31 março 2007

Moinhos acima


Maggie Taylor




Simão era alfaiate
Joaquim relojoeiro
Agostinho nunca trabalhou
Aguinaldo barbeiro, agitador
as mais das vezes preso
ou deportado
Antes deles
as mulheres trabalharam
no campo de sol a sol
Pendurados nas arvores
os filhos viam-nas
mijar de pé e de pé
aliviar os rudes companheiros.



Que não seja um moleiro
a separar-nos

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30 março 2007

Queimada no monte


Maggie Taylor


O monte entristeceu na caminhada
e ao fim do dia encontrava-se só
cego para os céus e sem perceber
os sítios e a gente onde passara

Traz a vetusta roupa do seu tempo
dos séculos que viveu sempre atrasado
Um braço parkinsónico caído


Quando a imagem lhe queimar os dedos
fecha-se a válvula rompe o coração

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29 março 2007

Não te Mexas, Morre e Ressuscita


Maggie Taylor e Vitali Kanevsky
Eu não fui lá, como dos Mares do Sul disse um poeta. Nunca fui. Embora
tenha estado nas bordas. E muitas vezes me apetecesse ficar assim. Sem
mexer. Sem sentir o afã com que se chegam aos cartões de crédito, aos carros com condutor, às reformas especiais, às indemnizações compensatórias. Sem sentir os passos do senhor K. nos corredores da Justiça. Sem ouvir o eco dos estádios. Sem ver a Odete Santos a cuspir um pré molar não metafórico e a engoli-lo em seguida. E a Clarinha no meio daquilo tudo sem conseguir redonda a citação. E o D. João II a limpar o Conselho Nacional do PP. E o rústico erudito eructante. E os apoiantes. E os apoiantes dos apoiantes.
Não mexer. Como se fosse a guerra
é a guerra e os nossos corpos
procurassem a lama se cobrissem
da cal até sermos
estátuas de borco e tudo
um grande silêncio ao longe.

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28 março 2007

Crânios aos meios, tórax aos terços





Autoria conceptual: Luís

27 março 2007

Os donos dos donos do mundo

O pó da manhã


(Jeff Wall)

De manhã entro nos Correios alinhado pelas baias do Amorim. Tropeço no lixo do Amorim. Escorrego na lama do Amorim. Sou insultado pelos engenheiros e capatazes do Amorim. Apanho nas ventas o pó do Amorim. Sucede o mesmo a uma mulher com quem cruzo. Isto dura há dois anos. Mais Tê zeros de luxo, mais lojas, mais carros, numa zona que, há dez anos, a Câmara interditou à expansão dos Correios, “por estar saturada de tráfego”. A mulher limpa o pó da cara. Eu digo-lhe:
-São os donos da cidade. Não adianta indignarmo-nos. Não há a quem protestar.
Ela olha-me com algum espanto. Depois percebe que partilhamos na cara e nos pulmões os detritos do Amorim e a marca dos vencidos:
- São os donos do mundo- disse ela.

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26 março 2007

Ninguém calará a voz à classe

Companheiros

Mário,
Barroso, Oliva,
Binorre, Boniche, vitela lafonense, vitelinha,
Camaradas!, Irmãos em Armas!, mel-indrado, aos costumes disse puto!,
companheiros poetas, Manela, Manel, manelito, manelito morrido, Mafalda, Ilda em nome de Guilda, Romano Germana,
Andrè e Luìs, Carmen San Diego, Tom Bolla & Jack Pott, raid casa e plantas org., o estado da arte, wordpress midgets, vila-matarruano,
ip 5, ip a-dengos, ip 3, ip 231.234.1#



A LUTTA CONTÍNUÃ ! ! !

Ass.: scan

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De manhã o dia dói nos olhos
sobretudo nas férias escolares
as escamas das mãos já anunciam
outro verão outros fogos outras cinzas

(Lee Friedlander)

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24 março 2007

Ao Comendador Desconhecido

O elogio da educaçao formal


JM Coetzee por David Levine no New York Review of Books

Coetzee escreve no New York Review of Books (tradução no Libération de quinta-feira) uma extensa referência ao último livro de Norman Mailer (The Castle in the Forest). O livro aborda uma questão relativamente desinteressante: o mal está connosco desde o nascimento ou há um momento em que o demónio nos possui. na mesma ocasião é publicada a última investigação que o grupo de Damásio continua a produzir sobre as bases neurofisiológicas do julgamento e da acção moral. (Nature, só o resumo está disponível no processo acelerado de privatização da net.)
Depois de descrever o período de Viena na vida de Hitler e a influência que nele tiveram charlatões agora esquecidos, como Guido von List( a supremacia ariana) e Lanz von Liebenfels ( a misoginia violenta), Coetzee escreve as seguintes linhas que devem ser lidas como o elogio da educação formal:

