas do rinencéfalo, dos memes que expandiram o cérebro para o neo cortex. No decurso daquela transmutação era suposto que os processo de decisão, de racionalização e a própria linguagem, imersos no mundo dos sentidos e do desejo, tomassem outra expressão. Mas acho que foi uma tentativa falhada. Nas ruas de Quito, com o bilhete da camioneta na mão, o mais que sinto é não ser a manhã o avesso da noite. Só me posso queixar de mim, mas cem anos depois, ninguém me desabotoou as calças.

(Na foto, Nora Barnacle, alguns anos depois do blooming. Já Jim a tratava mal)

12 junho 2004

Leituras

Infectado verticalmente, o Nuno reflecte na Aba de Heisenberg sobre a replicação do meme do pano. O Zé Mário descobriu que o patriotismo é barato (um euro)e repousa no trabalho quase-escravo chinês. Hoje discordei 90 vezes do Zé Mário. Pela mão da Charlotte descobri o blog evolucionista do Miguel, aqui da terrinha, aliás com a mesma vista náutica-chic que admiro, se assomo à janela. Outras adições para My Moleskine, da Inês e pequenas histórias, da Ana Cordeiro.

The descent of man

Ele tinha preparado esta viagem embora nunca tivesse imaginado que a ia fazer sozinho. Mas com os preparativos quase feitos António disse-lhe que estava apaixonado pela engenheira agrónoma , que era a oportunidade da sua vida, essas coisas. Viajou sozinho para Lima. A ideia era aproveitar a sabática e passar uns meses nas Galápagos. Levava uma mochila com alguma roupa, um saco de toilette, a Voyage of the Beagle e The Descent of Man em edição paperback. A viagem para Quito demorou um dia. Nesse dia uma poderosa transformação começou a operar-se nele. Como estava sozinho não falava. Mas aquilo que pensava, uma confusão de pensamentos sem conexão, surgia em castelhano. Não percebia muitas palavras ou não estava familiarizado com elas e tinha de as repetir tentando frenar a corrente de consciência. Acontecia que tudo fazia sentido, como nos sonhos. E ele não dormia, agarrado à mochila, atento aos cestos de roupa, aos animais, às àrvores também elas desconhecidas, às cores das mantas das mulheres e à decifração dos rostos dos homens. À chegada a Quito a cidade pareceu-lhe familiar. Levava a direcção de um tal Café Cultura, onde, tinham-lhe dito, se podia dormir por dez dólares. Mas nem o procurou. Numa agência de viagens confirmou que nas Ilhas Galápagos a estação era da garua. Viu o preço do voo. Comprou o Traveller’s guide de Barry Boyce. Mas já no balcão parou e não marcou o voo. Ao falar com o agente de viagens apercebeu-se que o seu castelhano era fluente, mas não era a língua de Quevedo. Num momento em que hesitou à procura de uma palavra saiu-lhe uma frase esquisita. O agente de viagens sorriu-lhe e disse: “A falar assim quechua não vai ter dificuldades em Quito”. Saiu para a rua. Estava muito calor mas não tinha sede nem suava. Andando ao acaso viu um homem que vendia bilhetes para uma viagem de buseta de Alausi para Guayaquil. Não sabia a localização precisa dessas localidades, nem a duração da viagem. Comprou um bilhete. Perguntou ao homem se sabia inglês. Que não, só umas palavras. Mas o filho sim, até queria estudar numa faculdade. Deu-lhe The Voyage of the Beagle e com The Descent of Man na mão hesitou, mas nunca tinha viajado sem livros e qualquer coisa do seu passado lhe reteve a generosidade.

Pões o pano

Floriram ao acaso (ao sabor da replicação randomizada do meme põe-uma-bandeira-na janela). No bairro operário agora pesadamente embandeirado também eu ponho um pano para não dar nas vistas. Ou porque no meu córtex há um meme que diz: não-te-afastes -excessivamente-das-grandes-emoções-colectivas.

10 junho 2004

Recomendações

Nós lemos com prazer os blogs que recomendamos. E todos os dias procuramos novos. E de certeza que muitos, com grande qualidade, esquecemos, ou ainda não tivémos tempo para a sua adição. Entretanto o ar que ele respira está mais claro. E vão ver, enquanto é tempo, as várias razões porque a Montanha é Mágica.

