28 abril 2008

Um texto afinal medíocre


Zang Xiaogang

Acho este texto excelente. Não este, que escrevo, mas aquele que li. Se o ler com os teus olhos, claro, noto-lhe umas imperfeições. Se o ler com os teus, perco o entusiasmo. Com os teus, nem chego ao fim. Meus amigos, tão exigentes. E ao mesmo tempo cheios de vontade de se maravilharem, de se surpreenderem com a extrema qualidade, de darem cinco estrelas, de recomendar vivamente. Neste exercício de visibilidade, quase não preciso de comentários para aquilo que escrevo. Basta-me o teu silêncio, de ti o breve entusiasmo, o teu sarcasmo. Basta-me reler. Já fui um leitor perfeito. Já fui a tábua rasa, a página em branco, a superfície lisa onde o estilete desenha a palavra justa. Já em mim ecoaram frases tão perfeitas como a claridade, tão harmoniosas como o entardecer no carso. Devia ter ficado ali. Ter morrido, ao menos como leitor, nesse instante de partida. Quando líamos textos com razão ou sem ela, acendíamos fogueiras e as mulheres se abriam às últimas brasas.

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27 abril 2008

Num momento misterioso e imponderável da história

Alexandra Lucas Coelho escreve, no Ipsilone, sobre o livro de Ryszard Kapuscinski que a Relógio D´Água editou com o nome Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício. Alexandra Lucas Coelho cita a introdução da italiana Maria Nadotti, organizadora do livro. A citação é do próprio Kapuscinski, e vale a pena retomá-la porque assinala um ponto de vista que escasseia:

O tema da minha vida são os pobres. É o que entendo por Terceiro Mundo. O Terceiro Mundo não é um termo geográfico (Ásia, África, América Latina), nem racial (os chamados continentes de cor), mas sim um conceito existencial. Designa a vida pobre, caracterizada pela estagnação, pela tendência à regressão, pela ameaça contínua de ruína total, por uma ausência generalizada de soluções.

A citação de ALC acaba aqui. Mas, e como este ofício não é para cínicos, vale a pena continuara ler Ryszard Kapuscinski, e Maria Nadotti:

Para Kapuscinski, nem a pobreza, nem a opressão pertencem à ordem natural das coisas. Eis porque, como afirma em O Chá, a palavra, " a palavra sem controlo,em livre circulação, clandestina, rebelde, sem uniforme, não autenticada, terror dos tiranos, é o catalisador indispensável", o instrumento de rebelião, de organização e de luta contra o qual as armas do poder se revelam subitamente, num momento misterioso e imponderável da história, completamente ineficazes.



(lembrar, a propósito, a entrevista de 98, que ALC fez ao polaco)

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Um bar em Pequim





Em Boarding Gate, de Olivier Assayas, a personagem interpretada por Asia Argento, uma mulher que leva em Paris a vida perigosa das trabalhadoras sexuais precárias, tem um objectivo: abrir um bar em Pequim. Abrir um bar em Pequim, como há vinte anos os cabo verdianos da Ilha do Fogo diziam, ir viver para Sacavém . Quando os Jogos Olímpicos começarem, o Tibete, os direitos humanos, as regras do comércio internacional, as preocupações energéticas, serão esquecidos. A mundialização que começou em 1492 e culminou no domínio internacional dos Estados Unidos está a chegar ao fim, no atoleiro do Iraque, na vaga de eleições que na América do sul substitui o pessoal político afecto ao domínio norte americano, na hesitante nomeação democrática. Uma nova mundialização, como Vattimo previu, está em marcha e tem o centro em Pequim. Há anos que o circo de arquitectos da Fórmula um está em Pequim, desde Herzog e Meuron no Estádio Olímpico, a Rem Koolhaas no Edifício da Televisão Estatal chinesa, à PTW na Piscina Olímpica. Estão a fazer o que sabem. Dar ao poder o prestígio de que ele necessita. O poder escreve-se em chinês. De hoje em diante guardem as bandeiras do Tibete e preparem-se para abrir a boca, colaborar no espanto geral que varre o globo. Vêm aí os novos senhores do mundo.