All in all, the adventures of Adolf Hitler in the realm of ideas provide a cautionary tale against letting an impressionable young person loose to pursue his or her education in a state of total freedom. For seven years Hitler lived in a great European city in a time of ferment from which emerged some of the most exciting, most revolutionary thought of the new century. With an unerring eye he picked out not the best but the worst of the ideas around him. Because he was never a student, with lectures to attend and reading lists to follow and fellow students to argue with and assignments to complete and examinations to sit, the half-baked ideas he made his own were never properly challenged. The people he associated with were as ill-educated, volatile, and undisciplined as himself. No one in his circle had the intellectual command to put his chosen authorities in their place as what they were: disreputable and even comical mountebanks.

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23 março 2007

Souvenir

Fui ao Boulevard Garibaldi
- aquele que é atravessado
por um Metro alteado
assente em colunas de uma ordem menor-
fazer um post.

Talvez o Boulevard Garibaldi
não seja o sitio ideal
para dizer dos corações onde um sangue
espesso vai parar

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Consulta de Cardiologia

À saída trocámos relatórios.
Já não se trocavam corações
-assim parecia.

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22 março 2007

Belle de Jour, 1967



Eu lembro da moça bonita da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde de um domingo azul
Azul era a "Belle", "Du Jour" era a bela da tarde
Seus olhos azuis com a tarde, na tarde de um domingo azul
La Belle du Jour

Belle du Jour, ô, ô, Belle du Jour

La Belle du Jour era a moça mais linda de toda a cidade
E foi justamente pra ela que eu escrevi o meu primeiro blue
Mas Belle du Jour no azul viajava
Seus olhos azuis com a tarde, na tarde de um domingo azul

Letra: Alceu Valença

Os dois em salas separadas

em salas contiguas
celas contiguas
dois da policia
duas da imagem
procuravam a nossa
confissao
esquadrinhavam-nos o
coracao
a auricula (esquerda)
dilatada
a valvula (aortica)
calcificada
eras tu ou era eu?
Nao te trai
dei o teu nome e morada
o numero de adeesseè
mas nao disse mais nada

havemos de subir os dois em
liberdade.

(Bonirre, poes acentos ou fica assim?)

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21 março 2007

Uma melga, duas melgas, três

A heroína na latrina




Em 1970, o cinema moral de Rohmer celebrizou o joelho de Claire, em torno do qual gravitava a perturbação de Jerôme.
Entretanto o cinema operou uma grande transformação no corpo da mulher. Conhecemos hoje o corpo nu das grandes actrizes. Mas no duche, na cama, no banho do rio, era sempre a pele que víamos. Recentemente, com Penelope Cruz em Volver, Carice van Houten no Livro Negro de Paul Verhoeven, Cate Blanchett em Notes on a Scandal de Richard Eyre a mulher sentou-se na latrina. Não há agora filme em que a heroína não se sente na latrina. Saímos da superfície para um lugar mais intenso do corpo. Não ainda o momento excremencial do metabolismo, mas uma aproximação liquida esteticamente aceitável. Paradoxalmente, este movimento em direcção à visceralidade foi anulado pela beleza das mulheres. As mulheres são lindíssimas em todos os lugares onde se sentam. Em todos os lugares onde se despem, continuam, frágeis e inacessíveis, a enlouquecer docemente o olhar alucinado de Jerôme.


Jennifer Evans

(corrigido com agradecimentos aos comentadores 22:à"))

20 março 2007

Silêncios

19 março 2007

Amizade

Se o meu amigo agora fosse
freak eu gostava dele agora freak. E se ele
fosse bipolar eu gostava da sua mansidão
e da sua mania. E se ele
não pudesse falar por ter uma afta
na língua eu habituava-me ao seu silêncio.

Das Leben der Anderen de Florian Henckel von Donnersmarck




A Vida dos Outros, um filme sobre a vigilância que um polícia da Stasi faz a um dramaturgo, nos últimos anos da RDA.

