Etiquetas: a cada governo a sua abelha maia
28 outubro 2011
'Só vamos sair desta situação empobrecendo', diz Passos Coelho
“Há muitos países que só têm 12 vencimentos”, diz Miguel Relvas
"Daí o apelo que eu tenho dirigido, para uma distribuição justa dos sacrifícios que se pedem aos portugueses", apelou
A Presidência da República representa uma factura de 16 milhões de euros por ano.
Este número sustenta 12 assessores e 24 consultores, além dos restantes elementos do séquito pessoal
Cavaco Silva faz-se rodear de um regimento de quase 500 pessoas
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27 outubro 2011
«A inflexibilidade das leis laborais motiva a desconfiança das empresas»
«O governo não pretende retirar direitos ao trabalhadores, a filosofia que o Governo defende é a protecção do trabalhador, o que não é a mesma coisa que protecção do posto de trabalho», Álvaro Santos Pereira
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24 outubro 2011
Os líbios desfilam em Misurata ( história antiga)
No mercado tunisino, numa arrecadação frigorífica onde ainda se vêem restos de galinhas, com um cheiro tão insuportável que os organizadores usam máscara sanitária, no chão deitaram Kadafi e o filho. Embrulhados em tapetes, o rosto desfigurado de Kadafi, presume-se que está tal como o entregaram depois da autópsia. Uns barbudos controlam as entradas, em pequenos grupos que se demoram pouco. O corpo do ditador é agora bem pouco. Um árabe comenta à saída:- Fizemo-lo um gigante e ele é afinal bem pequeno. Não se vêem mulheres. As mulheres fogem da violência, ou já foram afastadas da rua. Vigora agora a lei islâmica. Deve ser à luz da lei islâmica que o corpo de Kadaffi é assim e agora exibido. Os que o aclamaram têm agora de o ver morto, derrotado , sem poder, para acreditarem que devem nova obediência, às tribos vencedoras que os Cruzados ajudaram.
Etiquetas: Kadafi
Por decisão pessoal minha, faço-o porque
"Por decisão pessoal minha, amanhã mesmo, vou formalizar a renúncia a este direito que a lei me dá", disse Miguel Macedo.
"Faço-o porque não quero estar a perder um minuto da minha atenção com uma polémica deste género", referiu.
"Faço-o porque entendo que devo fazê-lo", declarou.
(Miguel Macedo considera-se residente em Braga apesar de ter uma casa em Lisboa)
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21 outubro 2011
"Estado a gerir bancos é um desastre."
"Governo teve uma enorme coragem pelo orçamento que fez", Ricardo Salgado do BES
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19 outubro 2011
Insaciável: Fig. sede insaciável de ouro
[Patrões querem trocar meia hora extra por mais sete dias de trabalho]
"Deixemo-nos de fantasias, dispenso a medida se derem três ou quatro feriados e 3 dias de férias", disse António Saraiva, presidente da CIP
[As empresas privadas poderão sugerir o corte dos subsídios]
“ é uma das possibilidades, as empresas ao preferirem não despedir pessoal sugiram cortar nos subsídios ou noutros privilégios”, avançou Van Zeller, presidente da CPI (Conselho para a Promoção da Internacionalização)
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A Hegemonia.
A Hegemonia é tu achares que os mercados têm legitimidade para governar as nossas vidas. Que os rapazes e as raparigas que foram considerados os melhores das suas escolas (por critérios hegemónicos) e por isso premiados, podem ser avisados na véspera de que o governo decidiu anular o prémio. (Se injustiça houver, a Ordem dos Médicos e dos Advogados, a Fundação Pedro Póvoa, a Associação Nacional das Farmácias demissionária se encarregarão de a reparar.) É achares que o governo tem sido esforçado e corajoso. Que um homem, por ser amigo e conselheiro do presidente, nunca será investigado se alegadamente cometer alegados crimes económicos. Se for investigado não será levado a tribunal. Se for julgado não será condenado. Se for condenado não cumprirá a pena. Hegemonia cultural é o conceito gramsciano que eu tentava, sem grande êxito, explicar ao Horácio, um revisionista histórico e paradoxalmente, ou não, um progressista.