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26 abril 2008

Nota alta para SSB16



Ainda não disse aqui mas é evidente que estou a gostar do pontificado de SSB16. Não apenas do estilo. Se o homem tem de usar sapatos vermelhos, que sejam da Prada. É melhor gastar as contribuições dos sócios em roupa decente, que em investimentos duvidosos como o Banco Ambrosiano e, para sapatilhas, chegam os sobreviventes da teologia da libertação. SSB16 fez uma encíclica sobre o amor, foi à Turquia, a Ratisbona e agora a Nova Iorque. Em Nova Iorque enfrentou as duras questões que se pôem à igreja local e rezou no ground zero. Prefiro este SSB16 aos excitados da Sapienza.

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Comemorar com alguma decência




Há qualquer coisa de obsceno no espectáculo do Coliseu com que a rtp-um ontem comemorava o 25 de Abril. Não é o excesso de cravos, o excesso de idade, as redacções que a Sílvia Alberto e outros intervenientes liam sobre a longa noite do fascismo explicada às crianças, os personagens das lutas heróicas, avós de si próprios agarrados à sua caricatura, o Fanhais-mas –tu-não, os insuportáveis manos do grande Vitorino, o Pedra Filosofal e de certeza a gaivota, o pior dos pássaros a seguir à pomba. É também o público. Aquela mistura entre a boa gente que aguenta a realidade com Prozac, umas jantaradas de comemoração e a condescendência dos filhos e, procidentes, alguns senhores do novo regime, do PPN, o partido português dos negócios. Agradeço a Salgueiro Maia e aos seus camaradas de armas ter-nos permitido ser um país normal, ter podido viver uma vida normal e vomito o cravo como uma rapariga ontem o fez, no palco, sob as palmas incrédulas de alguns e o sorriso alberto da Sílvia.

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23 abril 2008

Vais às vielas ouvir o teu nome na boca das mulheres


Qiu Zhen


Agora sais de casa
De manhã preciso de palavras forte. E café. Sobretudo de palavras. Sobretudo de café. Palavras como canções. Uma melodia sussurrada. Palavras antigas. Frases incompletas.
Agora sais de casa vais às vielas
Frases ditas há tanto tempo que são como pedras, como casas abandonadas, como o vento, a chuva, o rodado dos carros no asfalto.
Agora sais de casa vais às vielas ouvir o teu nome na boca das mulheres
As palavras que os seguranças trocam sem se verem. As palavras que o P. escreveu à noite e chegaram de manhã. As palavras da canção de embalar, que as duas enfermeiras trautearam e já fazem parte do sono. As palavras com que as pessoas se deixam, as palavras que o meu pai não teve tempo para deixar.
depois logo se vê; um ponto de fuga, uma luz paciente, o pigmento da noite
As palavras circulam. Vivo delas. E do café da manhã. Preciso delas. E do café. Vêm fragmentadas.
deita a cabeça no gato que dobra a esquina, tenta o Azul da Rússia
Vêm como ondas, como uma rebentação. Às vezes calam-se. Dou de comer aos peixes. Às vezes parecem desaparecer e com elas a urgência de qualquer coisa que deve ser a vontade vã de dar sentido.
não sabes de onde vens nem para onde segues,
Demoro o duche. Depois voltam. As palavras.
tenta qualquer coisa à excepção de tudo.