Uma história duvidosa: o polícia, um membro implacável da polícia política, um obsessivo que parece acreditar no seu papel de escudo e espada da classe operária, um verdugo do socialismo real, além do mais um misantropo quase psicótico, humaniza-se durante a escuta a um dramaturgo. O filme resiste a esta improbabilidade, e a outras debilidades do argumento, por vários motivos: a direcção de actores, o fascínio que se desprende do personagem que Ulriche Mühe interpreta, e sobretudo pela modo como recorda a sociedade leste-alemã e o regime sinistro que os russos e os comunistas alemãos aí instauraram no pós-guerra.



Uma sociedade policial e totalitária, onde uma elite cínica e medíocre utiliza uma construção ideológica, o marxismo – leninismo, como religião de Estado. Uma sociedade que em alguns aspectos lembra o Portugal de Salazar e Caetano, sempre para pior.
Em Portugal houve sempre oposição e resistência. E, depois dos anos sessenta, a oposição era maioritária nos círculos estudantis, organizada nas associações de estudantes, nas cooperativas, em alguns grupos recreativos. Um preso operário ou camponês podia desaparecer temporariamente nos cárceres da Pide, e a famigerada polícia torturava por sistema, tinha por missão a destruição sistemática dos que se opunham ao regime e, como se sabe, matou. Mas um grupo de gente corajosa levantou e manteve em funcionamento semi-clandestino, uma Comissão de Apoio aos Presos Políticos. Uma corrente de solidariedade ligava os presos às famílias, aos amigos e a sectores da população mais esclarecidos e menos dependente economicamente do regime. O isolamento político, ideológico e cultural dos oposicionistas de leste foi sempre incomparavelmente maior. Ignorados ou hostilizados pela esquerda dos países ocidentais, onde os partidos comunistas e os companheiros de estrada pontificavam, o destino de qualquer livre pensador a leste era, quando o tiro na nuca se desactualizou, a solidão, o esquecimento ou a prisão. Tudo debaixo do pesado silêncio dos que carregavam a culpa da derrota, da barbárie nazi, do holocausto. A sociedade que a classe operária construiu do lado de lá do muro era, no início dos anos 80, uma mistura de embuste ingénuo, mau-gosto, hipocrisia e brutalidade, um colosso de burocracia e obsolescência . A representação que fazemos destes tempos necessitava de um filme assim: o papel de parede atrás do qual a Stasi esconde os fios da escuta, o miúdo que pontapeia uma bola ao fim do dia, a desolação de Karl Marx Allee, a traição no interrogatório. Estranhamente, não chega conquistar um Óscar, um êxito razoável de bilheteira no Reino Unido para escapar a uma exibição discreta em salas secundárias da capital de um Império que também já foi. O fascismo nunca existiu, já se sabe. E aquele comunismo, camaradas, também não.

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O Bom Alemão, Steven Soderbergh



Um filme excelente. Na Berlim destruída da ocupação aliada, quando decorre a Conferência de Potsdam. Contado a preto e branco, com recurso a imagens de época. A sequência e os recursos da narração, o estilo de representação, a utilização da luz e do som, remetem para os filmes da época e Casablanca e A Foreign Affair, de Billy Wilder, têm sido evocados, sobretudo pela sequência final e pelas semelhanças entre Cate Blanchett e Marlene Dietrich. Durante o filme, a propósito da utilização dos esgotos como esconderijo, recordei também O Terceiro Homem, o filme de 1949 com Orson Welles. E ainda um filme lindíssimo de Axel Corti, que penso chamar-se Welcome to Wien.



Agrada-me a atmosfera de perigo iminente, onde todos mentem e todos guardam segredos, a indefinição dos poderes territoriais, o cego amor masculino, a deambulação do stalker em torno de uma mulher em fuga permanente e que nunca se chega a conhecer. As pessoas são rudes, as falas breves. São quase todos sobreviventes. O nosso herói passa o filme a levar porrada e a coleccionar cicatrizes. Mas nada o demove. Condenado à solidão, ele é o herói sem causas, compassivo, à procura da verdade da mulher amada. Um mundo de sombras, como no Terceiro Homem. Sem lugares de refúgio. Onde o lugar mais seguro para dois americanos se encontrarem pode ser o sector russo. Um mundo de escombros, onde tudo se vende e tudo pode ser comprado, tudo resulta de enganos e ardis, até o instante que reúne os amantes separados. O americano do Nespresso é o jornalista obscuro a quem a guerra deu um uniforme e volta a Berlim à procura de uma mulher. Cate Blanchett é hoje o que miss Kidman foi na última década, com a vantagem de não ter um fanático religioso a atormentá-la.
Uma palavra para os críticos de cinema: Revejam a cena em que Blanchett, de bicicleta, passa pelos soldados e comparem-na com a que Paul Verhoeven filma no Livro Negro. É por essas que na actual crítica de cinema já só nos restam as estrelas de João Lopes.

