Não gostei da horda pré-histórica. O frio, a brutalidade dos machos, a doença sem remédio, a fealdade das mulheres. Claro que havia a caçada, o recolhimento e a excitação que a precedia. E havia as migrações, o espírito excursionista, a esperança e o espanto de um sítio melhor. Mas dava-me mal com as feridas infectadas e as fracturas, a proximidade da morte, a hostilidade das tribos. Igualmente me aborreceu a competição entre os jovens guerreiros, uma espécie de queima das fitas permanente, com os broeiros a ditar a lei e a probabilidade tão rara de um líder simultaneamente bem dotado e misericordioso. A democracia ateniense era um avanço. Mas havia de me calhar ser estrangeiro, ou escravo. No feudalismo, servo da gleba. Nas descobertas, degredado. Na Revolução o meu comportamento não foi exemplar. Passei o século XIX em sobressalto. Quando os operários e camponeses tomaram o poder, não demoraram a dar razão ao desabafo de Ferreira Gullar no Público de hoje: “ só mesmo professor universitário é que podia acreditar que operário e camponês era melhor” . O capitalismo enfim deixou-me respirar e pude ver a maravilha da terceira via, um governo mundial de empreiteiros e banqueiros, iberdrolas e ongoings, o namorado da Carla Bruni e os ex líderes itinerantes, o Blair, o Gorbatchov e o Aznar, de Universidade em Universidade, homiliando o Juízo Final, a Jerusalém celestial onde as grandes narrativas se encontraram e o líder dinástico do PCC foi apresentado como um homem da confiança dos mercados. E quando saboreava a Sumol de laranja e a mala Hermès, cortaram-me no vencimento, disseram que a sustentabilidade da segurança social me tornava a reforma póstuma, a menos que odiasse os velhinhos e procriasse, expulsasse os ciganos, os pretos e as raparigas da Moldávia.
25 outubro 2010
Não gostei da horda pré-histórica. O frio, a brutalidade dos machos, a doença sem remédio, a fealdade das mulheres. Claro que havia a caçada, o recolhimento e a excitação que a precedia. E havia as migrações, o espírito excursionista, a esperança e o espanto de um sítio melhor. Mas dava-me mal com as feridas infectadas e as fracturas, a proximidade da morte, a hostilidade das tribos. Igualmente me aborreceu a competição entre os jovens guerreiros, uma espécie de queima das fitas permanente, com os broeiros a ditar a lei e a probabilidade tão rara de um líder simultaneamente bem dotado e misericordioso. A democracia ateniense era um avanço. Mas havia de me calhar ser estrangeiro, ou escravo. No feudalismo, servo da gleba. Nas descobertas, degredado. Na Revolução o meu comportamento não foi exemplar. Passei o século XIX em sobressalto. Quando os operários e camponeses tomaram o poder, não demoraram a dar razão ao desabafo de Ferreira Gullar no Público de hoje: “ só mesmo professor universitário é que podia acreditar que operário e camponês era melhor” . O capitalismo enfim deixou-me respirar e pude ver a maravilha da terceira via, um governo mundial de empreiteiros e banqueiros, iberdrolas e ongoings, o namorado da Carla Bruni e os ex líderes itinerantes, o Blair, o Gorbatchov e o Aznar, de Universidade em Universidade, homiliando o Juízo Final, a Jerusalém celestial onde as grandes narrativas se encontraram e o líder dinástico do PCC foi apresentado como um homem da confiança dos mercados. E quando saboreava a Sumol de laranja e a mala Hermès, cortaram-me no vencimento, disseram que a sustentabilidade da segurança social me tornava a reforma póstuma, a menos que odiasse os velhinhos e procriasse, expulsasse os ciganos, os pretos e as raparigas da Moldávia.
Um tempo de órfãos recolhidos por padres compassivos. E de mulheres que vinham de noite, encapuçadas, correndo riscos inauditos. Bilhetes, cartas, mensagens furtivas e uma legião de mensageiros e mensageiras, fiéis e infiéis, que se confundiam com as paredes, a mobília, as árvores. Um tempo de ciladas, intrigas, enganos, disfarces. Nada era o que parecia. Em cada casa havia um quarto cuja porta não se abria. E as mulheres desfaleciam. As mulheres estavam sempre na iminência de uma síncope. Desfalecia-se muito bem no século XIX. Até a Condessa de Penacova ganhava algum encanto ao desmaiar.
Etiquetas: Maria João Bastos
22 outubro 2010
21 outubro 2010
Coetzee escreve sobre Nemesis, de Roth, na New York Review of Books
Etiquetas: Coetzee on Philip Roth
Julian Barnes numa entrevista à Paris Revue
20 outubro 2010
GARANTIAM
um modo de transporte ecológico, moderno, confortável e seguro com uma adequada oferta de serviço e que promova a mobilidade da população.
Punham a A DECORRER CONCURSOS de
• Material Circulante
• Construção da Infra-estrutura no troço São José - Alto S. João
• Sinalização
• Telecomunicações
• Energia e Subestações
• Construção da Infra-estrutura no troço Coimbra B - Portagem
Demoliram casas da gente pobre da Baixa da cidade
diagnosticaram uma grave maleita aos plátanos do Parque
árvores centenárias que tinham sobrevivido a cem anos de queima
das fitas ao mijo tóxico de vinte gerações alcoolizadas
de futuros dirigentes
e tinham visto os olhos dos suicidas de Coimbra
quando se deitavam à linha
como no Alentejo se empurrava o banco
debaixo do sobreiro
e no Porto se saltava
do tabuleiro da ponte D. Luís.