O pano d@s menin@s

Sim, podes pôr o pano na varanda ( a velocidade de replicação dos memes é notável). E o cachecol também. E podes chorar à vontade ao recolhê-los.

Do êxito da blogosfera

Susan Blackmore é uma pensadora muito estimulante. Em The Meme Machine (1999, Oxford, Oxford University Press) escreveu. "The enormous human brain has been created by memes.(...)The reason we talk so much is not to benefit our genes, but to spread our memes."

Clara sozinha no jacuzzi

Os memes são, com se sabe, replicadores de tipo novo. São unidades de informação cultural que se autoreplicam nos cérebros. Se os nossos corpos são as formas biodegradávéis de existência e transmissão dos genes (Dawkins) então os nossos cérebros são as formas de armazenamento dos memes. A transmissão dos genes é lenta, contigente, vertical( de pais para filhos). A transmissão de memes pode ser rápida (ou demorar milhares de anos). Vertical. Ou horizontal (através dos pares). Ou oblíqua (de professor a aluno ou de aluno a professores, por exemplo). Matilde Sousa Franco disse aos jornalistas: Eu gostaria que ele fosse recordado por uma frase de Horácio: "Quem teme as tempestades, acaba a rastejar". Este meme perdurará, e transmitir-se-á com celeridade, assim o espero. Já a bióloga Clara Pinto Coelho, entrevistada por um chato num canal cor-de-rosa, parece ignorar que a transmissão dos memes se faz com muito maior eficácia de forma horizontal que vertical. Ela contrariou nos filhos a vontade de possuir um telefone móvel. Logo que estes tiveram dinheiro próprio correram a comprá-lo. Ela surpreende-se de eles quererem ver Morangos com açúcar (um poderoso difusor oblíquo de memes juvenis). E acredita que "quando estou com amigos no jacuzzi a ver o pôr-do-sol(enjoativo meme da felicidade na meia-idade) eles deixam a novela e vêm para junto de nós".

Casual sex

hoje, que o sitemeter diz que foram todos para a praia, talvez possa escrever algumas coisas com interesse.
Um dos meus escritores favoritos diz que o sexo casual é impossível na espécie humana. Meu deus, mas o que é que tenho andado a fazer?

Sousa Franco

Se a blogosfera é um dos últimos redutos de liberdade de expressão tenho que escrever isto. Leiam o Público de hoje e a reportagem da segunda página assinada por J.P.H. Vejam as fotografias. António de Sousa Franco, cambaleante, é transportado por Narciso e outro indivíduo, de pulseira de ouro, que deve ser o Seabra. O relato do que aconteceu, e as fotografias, são elucidativos. É assim que, no início do século 21, em Portugal, as coisas se passam. Nos tempos normais mandam os Narcisos e o Seabras, os Marcos Antónios e os Ramos. Mandam nos Partidos, mandam nas Câmaras, mandam nas instituições democráticas. Mandar não é o termo adequado. Deixam que se processe sem sobressaltos o livre jogo do mercado. Que os empresários façam os seus negócios, que os dinheiros dos contribuintes e dos Fundos europeus sejam bem empregues, que o povo tenha festa, e se possível pão. Depois chegam as eleições. É preciso dar uma de respeitabilidade, sobretudo para a classe média com alguma literacia. E é nesse momento que pessoas como António Sousa Franco são necessárias. Tenho pena de escrever isto. Mas pessoas como Sousa Franco são para os Partidos da democracia portuguesa aquilo que os idiotas úteis foram para os comunistas. Limpam o nome do Partido. Os Narcisos e os Seabras, que não tiveram tempo para a Faculdade, para essa seca dos Conselhos Científicos e das citações de Horácio, aplaudem.
António Sousa Franco quis jogar aquilo que pensou ser o jogo da democracia como-ela-é-na-realidade. Caiu de pé, porque felizmente não havia câmaras de televisão na Avenida da República. Mas os que decidiram que esse jogo teria de passar pela lota de Matosinhos, esses, deveriam prestar contas ao Partido, se este ainda tiver gente e força para isso.