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18 março 2007

Desilusão

Comprei o décimo segundo livro do meu poeta favorito. Mas não tive o prazer habitual porque, justamente nessa ocasião, me apercebi de que ele deixara de ser o meu poeta favorito.

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16 março 2007

Largo dos Companheiros Construtores

Isto é um homem

Vivia com a mulher e com três adolescentes. Um era seu filho, embora ele fosse infértil. A mulher era uma boa mãe e boa madrasta, disse uma vizinha. Ela queria muito ter um filho dele. Simulou uma gravidez. Durante trinta e tal semanas. Ele não deu conta. Ela teve uma criança. Não foi parto normal. Entrou numa maternidade e raptou um recém-nascido. Ele não deu conta. O bebé cresceu. Teve cólicas, febre, a roupa deixou de servir, sorriu, galreou, segurou a cabeça, começou a comer, sentou-se sem apoio, gatinhou, caiu da cama, nasceu um dente. Parecia-se com quem? Estendeu os braços, pediu colo, chorou de noite, tossiu, disse papa. Teve prendas no Natal, festa de anos. O que é que o homem fez durante esse tempo. Fazia pesquisas na net. Gostava especialmente do site da PJ. Parece que há um site da PJ na net. Quando viu as imagens da suspeita do rapto da Maternidade reconheceu a mulher. Denunciou-a. Quando se confirmou que a mulher era a raptora, ele expulsou-a de casa. Isto é um homem.

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15 março 2007

A cidade e as serras

14 março 2007

A diferença entre Joana a.k.a. Andreia, Esmeralda e o Rodrigo

Eduardo Pitta interroga-se sobre esta questão. A SIC fê-lo logo no primeiro dia, convidando Seabra Diniz, psiquiatra, para comentar o tema. Quando ele abordou a questão da defesa dos interesses da criança e falou de necessidade de transição entre as duas famílias, o pivot, um Rodrigo ultramontano, indignou-se:
- Estamos a falar de um crime. A sociedade não pode dar um sinal desses - ameaçou.
E o psiquiatra encolheu-se. A exposição indecorosa da vizinha a chorar ao telemóvel a pedido da jornalista, dos miúdos que brincam em cima das pipas de vinho, do povo de Lousada contente por disputar as páginas da Caras, valia mais que uma informação séria que possibilitasse uma reflexão sobre os motivos do rapto, a psicopatologia do casamento e, colateralmente, o desenvolvimento da criança e o corte provocado pelo afastamento, aos treze meses, da mãe de vinculação.
- A criança ainda nem fala- outra vez o Rodrigo matarruano, presunto pai de crianças que tiveram treze meses.
A criança ainda não fala e vocês falam. Se falasse, não a ouviam. Se a ouvissem, não a percebiam. É a diferença. A grande diferença.

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Efeito Gatos Fedorentos vs Realidade

Há tempos, no excelente Escaparate que o TAGV insiste em oferecer nas primeiras segundas de cada mês, Luís Quintais apresentou o Antropólogo Inocente, o livro notável de Nigel Barley, publicado entre nós pela Fenda e fez uma interessante divagação sobre a forma como os povos primitivos estudados , no caso o povo dowayo, uma tribo dos Camarões, modificam o seu comportamento de acordo com as noções estereotipadas dos interlocutores europeus. A televisão produz o mesmo efeito nas civilizações de Lousada e Cernadelo. É o fenómeno a que poderíamos chamar de Gatos Fedorentos vs Realidade. A Realidade é muito pior que os Gatos Fedorentos. A Realidade imita os Gatos Fedorentos, acentuando os traços caricaturais. Se esperamos que os camponeses de Cernadelo sejam excluídos da saúde dentária, eles escancaram uma boca desdentada. Se os imaginamos supersticiosos, eles apressam-se a declarar que vão pagar uma promessa ao Santinho de Beire. Como o terrorismo após as Torres Gémeas e o 11 de Março, o próximo atentado tem de ser mais mortal. Assim os populares exibem para as câmaras um excesso de si próprios, da sua irrisão. A jornalista selecciona os piores. E o dia seguinte é sempre mais aterrador.