As palavras de hoje eram assim:


Agora sais de casa vais às vielas ouvir o teu nome na boca das mulheres. depois logo se vê; um ponto de fuga, uma luz paciente. deita a cabeça do teu pensamento no gato que dobra a esquina, tenta o Azul da Rússia, não sabes de onde vens nem para onde segues, tenta qualquer coisa à excepção de tudo

(Retirado do blog Regabofe)

22 abril 2008

Rui Tavares e o mandarim



Rui Tavares escreveu na semana passada uma crónica em que aconselhava Meneses, o então líder do PSD, a meter férias. Nesse dia Meneses demitiu-se, cansado de ser apunhalado por meia dúzia de pessoas que só olham para o imbigo e se estão marimbando para o partido (discurso aos militantes , Sintra), dando início a mais um período de nojo na União Nacional.
A sucessão de Meneses é, para mim, um não assunto. Não será na próxima legislatura que veremos as armas apresentadas a uma linda mulher grávida, que dirá, baixinho, só para dentro de si, nem mais um soldado para o Irafganistão. Já o que se passa com Rui Tavares me preocupa. Acometido pelo síndrome do mandarim, Rui vigia as palavras, faz círculos discursivos, pára à porta da nomeação. Um dos melhores comentadores portugueses, um dos poucos que tem uma ideia de Lisboa, da que é e da que podia ter sido, adoeceu do mal de Meneses. Quem sobreviveu a Helena Matos não se atrapalhará por tão pouco. Em breve, numa praia do Oriente, um barco resgatará um corpo. O exame do imbigo mostrará que não se trata de Meneses. Então o Rui voltará, sem medo das palavras.

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afinal havia ostras


An Hong



afinal as ostras requintadas de arcachon, da bretanha e da normandia vêm, ou antes, vão de sagres! (santo deus!, já estou a escrever sobre ostras!)
parece que na ponta mais ocidental da europa há uma mistura desumana das águas mais quentes da profundidade com as águas frias da superfície, enregeladas estas pelo vento forte da nortada de que todo o ibero com bom senso foge desde o cabo finisterra e desde os tempos mais galaicos. enfim, tudo o que nos lança em debandada dali a sete pés é o que faz medrar os benditos bivalves como melões (agora então é sobre ostras e melões...)
já houve épocas de pompa e glória da ostra portuguesa que dominava a cuisine française (para os mais pequenos que não sabem que língua é esta: lê-se kuizine fraoncéze e, imaginem!, significa cozinha francesa – quem diria, hein?! ).
depois parece que houve uma crise, uma virose, um alcácer-kibir, uma coisa assim e a ostra portuguesa desapareceu dos bistrots (lê-se bistrô e é bistrot) para ser substituída pela japonesa (a ostra). há algum tempo, porém, renasceu a ostra portuguesa, plantada no sado por nacionais e em sagres por um francês.
qualquer deles se queixa dos ecotalibãs que lhes dificultam o negócio.
desconfio eu que as condições aquíferas e climatéricas especiais da ponta de sagres seriam conhecidas há muito. se calhar foi por essas e por outras (como o monopólio de coral) que a henriquina e ínclita figura ali construiu o seu resort. se calhar a escola de sagres existiu mesmo, ao contrário do que dizem as más línguas pouco dadas ao romantismo histórico. a escola de sagres pode ter sido o tetra treta avô do gigi.
pelas minhas contas são nove tetras. avós.
e egrégios, todos eles.

à propôs (á prôpô): isto pede uma história à mário-henrique leiria:

quando arrearam a gaiola, encontraram esparramado lá dentro um anafado polvo de quatro kilos.
—um polvo na gaiola das ostras! — repetia assarapantado o joaquim joão que andava naquelas lides há um bom par de anos depois de ter feito uma desintoxicação de lápis faber.
— e nada de ostras! — repetia numa desconfiança catatónica.
— às vezes acontece — explicou o joão joaquim que sempre se dedicara à ostracultura e, por assim dizer, já tinha a arte no sangue. começara mesmo a desenvolver uma preocupante calcificação rugosa nas mãos.
e continuou com um olhar biválvico e sabedor:
— o polvo entrou ali ainda jovem pelas malhas da bolsa e viveu toda a vida comendo uma a uma todas as ostras com quem dividia a casa.
joaquim joão arrepiou-se com tão bárbaro condomínio. mas o companheiro apazigou-o com aquela dose de filosofia que todos reconhecemos nas pessoas que passam grande parte do seus dias a chapinhar na água:
— não te amofines. é só mais um caso de um polvo devotado ao ostracismo.