09 junho 2004

Sousa Franco

Estou triste. E tenho pena. António Sousa Franco, arrastado aos mercados por gente sem escrúpulos. Nenhum coração decente sobrevive aos que se acotovelam na política para defender a vidinha. Talvez seja mesmo melhor deixá-los sózinhos, nas concelhias e nas distritais, nos Conselhos de Administração, nas direcções dos jornais, nas respeitáveis Fundações, nas inaugurações e nas conferências de imprensa, nas urnas e nos parlamentos. Deixá-los com os que lhes pedem aventais e canetas, com os que aplaudem e apupam. Retiremo-nos silenciosamente de todo o espectáculo que esta gente urde. Para as serras, os jardins, onde as nossas crianças e os nossos burrinhos possam estar, pobres e decentes.

A lei é a lei

Ninguém está acima da lei, gritou o Factótum, em cruzada. Excepto, claro, os que estão acima dele. E a crer na exaltada deformação da face, mesmo em cima dele.

Se

Se amar-te
fosse o bastante
olhar-te assim
impossível
Eram beijos
o menos
do que te não pedi

08 junho 2004

A soldado Karla, de Helsingfor

Eu estava paralisado pela perspectiva de ter de me sentar à janela. A passageira do lugar do corredor agradeceu a troca. Trazia uma mala que por estultícia quis ajudar a pôr na bagageira. Quando o fiz toquei-lhe no braço e era bem musculado. Antes da descolagem já escrevia. Preenchia o que me pareciam ser postais e que depois, quando ganhei coragem e posição para olhar, percebi serem fotografias. Escrevia rapidamente, de um só fôlego, ou devo dizer, de um só soluço. Porque ela chorava enquanto escrevia. Soluçava, fungava, fazia ruídos para engolir as lágrimas, e escrevia sem parar, sem reler. Por vezes suspendia a escrita para olhar as fotografias e voltar ao choro. Grande inspirador é o sofrimento. Porque ela escrevia sempre. Copiosamente. O lugar entre nós ficara vago e eu aventurava-me agora a encará-la. Tinha cabelos escuros, revoltos, umas calças de riscas verticais cinzentas, uma camisola cintada com uma abertura lateral gótica. O que se via da cara era agradável. Pus no banco, sem a olhar, um maço de Kleenex. Ela pegou-lhes e agradeceu. E depois contou-me a sua história que não posso transcrever por motivos fáceis de adivinhar. Direi apenas que ela é soldado de um país aliado e, na semana de férias que acabara, tinha conhecido um rapaz de um país inimigo. Ter acabado, como devia, com essa paixão anti-regulamentar, não lhe seria tomado como atenuante. Menos ainda chorar num avião, escrever, fazer confidências a um homem obscuro que acabou de conhecer.

Adições

Os Outros de Nós, pelo post de ontem e pelos outros também. A Grande Loja (já com link aqui ao lado)com um pedido para mudar de nome. Malícia de Mulher por motivos óbvios.

devemo-nos calar

Desço a rua brasil a esta hora em que a sombra se esconde debaixo das casas, das árvores, dos objectos, só me resta a vista do rio à torreira do sol. Lá está também a ursa com o ar imponente mas protector, todos te vimos orgulhosa no claustro da vida selvagem. Lá está, mas agora morreu a relva que te deu forma, a tua pele é de um amarelo seco e pálido e escorrem manchas castanhas da terra que te corre por dentro do corpo. Não desesperem, ela vai ficar bem, abrangida por um programa quadro e declarada património não dispensável, está inserida num parque de verde a castanho, da água que corre no rio até ao asfalto onde correm as faixas. Ela vai ficar bem, verá o nosso passeio, o mobiliário urban, gente com diferentes níveis de isenção fiscal, o higiénico recordar da posição bípede dois dias por semana. Do lado simétrico da rua remexem-se as entranhas da terra numa área de perito igual. Uma fiada imobiliária há-de fechar a luz nesta rua brasil, justificar a factura do mobiliário urban e pagar transplantes de novo verde para a tua pele. Tu vais ficar bem, as entranhas simétricas que remexem e as manchas castanhas na tua pele são o sangue da terra mais o suor do trabalho que dão a evolução... grrr. Dá-me uma razão, peço-te, porque nos devemo calar a enfrentar o futuro desagradável que se avizinha, agora que já re-rrespiras. E tu atiras-me com seis.