O antropólogo inocente / Nigel Barley, trad. de Virgilio Tenreiro Viseu . - Lisboa : Fenda, 2006

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On Photography

On Beauty




Os clientes que compram Julian Barnes habitualmente também compram Bill Bryson.
Os clientes que compram Bill Bryson habitualmente também compram E L Doctorow.
Os clientes que compram E L Doctorow habitualmente também compram Kiran Desai.
Os clientes que compram Kiran Desai habitualmente também compram Kazuo Ishiguro.
Os clientes que compram Kazuo Ishiguro habitualmente também compram Ian McEwan.
Os clientes que compram Ian McEwan habitualmente também compram Nicole Krauss.
Os clientes que compram Nicole Krauss habitualmente também compram Zadie Smith.

Os clientes que compram Zadie Smith habitualmente só compram Zadie Smith.

(Barnes and Nobles)

Testamento de vida


Pipilotti Rist

Se eu tivesse um cancro do pâncreas, entrasse em coma, gostava que a minha médica fosse Laurence Tramois, a enfermeira Chantal Chanel e o remédio Cloreto de potássio.

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13 março 2007

alexandra lucas coelho to me

Mar 12 (22 hours ago)


1. O que Amos Oz disse em inglês, palavra por palavra, foi:
"The palestinian leadership is not willing to negotiate with any
Israel, not with right wing Israel and not with left Israel. It's not
willing to recognize any Israel."

2. Este "any" — QUE ELE REPETE DUAS VEZES, E QUE ELE SUBLINHA NA
INTOAÇÃO — tem o sentido de nenhum.

3. Havia duas opções, para ser fiel a este sentido — "qualquer" e "nenhum".

4. "Nenhum" seria uma dupla negativa (a liderança palestinana NÃO está
disposta a negociar com NENHUM Israel).

5. "Qualquer" mantém o sentido e evita a dupla negativa ( "a liderança
palestinana NÃO está disposta a negociar com QUALQUER Israel".

6. O sentido só não seria o mesmo se eu tivesse traduzido "a liderança
palestinana NÃO está disposta a negociar com um Israel QUALQUER", o
que é totalmente diferente.

7. O que me parece uma solução pouco fiel é rasurar o "any" que ele
diz duas vezes. E é isso que tu fazes na tua tradução, que aliás é a
tradução de algo que estás a supôr, e não ouviste.

Janela em dia de sol

Blair, Bush, Blix




Hans Blix, o chefe da missão das Nações Unidas que procurava armas de destruição maciça no Iraque, no período que antecedeu a invasão e ocupação aliada, disse ontem que Blair e Bush manipularam os seus relatórios. Os dois dirigentes terão transformado pontos de interrogação em pontos de exclamação. Mas porque é que Blix só fala agora? Porque é que Blix só fala agora! Porque é que Blix só fala agora?!

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O'Neill contado às crianças



Perguntei ao moço:
- os teus amigos quiseram saber onde estiveste?
- sim.
- e tu que disseste?
- que tinha ido ao lançamento do livro da tia
- e eles?
- disseram "fixe"
- e disseste que estiveste a ajudar?
- disse
- e eles?
- "ainda mais fixe".
- e eles sabem o que é o lançamento de um livro?
- não

(rosaarosa, mail)

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12 março 2007

Um abraço para a historia


O contacto é muito íntimo. O ombro direito de Lula está encaixado no cavado axilar de Bush. A face está encostada ao peitoral, ao algodão da camisa Brooks Brothers. A fronte toca na cara barbeada e ele sente a fragância Herban Cowboy. A mão esquerda de Lula toca delicadamente no bordo hepático, junto à chanfradura. A mão direita dirige-se à região lombar do amigo americano. Vai puxá-lo mais para si. No segundo que se segue o operário brasileiro vai ter o figado do americano entre as mãos. Bush é um ex-alcoólico, salvo pela religião. O fígado de Bush, esteatósico, com algumas cicatrizes e nódulos, vai ficar entre as mãos de Lula. Bush sorri com aquele sorriso que é a marca da sua alma pouco confiável. Não deixa de olhar para o teleponto onde talvez se leia:- Give Lula a hug, smile, show some emotion.

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11 março 2007

Maria Joao Luis




Ainda no ipsilão, Jorge Silva Melo, um dos colunistas do Público que não transitou para o P, assina, agora como convidado, um texto lindíssimo sobre Maria João Luís (link não disponível). Copio:
“No teatro, à noite, a Maria João Luís faz ouvir a triste, revoltada, dolorosa canção da vida. Ele ouve-a.
E eu ouvi-a da sua voz sublime, humana, tão humana, fui o seu ouvidor.”