//sent by Rosaarosa

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21 abril 2008

Protocolo




Alguns dias de manhã não sei se vou vestir
o fato preto para a sessão solene
o almoço de homenagem a recepção a Sua Excelência
ou as calças de ganga para as barricadas
sim as barricadas
hão-de levantar-se ainda barricadas
e virão os filhos fardados
da classe operária
defender os poderes de Sua Excelência
os seus legítimos poderes Excelência
fundados no voto popular
universal
no sistema democrático
que já se sabe é o pior sistema e no entanto único
e para o melhorar o que Sua Excelência se tem esforçado
virão os filhos da classe operária
os rapazes de pasolini
investirão contra a desordem la chienlit
a arruaça
cumprindo as ordens da democracia
a praia na praia a praia nos resorts
a calçada em cima da praia e as pedras da calçada sepultando
a praia
e a ideia perigosa de praia
e os jactos de água os gases os escudos
os bastões democráticos
os bastões de Vossa Excelência
estarão do lado certo enquanto eu estarei
do lado em que me tiver vestido
fato preto ou caças de sarja
do lado da ordem
da ordem democrática claro ou do lado
da barricada se nessa manhã como hoje
tiver vestido ganga

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18 abril 2008

Verbívoros, para que servis

Quando Catarina vê Horácio o seu coração bate mais depressa. É assim que ela conta a cena. O seu coração bate mais depressa. Não devia bater. Horácio magoou-a há algum tempo. Estava a deixá-la sem que ela percebesse. Mas quando cruza com Horácio o coração bate mais depressa. Ela gosta. Agora Catarina conhece Coriácio. Quando o vê o seu coração bate mais depressa. Ela procura-o. Gostava de o ver todos os dias. Todas as horas do dia. Se Catarina tivesse um nome para o que sente, a sua vida seria mais fácil. Se houvesse uma palavra para a taquicardia de Horácio e outra para a de Coriácio, a vida de Catarina, as resoluções que Catarina pensa ter de tomar, seriam mais conformes à sabedoria e à verdade com que ela procura iluminar a sua conduta. Verbívoros, Word-watchers, não há palavras para o bater do coração de Catarina? E para o outro bater do coração de Catarina? Não há palavras para distinguir o coração Horácio do Coriácio? Oh gente fútil, nos corredores do Acordo Ortográfico, nas aulas desertas de Linguística, ainda e sempre nos Maias. A vossa indiferença às coisas da rua deixa Catarina desamparada.

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16 abril 2008

A cebola do costume




Se alguma vez tivesse alucinações auditivas, que soassem como o Trio de Tord Gustavsen, e se deus lhe aparecesse, que fosse um pequeno deus bondoso do oriente. Mas quando os enganos começaram, o que ouvia eram acoasmas em tudo parecidos com um secador de cabeleireiro de bairro, avisos de sms, o sopro dos computadores que o Ministério da Saúde adjudicou durante o programa Alerta Está. E nenhum deus do oriente bramânico. Tinha de ser mesmo a senhora de Fátima na dolina, a amiga dos pastorinhos, em cima da azinheira. Tanto investimento parental, tanta história que a avó lhe contou, tanta impregnação cultural para um resultado destes.

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14 abril 2008

Nem toda a dor


Terry Smith


Nem toda a barca é morte
toda a palavra engano
Nem todo o tempo foge
Nem é fatal todo o destino

Nem toda a jura é falsa
toda a guerra santa
Nem toda a paixão exulta
Nem é simples e genuína toda a fé

Nem toda a dor excrucia
Nem)toda a classe (é) média
Nem todo o silêncio é de ouro
Nem todo o prazo caducado

Todo o tumor maligno
Todo o apelo lancinante
Nem é precário todo o amor
Nem toda a morte misericordiosa