PC

Arte Poética

Our fundamental tactic of self-protection, self-control and self-definition, is not spinning webs or building dams, but telling stories, and more particularly connecting and controlling the story we tell others- and ourselves- about who we are.
Daniel Dennett

O ciclo das bandeiras

A distribuição de bandeiras foi um êxito no bairro operário. Talvez tenham sido as crianças a estendê-las. As que as vão embrulhar calaram-se. As bandeiras secarão antes das begóneas e das sardinheiras.

07 junho 2004

Em geral todos

O que é que acharam das pessoas? Antipáticas? É o que eu chamo de efeito de capital.Olhe os franceses por exemplo, são simpáticos? O que é que pensam? São, não são. Pois os de Paris são insuportáveis. Já os de Lille, os de Roubaix, conhecem, os de Lyon, Montpellier, enfim em geral todos, excepto os de Paris... Vocês são mesmo de Vila Verde? Engraçado. E não conhecem a Gina, que trabalha no Banco em Vila Verde? Casou com o Rodrigo, filho de uma empregada da minha mãe. Não conhecem? Que engraçado, julguei que toda a gente se conhecia em Vila Verde. Então para onde é que vai ser a vossa próxima viagem? Ainda não sabem? Eu programo tudo. O meu sonho é fazer os Estados Unidos. Coast to coast. Mas preciso de dois meses e de reunir um grupo de amigos. Não é fácil. Dois meses. Meia dúzia de amigos. Este ano tenho de me contentar com Havana. Quero lá ir antes de o Fidel morrer. Miami? Não me interessa muito. Não, sabe que não gosto muito de Ralph Lauren, não, nem de graça, desculpe a franqueza.

Fantástico

Olhe eu estou aqui num canto quase sem ninguém, ao pé de uma colecção de capa preta com títulos fantásticos, uns conhecemos, outros nem tanto, ah foi você quem me falou disso, bem me parecia, olhe a letra é grande, fantástica para ler na praia, vou fazer uma selecção para a praia, o que é que me diz, não lhe parece que nos vamos divertir imenso?

Gostava mais de ser Artaud, mas...





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


Foi este o resultado do meu teste. Talvez não tenha sido sincero nas respostas.

Encontro em Aachen

Combinámos um encontro em Aachen, um sítio como outro qualquer quando se recomeça. Levámos lenços brancos para nos reconhecermos. Avisados, eles estavam lá. Surpreendentemente éramos uma multidão, e começámos a agitar os lenços. Eles não podiam ver a confiança que havia nas nossas caras e julgavam que nos estávamos a render. Mas nós estávamos a despedi-los.

06 junho 2004

Para que se não esqueça

Quando lerem os editoriais do sôr zé manel furnandes podem estar a ler os bilhetes da ministra Ferreira Leite. Quando lerem a folha do sôr zé manel furnandes podem já não estar a ler o Público mas apenas a folha do sôr furnandes, um jornal censurado.

Uma mulher nas ondas


Rebecca Gomperts, médica holandesa, fundadora do movimento Women on Waves.Rebecca criou uma "Unidade de Saúde Reprodutiva" móvel, que instalou num barco. O barco desloca-se para os países onde a legislação sobre o aborto é restritiva (Irlanda e Polónia, por exemplo). As mulheres que optaram por fazer IVG e a quem, nesses países, só são reservadas soluções inseguras e criminalizadas, podem viajar com ela até águas internacionais.
Rebecca relatou este fim de semana em Coimbra a sua experiência nas águas do tabu, do silêncio e da vergonha

A Fraude da festa da cultura em Serralves

Dezenas de milhar de desdobráveis, o suplemento apologético da folha do sôr zé manel furnandes distribuído à entrada, mapas e roteiros e folhas explicativas. Chamadas de atenção de todos os meios de comunicação. Artigos elogiosos escritos de véspera. Os membros do governo e os autarcas em peso no beberete. O povo culto do Porto, confiante, bem disposto. Os avós e os filhos e os netos. E uma tremenda fraude.
Não se passava nada. Pessoas aos magotes passeando nos jardins como se tivessem um objectivo. Na Biblioteca quatro figuras de cera falam para uma assistência adormecida. Nas salas de exposição a multidão olha de relance os quadros, os video-clips, as instalações pindéricas. Onde é que são os solos de saxofone e contrabaixo? E onde é que estão a ler O livro do Desassossego? Não havia uma coreógrafa a cantar? Já foi. Não é aqui. É preciso bilhete que se levanta do outro lado do Parque. Os Três Tristes Tigres são só um. A outra já é uma tigravó e ficou a curtir o netinho. Os Television eram muito bons no tempo dos The Ramones. Hoje não aquecem ninguém nem as memórias que não temos.
Olha ando para aqui perdida, ouvi a uma. Nós também, mas vamos já embora.