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Qualquer Israel. Nenhum Israel.



Excelente o artigo de Alexandra Lucas Coelho, no ipsilão, sobre Amos Oz, a propósito da publicação de Uma história de amor e de trevas. Onde se cruzam duas histórias. A do escritor e da sua família, no estado de Israel, e a da tradutora, Lúcia Mucznick, em Lisboa. Numa entrevista que acompanha a reportagem, Amos Oz, questionado por ALC acerca das possibilidades de paz na região respondeu:
“A liderança palestiniana não está disposta a negociar com qualquer Israel, de direita ou de esquerda. Não está disposta a reconhecer qualquer Israel.”
Se a entrevista, como penso, decorreu em inglês, Amos Oz terá dito:
"The palestinian leadership is not available for negotiations with any Israel, right wing or left wing. It is not eager to recognize any Israel.”
A tradução que me parece mais correcta é: “ A liderança palestiniana não reconhece Israel, seja ele de direita ou de esquerda. Não está disposta a reconhecer a existência de Israel.”
Esta pequena diferença não é qualquer diferença. É toda a diferença.

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Feliz Aniversario



O aniversário da RTP está a ser comemorado do Minho a Timor com um frémito de emoção.
(para ser ouvido com a voz off, mas fremente de emoção, do Henrique Mendes)

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10 março 2007

O Mega e uma Louis Vuitton de feira

O homem chama-se René Martin e há catorze anos que em Nantes convoca a música para uma festa que dura dias e junta gerações. O meme contagiou Lisboa, Bilbau, Toquio e o Rio de Janeiro. Lisboa, já se sabe, não tem dinheiro para festas destas. Foi-se todo para o Berardo. Exposições, qualquer dia, só as que o senhor Oliveira Desportos fizer no hall do Correio da Manhã. Acabaram-se as Folles Journées de Lisboa.
Acabaram? Não acabaram nada. O Mega tinha captado a ideia. Três dias, muitos músicos, um compositor. Para que é preciso o René Martin. Respeitinho à propriedade mas é a do Berardo e do senhor Oliveira Desportos. O Chanel que a modista da esquina nos faz é igualzinho. Ninguém vai notar a diferença. O Mega é esperto. Originais são as gravatas.

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09 março 2007

Quarta à noite


Guerrilla Girls



Cem pessoas na sala e entre elas quatro mulheres lindas. Não precisava de procurar. Nem de usar o radar escrutinador que herdei com os outros sapiens sapiens. Estava com elas. Quatro mulheres lindíssimas na sala e eu estava com elas. Uma deixou cair a pregadeira e eu ajoelhei. A outra vigiei-a, e era sempre a sombra que encontrava, da rua até à sala, e de todas as vezes a sombra me doía. A terceira estava encharcada em oxitocina e escorria-lhe da boca a baba maternal.
A última era a primeira.

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08 março 2007

8 Março

Redaktie " Recht Voor Allen "
Damrak, 100a
Amsterdam

Chère Camarade Louise Michel, voici la liste des communes où nos amis ont arrangé une réunion :
* Amsterdam pour le 31 mai
x Haerlem 1 juin
xx La Haye 2 juin
xxx Rotterdam 3 juin
xxx Zaendam 4 juin
xx Sneek (Frise) 5 juin
xx Franeker (id.) 6 juin
x Groningue 7 juin
xxx Heerenveen (Frise) 8 juin
x Arnhem (Guelre) 9 juin
Yvonne Todd, Amanda
Nous le croyons inutile de choisir dix sujets différents pour ces réunions. Trois ou quatre suffiront. Nous vous proposons - moi et Domela - comme titres :
* La question des femmes (pour Amsterdam)
x Le parlementarisme (p. Haarlem, Groningue, et Arnhem)
xx Le vieux monde et le nouveau (p. La Haye, Sneek, Franeker)
xxx La liberté (p. Rotterdam, Zaendam et Heerenveen)

Michael Wolf, The real toy story
Vous pouvez même choisir p. Amsterdam comme p. Haarlem etc le parlementarisme si vous préférez de n'avoir que trois sujets différents. A Amsterdam vous rencontrerez dans la discussion nos "femmes libres" ou "dames libres" qui luttent pour acquérir les droits politiques (suffrage etc) pour les femmes comme pour les hommes. C'est comme nous l'appelons "la question des dames".
(...)
Agréez, je vous prie, mes salutations fraternelles.