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13 abril 2008

Passa aí o samovar


Adam Fuss



passa aí o samovar
(electrodoméstico muito em voga neste bog, ultimamente)


enquanto não vou/vamos ver o rock'n roll de tom stoppard, leio um fascinante
relato de jorge ryder num jornal de novembro passado (eu leio os jornais com
meses de atraso - é para ler o que verdadeiramente passou a ter
importância).
ryder é diplomata e vive em jerusalém-leste (é uma espécie de coimbra b).
em 2002 este homem fez 5016 km entre moscovo-londres-moscovo e em 2007 fez
5340 km entre jerusalém-moscovo-jerusalém para ver "coast of utopia" uma
obra de stoppard que dura 9 horas.
fala-nos ele da irónica versão russa: é a obra de um inglês sobre russos
apresentada em moscovo e traduzida do inglês para russo. E, não sei se já
disse, dura nove horas. De hora e maia em hora e meia param e vão para uma
sala onde têm fumados, chá preto e outras iguarias de sobrevivência: ração
de combate. Em londres tinha havido pilhérias alusivas ao acto como um
cartoon do "spectator" em que uma tia dizia para outra: "tive esperança de
que o meu marido me tivesse deixado, mas afinal, infelizmente, tinha apenas
saído de casa para ir ver a trilogia do stoppard."

entre outros apontamentos de reportagem interessantes, ryder conta-nos que
no espectáculo bakunine confessa a marx que a sua primeira convivência com a
classe operária foi num aquartelamento de revolucionários, na alemanha, em
vésperas de se sair à rua. ao que marx reage de imediato: "ah... e eles
assemelham-se a quê?"

p.s.:também tropecei numa artigalhada sobre uns proto-comunistas portugueses
que são mais da ordem dos protozoários (incapazes, portanto, de proceder à
fotossíntese ou a qualquer outra espécie de síntese). mas isso fica para
outra altura que se faz tarde e, como diria o astérix, tenho um javali ao
lume.
e não quero que se me revolva o estômago.

//sent by Rosaarosa

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12 abril 2008

Byblos, Amoreiras


Jemima Stehli


Esta livraria é grande demais para mim
A estante de FILOSOFIA, hèlas,
é difícil de distinguir da AUTOAJUDA
Enganaram-se trocaram os carros das reposições
ou trocaram a sinalética
ou os olhos
E a estante da LUSOFONIA tem o mesmo
ar desamparado
subsidiado mal lido
mal fodido dos lusófonos
E nos GUIAS de VIAGENS
falta Berlim o meu destino
A Escócia Islândia o deserto
de Atacama
E nos visores de procure você mesmo
os meus autores Roth, o Joseph,
Blanchot, Bolaño, Ángel Vásquez
estão indisponíveis peça ajuda
Felizmente que existe a Alícia Galloti
Aqueço-me à 14ª edição revista e
melhorada como a uma lareira
e como na Blackwell de Leicester em tempos
de emigrante quando olhos parados
no divino triângulo a tesão doía
e a mesma humidade embaraçava

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11 abril 2008

Mártires de Potosi



Há uma semana apenas foi areado e em cima do tampo da cómoda de mármore negro substituíu a lanterna árabe que parecia uma arma de arremesso ao lado de dois humildes mártires sem atributos debaixo da Virgem do Cerro senhora de Potosi.

Hoje parece que esteve sempre ali o samovar de prata. A lanterna árabe nunca existiu. O samovar de prata no mesmo lugar de sempre a mesma cómoda a mesma jarra a mesma sala os peixes no cativeiro a mesma água o samovar de prata.

Agora alguém tira o samovar de prata e repõe a lanterna árabe. O samovar de prata nunca existiu. Hoje parece que esteve sempre ali no mesmo lugar de sempre a mesma cómoda a mesma jarra a mesma sala os peixes no cativeiro a mesma água a lanterna árabe debaixo da Virgem do Cerro senhora de Potosi

Pequenos objectos através dos quais se escreve a nossa vida. Agora o samovar de prata ontem a bola de arremesso escamas que se servem aos peixes de água fria em pequenas quantidades que possam ser comidas em poucos minutos sob o olhar das duas humildes imagens sem atributos e da Virgem do Cerro mártires de Potosi

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07 abril 2008

Irene F. Pimentel , hoje às 18H, no TAGV


Os Livros de Irene Flunser Pimentel ardem mal hoje, segunda-feira, às 18H, no TAGV, com Luís Quintais, Osvaldo Silvestre, Rui Bebiano e Apolinário.