05 junho 2004

Coluna Vertebral

Os nossos maiores interesses estão nos sonhos de Isadora.

04 junho 2004

(O fim do) Amor à primeira vista

Olhou-o e não se lhe abriu no peito o alçapão, não lhe tremeu a voz, não teve de esconder os olhos. Viu o rosto dele como será em breve, quando definitivamente envelhecer. E não se enterneceu. Desta vez estava segura, era o fim do amor à primeira vista

Bros ajuda António de manhã

António acordou triste. Nunca tinha acontecido mas algum dia poderia acontecer e lamentavelmente esse dia foi o dia de hoje, numa casa da cidade do Porto. António foi ao quarto onde Bostali Bros, sem família, com emprego precário a título definitivo, perseguido pelo Estado e pela apreciação das suas feromonas, com parte significativa dos objectos históricos dos museus do seu país colocados em lugar seguro, já fazia os exercícios matinais. Encontrou-o cheio de confiança e energia. António sorriu. O sorriso de António é incrivelmente terapêutico para os amigos, mesmo recentes. Mas não serve para grande coisa ao próprio, numa manhã como esta que ele nunca imaginara poder acontecer. Pediu a Bostali Bros uma razão para enfrentar o dia desagradável que se avizinha. Bros deu-lhe seis.

03 junho 2004

Lamento de Bostali no Porto

O meu nome desperta-vos sentimentos de desconfiança. Dito na vossa língua o meu nome não me torna simpático. Chamem-me António. Rapei o bigode para que vocês gostassem de mim. Mas a cor da minha pele é mais difícil de mudar. Parece que o cheiro do meu suor também vos é desagradável. Mas devo deixar de suar? Infelizmente, por causa do SEF e do Ministério das Finanças, tenho de trabalhar. Como não me reconhecem os diplomas tenho de fazer trabalho manual. Com o calor que faz no Porto, apesar da roupa clara, suo imenso.

Cotas

On Wednesday, 2Jun04 at 14:23 Armanda wrote:
Subject: "ai, ai, os homens!!"

já viram isto?


Eu acho muito bem, cotas pois então

de seguida vamos colocar também cotas para regular os nascimentos, deverão nascer aritmeticamente 50% de cada sexo, o mesmo para as mortes que devem ser reguladas de forma a atingirmos iguais cotas de longevidade, qualquer dia serão cotas na política e ainda teremos uma mulher ministra das finanças e um homem ministro da saúde, as consultas de urologia serão também frequentadas por pacientes de ambos os sexos em equidade total, o mesmo nas de ginecologia e obstetricia com os homens confortavelmente deitados na marquesa, finalmente a gravidez e o parto seriam também vividos pelo homem ou pela mulher consoante a distribuição estatística o ditar. Deste modo já as licenças de maternidade não obstaculariam ao total empenho e dedicação ao trabalho do sexo.

Esta é a minha posição completamente altruísta, se assim não fosse eu era contra. Então um homem quando fica doente não tem o direito de ter um pequeno prazer? Até já me estou a sentir um doente crónico para ser tratado por aquelas mãos doces...

PC

Estilo vertical

Antonio é uma pessoa muito sofisticada. Usa no bolso um Notebook, coloured edge, elasticated lined, de 130mmx 84 mm, no qual escreve apenas com um porta minas da Caran d'Ache, Fixpencil, 22, em metal. O livrinho é uma espécie de Moleskine vertical, com a desvantagem de lhe faltar o bolsinho interior. António sustenta que, pelo contrário, as vantagens são enormes. O formato permite-lhe uma escrita diferente e essa escrita abre-lhe o pensamento, sempre em transporte ascensional. A escrita vertical de António lembrou-me EPC. Mas desde que Isadora elogiou EPC que eu o leio com bonomia e sem irritação. Aliás em T. dei comigo a citá-lo quando tentava explicar a mim próprio que a diferença do Norte era sobretudo uma questão de escala e de luz. De certo modo a coluna de EPC é um exemplo de escrita vertical. Quando Bostali Bros começar a escrever no Notebook de António a sua escrita alegrará os céus.