Christ. Cornélissen

06 março 2007

Luis Quintais no Escaparate



Escaparate é a excelente sessão mensal ( às 18 horas da primeira segunda-feira de cada mês) que o TAGV dedica a livros. Apresentada por Rui Bebiano, Osvaldo Silvestre, António Apolinário e Luís Quintais, é sempre bem informada, rigorosa e divertida.
Este mês as escolhas de Luís Quintais para Escaparate, foram



Alvin I. Goldman, Simulating Minds: The philosophy, psychology, and neuroscience of mind reading, Oxford U.P., 2006, onde se fala dos neurónios espelhos, os neurónios que disparam nos nossos cérebros ( e nos de outros primates e dos pássaros, pelo menos) quando executamos uma determinada acção mas igualmente quando observamos a mesma acção executada por outro animal. Adivinham-se as implicações desta descoberta na compreensão das bases materiais da empatia, da compaixão.



Gerard Edelmann, o último livro do prémio Nobel da Medicina, que criou as bases da teoria da mente.

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Sztuka Nigdy Jest Robiona Myśląc o Sztuce


"Never art is made think of art", traduação via www.poltran.com

O problema dos comentários nos blogs



Há quase quatro anos iniciei a minha colaboração neste blog. Durante a preparação da guerra de ocupação do Iraque constituira-se uma rede de amigos que, de certa forma, precisava dapossibilidade dos blogs para se realizar de forma mais completa. Ao longo destes anos A Natureza do Mal foi várias coisas, quase todas gratificantes: o lugar da divulgação dos meus escritores favoritos, da escrita da Sofia, da ironia do André Bonirre e depois do trânsito deste para a pescada, o blog fotográfico.
Encontrámos, reencontrámos e em alguns casos perdemos, muita gente interessante. Há quatro anos o mundo era pior, mais acanhado. Não havia a Wikipedia, o iPod, o Macbook, o Houaiss, o Rui Tavares, a Lhasa, o Sebald traduzido, a vacina do HPV, a Honda @, o rouge noir da Chanel, a pílula do dia seguinte, raves no MNAA. Quase nada se parece com o que existia há quatro anos: O Durão da guerra é o Barroso da paz; o Lopes está no sótão; o Papa morreu; a Igreja católica perdeu as eleições; o Paulo Portas voltou ao centro; os neocons procuram sobreviver nos gabinetes da era pósbush.
Nos comentários passou diversa gente. Critica, atenta, carinhosa, preocupada, informada, maldosa, paranóide. A maior parte anónima. Uns por timidez, outros por vários motivos. Alguns embriagados pelo anonimato. Mas a blogosfera é isso mesmo. Um quarto de brinquedos, como disse alguém. Um momento de jogo infantil
onde se pode experimentar a realidade sem nos queimarmos irremediavelmente nela. Um sítio de divertimento e às vezes da beleza que existe em tanta gente. Não sofro do síndrome spinolista. O general Spínola, a tradição da direita e os voluntaristas de esquerda, acreditam que para lá da baça realidade que contraria as suas altas aspirações existe uma multidão de gente simples, desejosa de submeter-se aos seus desígnios, mas tolhida na expressão, sem os meios nem os hábitos. Eu sei que aquilo que sou é aquilo que os outros pensam que sou. Se estou entregue às Calcanhotas é porque mereço. Não há nisto sarcasmo nem desilusão. Nem isto é nenhum fim ou começo. Este blog já quis ser reconhecido e desaparecer. Hoje, como no começo, é um lugar onde se escreve, sem programa nem agenda e às vezes sem acentos.

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05 março 2007

Hoje às 18:00h



No foyer do TAGV, Rui Bebiano; Luís Quintais e um senhor cujo nome ainda não recordo, falam dos livros do mês. É mais uma sessão do interessante Escaparate.

Hoje, às 17:30h

Na Biblioteca Geral, Gastão Cruz fala de Ramos Rosa.