A doença grave eram eles.
Organigrama da Metro Mondego, gestores, administradores,
secretários, representantes das autarquias e do Governo,
empreiteiros, juristas. Gente do organigrama
e do abate de plátanos, do machado e do camartelo,
gente que sabe tourear o IPPAR e os impactos ambientais,
gente fina das CCRs,
das Fundações, latoeiros,
industriais do lixo,
gente que vai na fila da frente nos vôos para Bruxelas
e fala alto ao Telemóvel do Alfa Pendular
sucedendo-se nos Conselhos de Administração, na Comissão Executiva,
nas chefias do Departamento Administrativo e
Financeiro
tanto engenheiro que custava a crer que tanto engenheiro
houvesse
e entretanto
do outro lado da história as mulheres com os filhos
isto é uma história de mulheres e de crianças
ao tricot, ao sono da manhã, à conversa
ou simplesmente ao compasso das travessas
ou na pressa do regresso
ofegante galgando o fim de tarde
as mulheres de Miranda
de Serpins
de Vila Nova
da Lousã
do Meiral
uma delas desenhando
as caras das mulheres
de Corvo
de Lobazes
da Tremoa.
Agora vêm na carreira
tão enjoadas que deixaram de poder
ler conversar tão agoniadas nas curvas tão cheias de poeira
tão quebradas nos saltos
Haverá o dia
vejo-o claramente
que nos cepos de todas as árvores sacrificadas
Vossas Excelências
à saída do Conselho Geral do Partido da Salvação Nacional
surpreendidos pela situação
voluntariamente e para espanto da turba
quererão engolir os cronogramas provisionais
os videos promocionais
e o próprio material circulante
nesse dia pedirão desculpa à gente
do ramal da Lousã
e os vossos pedidos
não serão aceites
não serão ouvidos
para a Blue
18 outubro 2010
Estão a encher-vos de medo.
Que a vida pim sem eles era impossível
Que o mundo pum não ia perdoar
Que o embaixador da França zaz lhe puxou pela manga
E sussurrou parbleu o orçamento
Qual orçamento
Tem de passar claro absolument.
Estão a paralisar-vos com o medo
Que os comentadores chutt a toda a hora
Em doses letais pof vos injectam
Estais quase mortos plim mas a seguir
É que vos vai faltar calor e agasalho
E o pão balalão vai minguar
Encharcados de medo
Paralisados flop pela aranha de turno
Tudo esperais traz e mudos aceitais
A miséria catrapaz e a estúpida vida
Que é a sorte que essa gente
Vos destina
E é então pum quando tudo parece
Para mais mil vrrum anos resolvido
Que o Rui chegou e sabia ainda a fórmula
Que assustava os ratos na esplanada
E dos carros topo de gama encurralados
A gasolina ou o mijo já escorria
Que a vida pim sem eles era impossível
Que o mundo pum não ia perdoar
Que o embaixador da França zaz lhe puxou pela manga
E sussurrou parbleu o orçamento
Qual orçamento
Tem de passar claro absolument.
Estão a paralisar-vos com o medo
Que os comentadores chutt a toda a hora
Em doses letais pof vos injectam
Estais quase mortos plim mas a seguir
É que vos vai faltar calor e agasalho
E o pão balalão vai minguar
Encharcados de medo
Paralisados flop pela aranha de turno
Tudo esperais traz e mudos aceitais
A miséria catrapaz e a estúpida vida
Que é a sorte que essa gente
Vos destina
E é então pum quando tudo parece
Para mais mil vrrum anos resolvido
Que o Rui chegou e sabia ainda a fórmula
Que assustava os ratos na esplanada
E dos carros topo de gama encurralados
A gasolina ou o mijo já escorria
Etiquetas: O Neill Alexandre
13 outubro 2010
Sobretudo não escrever. Nada escrever . Uma imagem sem legenda. Uma sombra.
Vais no caudal dessa grande minoria. Os condenados da terra. Vais como numa apneia do sono.
Vais no caudal dessa grande minoria. Os condenados da terra. Vais como numa apneia do sono.
12 outubro 2010
04 outubro 2010
Nausicaa
Ulisses, o que muito sofreu,
Vai de manhã para o trabalho.
Nausicaa, a dos alvos braços,
Saiu mais cedo.
A tempo do comboio das sete.
Talvez durma no comboio.
De noite é que não dorme.
A cabeça cheia de naufrágios,
Da ideia de naufrágio.
As raparigas tentam consolá-la
Sem saber bem de quê
Até que chega o náufrago
E como vem nu
Todas fogem.
Todas?
Aconselhada por uma deusa
Que gosta de complicar
A vida já de si difícil
Dos heróis
Nausicaa, a dos alvos braços,
Fica.
Agora no comboio, à luz crua da manhã,
Tenta dormir
Por as contas em ordem
Enquanto Ulisses, o que muito sofreu,
Vai ganhar o dele menos 8%.
Etiquetas: insónia