DO INCÓMODO À INSPIRAÇÃO

De saia justa, à janela para não incomodar, fuma, inspirando o ar ainda fresco da manhã e os colegas (menos frescos) de gabinete.

André Bonirre

O saque do Museu

Uma das imagens que recordaremos da ocupação anglo-americana do Iraque é a do saque ao Museu de Bagdad. Agora há quem esqueça e quem diga que não, estava tudo protegido, foi contra-informação. A notícia aqui lembra que 15 mil peças continuam perdidas.

Antologia de O Mal: Gastão Cruz


DEPOIS

Quando volta num sonho o amor atemoriza
é uma lança escura
que trespassa a exígua espessura da vida

Gastão Cruz, Repercussão, Assírio & Alvim, Abril de 2004

Antes de adormecer

Não sei fazer nada.
Tropeço e caio.
Os do bibe azul empurram-me.

E o meu cérebro.
Está a andar ou está parado?


créditos: Teresinha, do bibe amarelo

Antologia de O Mal: Mário Cesariny


ortofrenia

Aclamações
dentro do edifício inexpugnável
aclamações
por já termos chapéu para a solidão
aclamações
por sabermos estar vivos na geleira
aclamações
por ardermos mansinho junto ao mar
aclamações
porque cessou enfim o ruído da noite e a secreta alegria por escadas de caracol
aclamações
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve
porque outra é indubitável: não se ouve ninguém.

Mário Cesariny, Pena capital, Lisboa, Assírio & Alvim, 1982 (2ª ed). Antologiado em Telhados de Vidro, nº 2, Averno, Lisboa, Maio 2004

Telhados de Vidro - nº2

A minha livreira (na Quarteto) guardou um exemplar logo que chegou e pôs outro em lugar de destaque. Telhados de Vidro, nº2, editado pela Averno e dirigido por Manuel de Freitas e Inês Dias. A Antologia vai buscar um poema lindíssimo a Cesariny. Inéditos de, entre outros, José Miguel Silva e Rui Pires Cabral. Poemas de Konstandinos Kavafis traduzidos do grego por J.M.Magalhães e uma excelente memória da vida e morte de Eduardo Guerra Carneiro por Vítor Silva Tavares.

Não exagerem, precisamos da vossa alegria

De San Francisco, revivalista, trouxeste-me o Concert at Philharmonic Hall do Bob Dylan. Gostei muito e agradeci-te. Mas agora que o ouço olha: o Bob Dylan canta mal e não me comoveu. Afinal cantou sempre mal, não foi depois do acidente. E além disso enganou-se: The times they weren't a-changin'.
Mas também não há razão para tanta tristeza. O teu futuro é promissor, lê-se na tua mão, nos teus olhos, nas tuas fotos e na tua escrita atormentada e inquieta. Estes tempos são os melhores da existência humana. Sócrates foi obrigado a beber cicuta. Cristo foi condenado em vez do ladrão. As mulheres sofreram terrívelmente nas prisões de Hämeenlinna e delas nem o nome ficou. Hoje somos muitos. Aprendemos ler e em alguns casos a escrever. Descobrimos o que não era suposto ser desvendado: o DNA, o código genético, o mapa genético, o gene egoísta, a ilusão da consciência. Embora o nosso destino seja a morte o nosso presente é magnífico.

02 junho 2004

Vocês estão tão bonitas

Uma das maiores conquistas dos nossos tempos foi a democratização da beleza. Em T. dormi num hotel instalado numa antiga fiação. Num recanto encontrei uma fotografia da saída dos operários. Descontando a sépia deve corresponder a um ano algures entre as duas guerras mundiais. Quase tudo mulheres. Velhas, sem idade, precocemente envelhecidas, pesadas, com dentes em falta, cabelos tapados como as àrabes ou as mulheres judias. Vestidos sem graça, casacos de tecidos rudes. As fotos que Joaquim Vieira reuniu no Portugal no século XX são ainda mais deprimentes. Gente descalça, de luto, de xaile.
Hoje vocês têm as mãos aristocráticas de que a Sophia falou, sem o sofrimento de gerações de escravos. Vocês são tão bonitas.