Um post para Alface

João Alfacinha da Silva, Alface, morreu.
O facto de ter morrido subitamente, no decurso de uma leitura de textos numa comunidade de leitores, deu azo a evocações emocionadas.Como as de Maria João Seixas, que tinha entrevistado Alface recentemente, ou Adelino Gomes.
A evocação de Manuel Portela no blog do TAGV transcreve dois mails de ocasião, datados Novembro e Dezembro de 2005. Que me lembre é a primeira vez que tal sucede. Guardarem dois mails em que dizemos coisas profundas como
Atão, Manel, já leste ou não leste? E que opinas? Estou curioso, confesso. Apita. Um abraço.
alface
e publicarem-nos no dia do nosso passamento, é uma ideia que me agrada.
Dizem que na morte dos outros vemos a nossa. Se é assim, eu queria ser lembrado pelos sms.

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04 março 2007

O ipsilon nao tem o Mil Folhas



A minha Mãe acha que o Mil Folhas acabou.
- O Mil Folhas acabou- diz ela.
- Está no ipsilone- tentamos convencê-la.
- Não, não está no ipsilõ. Acabou. Ficámos sem nenhum suplemento literário.
O jornal da minha Mãe é o Diario de Lisboa. Ela considera o Público, por alguma razão, o sucessor do Diario de Lisboa. Não é bem a mesma coisa. Os tempos mudaram. Os filhos também são diferentes dos que ela tinha no tempo do Diario de Lisboa. Mas são os filhos possíveis, na época em que o mais parecido com o Diario de Lisboa é um jornal que se chama Público, onde escrevem jornalistas de que ainda sabe o nome. Agora as coisas complicaram-se. Não se habitua a pedir o P ao jornaleiro. A verificar se o P2 vem inteiro no P. Se à sexta-feira o P tem o ípsilõ.
- O ípsilõ não tem o Mil Folhas. Se duvidam é porque não lêem- a minha Mãe, habituada a defender opiniões ligeiramente diferentes das nossas. E folheia à nossa frente, os Arcade Fire, o que é que isto me interessa, um casalinho que diz que a música deles é como a Bíblia, o Old Jerusalem, o groove, o Elvis no deserto. Até chegar à página 20, a primeira em que se fala de livros. E nem aí se alegra.
- Se o homem "tinha que fazer uma arte poética sexual" porque é que se deixa fotografar assim?


( As pgs 20 a 22 do ípsilon têm uma entrevista com Manuel da Silva Ramos. Duas fotografias. O texto, todo junto, cabe no relógio do poeta.)

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Um poema de Gastão Cruz: O fim do dia

cf. Blake, The Mental Traveller e The Sick Rose


Ouço morrer o dia uma voz reduzida
à penumbra do som outrora estrídulo
olhai-lhe o pénis hirto a mandíbula fria
Conta-lhe os nervos de ouro uma fêmea de fogo

que os numera e os ouve na escuridão tangível
e vive do seu frio do seu choro
e vai ficando jovem enquanto ele se extingue
Até que ele por fim é um jovem que sangra

e ela se transforma numa virgem magnífica
o som do dia morto agora já não o ouço
fundiu-lhe a noite já da voz as cordas de ouro
como o verme que rói a rosa e dela vive.

(Gastão Cruz, em Campânula, 1978)

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Dois Poemas de Blake

The Sick Rose



William Blake, Newton



O rose, thou art sick!
The invisible worm
That flies in the night,
In the howling storm,

Has found out thy bed
Of crimson joy,
And his dark secret love
Does thy life destroy.




Blake, Newton. Por Paolozzi, na British Library

The Mental Traveller





She binds iron thorns around his head,
She pierces both his hands & feet,
She cuts his heart out at his side
To make it feel both cold & heat.

Her fingers number every Nerve
Just as a Miser counts his gold,
She lives upon his shrieks & cries
And she grows young as he grows old.

Till he becomes a bleeding youth
And she becomes a Virgin bright,
Then he rends up his Manacles
And binds her down for his delight.

He plants himself in all her Nerves
Just as a Husbandman his mould,
And she becomes his dwelling place
And Garden fruitful seventy fold.

An aged Shadow soon he fades
Wandring round an Earthly Cot,
Full filled all with gems & gold
Which he by industry had got.

And these are the gems of the Human Soul
The rubies & pearls of a lovesick eye,
The countless gold of the akeing heart
The martyr's groan & the lover's sigh.

(excerto)

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03 março 2007

Antologia do Mal: Gastão Cruz

Nocturno de Earl’s Court




Sob as lívidas luzes de Earl’s Court
Road à chuva em geral fraca
a noite cegará os meus lábios cerrados
tornados transtornados
e o fumo dos
basements cobrirá as fachadas



em Transe, Relógio d'Água, 1992

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