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Héctor Libertella



Se a Argentina é um país periférico do mundo, o seu escritor mais periférico será então centralmente argentino. Custou-me muito sustentar este paradoxo... Quanto mais marginal mais central.

(Héctor Libertella, citado por Damián Tabarovsky, no Babelia de 5 de Abril)

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A nova Rapariga Velha


In-A-Gadda-Da-Vida: Angus Fairhurst, Damien Hirst and Sarah Lucus


Em 2006 uma mulher diz-se a pontos de ganir. É a Rapariga Velha, a Velha Rapariga. Escreveu Casas Pardas, Lúcialima, Misa in Albis, Da Rosa Fixa. Ganhou o Prémio Camões. O Livro do Meio, onde assim se descreve, foi pouco lido. Enquanto esta Rapariga perdia o impulso e receava o tumulto outra escrevia. De cada vez que escrevia reacendia-se o tumulto. Na rua mais feia da cidade cruzava o poeta. Uns anos atrás, o primeiro poeta tê-la-ia reconhecido, ajeitando a saia da ganga, num gesto
desastrado de sedução
.


Ana de Amsterdam, blog, 679 links, 209 citações nos últimos seis meses.

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Angus Fairhurst (1966-2008)


O relatório da polícia anunciou que Angus Fairhurst, um dos YBA's, deu fim à sua vida na remota localidade escocesa de Argyll and Bute.

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05 abril 2008

Silvia Pinto Coelho

E I N Z I M M E R W O H N U N G
Sílvia Pinto Coelho


Dia 12 de Abril às 21.30 no Balleteatro do Porto integrado no ciclo dança.pt
Dias 18, 19 de Abril às 22.30 e dia 20 às 19.30 no Teatro da Politécnica em Lisboa (atenção aos horários)
Reservas: Balleteatro 225508918| Teatro da Politécnica: 2139404
Em Escafandrograd depois
da implosão o corpo era só
o que a pressão baixa
do sangue consentia e encheste-me
abriste-me o fecho e inchaste-me
e aqueceste-me por dentro com
as tuas mamas e fui
músculo crina nervo circulação
de mensageiros

04 abril 2008

Um rapaz no asfalto


Jane & Louise Wilson
Skarfaundry, Star City, 2000


Um rapaz no asfalto
caído no asfalto os carros
param uma rapariga ajoelhou-se
há sangue no asfalto
rutilante
é assim que brilha o sangue no asfalto
o rapaz treme no asfalto
de lado e com as pernas
encolhidas uma vez mais vejo o pulso
a um rapaz caído é enorme
a força necessária para estar de pé
hoje em dia mesmo em noites
como esta que anunciam
o verão em que grupos de jovens batem latas
e falam alto nas ruas da cidade e de entre eles
vão sair dois um tem um boné
vermelho como o sangue no asfalto como
o sangue na cara do rapaz caído
no asfalto o outro tem uma mão dura
para quebrar vidros de carros para bater
para fazer com que a vida de um rapaz
que parou por acaso numa rua
amável da cidade
se suspenda numa dor sem gritos
numa poça de sangue
rutilante

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03 abril 2008

Délia com o Coração Imaculado


Kate Gray


Todas as manhãs, a Irmã Délia entra nos Correios com uma enorme vantagem relativamente aos restantes funcionários. Já assistiu à homilia, nos terrenos da Grande Mediadora, em pleno Carmelo. A esta hora, a única espiritualidade que me foi concedida, devo-a à Meteorologia da Um, onde soube que a cidade de José Régio tem hoje a mesma temperatura (nunca falam da humidade) que a cidade de José Gomes Ferreira.

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