As coisas complicam-se para Bostali

António telefonou-me preocupado. António ainda não lê blogs mas suspeita que eu tenha algo a ver com isto. Hoje, quando chegou a casa, tinha duas notificações à sua espera. Uma dos SEF outra do Ministério das Finanças. Ambas exigiam a apresentação urgente de Bostali Bros.

Bostali à beira da blogosfera

Bostali Bros está radiante. Um vírus bom, com a mania das terapias comunicacionais, entrou no site do Ministério da Marinha e pôs uma série de gente em rede. Depois, um efeito de correntes marinhas alargou as malhas até aos sites dos navegadores solitários, dos amigos de ouriços cacheiros, dos aderentes do recente comité dos que não vendem um post a nenhuma editora seja lá quem fôr , e vá-se lá saber porquê, ao mail de Bostali. Quase todos se apressaram a pedir para riscar o seu precioso endereço dessa promiscuidade. Quase todos. Dina G. do blog mar s.a. blogspot. com convidou os novos amigos para os seus textos. Elaine, advogada em Tondela, manifestou-se encantada por conhecer gente, à partida tão interessante. J. P. Faria avançou com a idéia de um Forum sobre a defesa dos mares. Eugénia divulgou o endereço sitesmaisuteis.com, que anima conjuntamente com outros mergulhadores de apneia. Bostali não sabe que fazer a tantos amigos.

01 junho 2004

Da decadência dos povos peninsulares

Trinta graus centígrados à sombra. Este país não pode ser sério.

A nuvem

Cá está a terrinha. O calor logo de manhã, um ar seboso que se agarra à pele. O cheiro dos detritos abandonados pelas ruas. Ao longe o fumo dos primeiros fogos. Os cães têm sede. Os muito jovens riem porque não sabem. O velho olha o céu. A nuvem tem a cara de um homem que esteve sempre zangado connosco e continua, de testa franzida e olhos semicerrados, ameaçadores.

Aos meus amigos da blogosfera

Que nenhum direito de autor reclame o pior dos vossos posts.

Bostalibros@esoterica.pt

Quando António chegou de T. pareceu-lhe desolada a casa onde vivia. Os objectos que acumulara nos últimos seis anos da sua vida, depois de se lhe ter parado o coração, eram coisas com custo e sem valor. Abriu o mail escrevendo Bostalibros@esoterica.pt. Acertou na password à primeira tentativa. Não havia nenhuma mensagem. Ninguém escrevera a Bostali Bros. António sabia mas ficou triste.

Bostali Bros

O nome dele é António. Quando chegou à cidade de T. era madrugada e vinha cansado. Apesar do seu coração ser fraco, António só se cansa em situações extremas, como as desse dia de aviação civil em carrocel por escalas absurdas. No Hotel Tammivalkama a reserva estava em nome de Bostali Bros. Ele protestou. O nome dele é António. Na língua do seu país, o nome que lhe tinham dado podia ser alvo de piadas a que se não queria expôr. Além do mais, o verdadeiro Bostali podia aparecer e não lhe apetecer partilhar o quarto. Disseram-lhe que a reserva tinha sido confirmada e que a tardia hora de chegada correspondia exactamente à hora em que ele se apresentava. Achou que não valia a pena desfazer o equivoco. O criado do hotel que lhe levou as malas guardou a gratificação e disse-lhe: Thank you Mr. Bros. Toda a noite sonhou com a rota que vem da Arabia para Istambul e do Mar Negro sobe pelo Dniepre até ao Golfo da Finlândia. Na reunião de trabalho da primeira manhã entregaram-lhe documentos com o nome de Bostali Bros. Fez uma intervenção sobre os problemas dos refugiados do Sudão e quando lhe pediram para repetir o nome, disse: Bros, Bostali Bros. E a voz não lhe tremeu. Jantei com ele todos os dias. Mostrou-me o sorgo, a luzerna e o trevo. Falou-me das camas especiais que criara para optimizar a produção de leite de vaca quando geriu uma empresa do ramo. Graças a ele sobrevivi áquele momento que, segundo Rosa Montero existe em todas as viagens, em que a viagem fica insuportável. Levou-me a Terra Feminarum, no hinterland russo, homenagear a matriarca de Polijola cujo nome era Louhi, uma bruxa poderosa, e nela homenagear todas as mulheres. Fiquei amigo de Bostali Bros e espero encontrá-lo em breve e muitas vezes no futuro.