O Horácio é um revisionista histórico porque acha que a Revolução francesa foi o terror e a Revolução inglesa uma adaptação gradual das instituições a um modelo económico mais racional. O Horácio, aliás, da cultura francesa só conhece Mme. Sarkozy, acha que Paris é uma escala para a Disneylandia e, entusiasmado pelo último filme de Woody Allen, leu agora um livro de Michel Houellebeck que diz chamar-se The map and the territory. E é progressista porque acredita que a espécie humana é o fim da evolução e a sua forma mais perfeita, tal como o sistema capitalista é, com mais ou menos percalços, o fim da história. O governo atual é, para o Horácio, a representação natural e inevitável desta harmonia, bom para os criadores de emprego em particular e para todos por extensão. Acredita sem acreditar, porque a Hegemonia é mesmo assim, como a seleção sexual, as escolhas das mulheres ou a prosa do Doente Imaginário de Molière. Não precisamos de a conhecer para ela existir. Um dia acordamos e damos conta de que a Hegemonia dormiu connosco, falamos a língua dela sem esforço, temos a chave do seu automóvel e o seu cartão de crédito. A língua da Hegemonia é fácil embora só alguns a falem sem sotaque e tenha algumas regras a que convém obedecer. Por motivos obscuros não se pode chamar Hegemonia à Hegemonia. A Hegemonia, como o Mafarrico, a madrasta da Bela Adormecida ou o Vanilla Ice não quer ser chamada pelo nome. A Lingua Quartii Imperii tem destas coisas. Para compensar tem palavras que vêm à boca como cerejas: capital humano, jovem, empreendedor, dinâmico, coesão, inevitabilidade. Unidades pluriverbais automáticas: esperanças (e anseios) destas populações, fibra (e tenacidade), compromisso (com a troika), esforço (de contenção), nível de ambição (adequado), diminuir a despesa (mantendo o status quo). A língua da Hegemonia já se apoderou dos programas de futebol, dos foruns da radio, dos discursos de abertura dos Congressos científicos.
O Horácio acha que as opiniões que tem são mesmo dele, e que o facto de quase todos os comentadores de todos os canais e quase todos os cronistas de todos os jornais dizerem tal qual o que ele pensa, não tem nenhuma relação com a forma como pensa. Ele é independente, open-minded e todas estas ideias lhe parecem simples e normais. O Horácio não vê nenhuma alternativa ao governo nem à política do governo. Se aprofundarmos um pouco percebemos que o Horácio não sabe bem qual é a política do governo, nem as promessas eleitorais, nem as medidas já tomadas, nem as anunciadas. Ele não está de acordo com nenhuma medida concreta mas está preparado para as apoiar, ou pelo menos para nada fazer contra a sua aplicação. O Horácio ouviu falar de teorias concorrentes de interpretação da História e tem a vaga noção de que eu professo uma fé que não é a dele. Por qualquer motivo sobrenatural ele pertence aos vencedores e eu aos vencidos. Tem emprego numa empresa em vias de privatização para onde entrou pela mão de um administrador com vistas tão largas que nem se percebia que geria um bem do velho estado hipercolesterolémico, casou com a filha de um gestor que é mais um conselheiro económico que um gestor, já passou um fim-de semana no Al Areen Palace & Spa do Bahrain e outro no La Sultana de Marraquexe, no ultimo ano foi a sete despedidas de solteiro, seis casamentos e um batizado, três festas de solstício e duas de equinócio onde até as raparigas de escorte tinham classe e pertenciam à maioria alargada onde se inclui. Está tão teso como nós mas algo lhe diz que o vento sopra a seu favor e ele sabe quem faz soprar os ventos.
O Horácio respeita-me como se respeita um achado arqueológico , como no tempo do Salazar se respeitava o Canto Nono dos Lusíadas, como aquele ministro respeitou os sobreiros em zona protegida. Até à noite em que todos os despachos têm de ser assinados, que é uma espécie de Noite de Cristal que há em todos os regimes, através da qual se consolida, para mil anos, a nova Hegemonia.
publicado no jornal i. Hoje, no mesmo jornal, leia Um gosto moral.
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18 outubro 2011
Esperteza: qualidade de esperto || Esperteza saloia: velhacaria
Subvenções dos antigos políticos não ficarão de fora dos cortes?
"O entendimento do CDS é que não é essa a intenção do Orçamento", afirmou à Lusa João Almeida, sublinhando que, caso subsistam dúvidas, poderá ser feito um "esclarecimento na redacção do Orçamento ou será feita uma proposta de alteração".
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15 outubro 2011
À Manifestação
Vamos para ser contados. Vamos para que os Serviços secretos da Ongoing nos fotografem e mais tarde possam dizer de nós: -Aquele é perigoso. Aquela também.
Vamos para o sector dos cães raivosos. Que se lixem os indignados. Os indignados acreditaram em alguma coisa. Nós nunca acreditámos. Nós estamos fora do esforço nacional.
Se não houver sector dos cães raivosos, nós seremos os cães raivosos.
Não parecemos raivosos porque a raiva tolhe o discernimento e nós queremos estar calmos e atentos.
Para hoje sermos contados e cuspidos. Por ti, Macedo, que deixaste à torreira do meio dia uma camarada da GNR, até ela cair vítima da insolação enquanto comias ao ar condicionado de um restaurante dos latifúndios. Por ti, Fernandes, seboso entre os sebosos.
Calmos e lúcidos. Para hoje sermos cuspidos e para amanhã vos derrotarmos.
14 outubro 2011
"Talvez pudéssemos ter ido mais além e ter chegado a uma hora" de trabalho extra, diz Pires de Lima, presidente da Unicer
...
este "é um esforço que qualquer pessoa está capaz de fazer", João Costa, presidente da Red Oak
..
"Não tive oportunidade de ouvir o discurso do primeiro-ministro, mas parece-me bem que se aumente a carga horária. Nós trabalhamos pouco", António Mota, presidente do grupo Mota-Engil
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13 outubro 2011
Os museus aos domingos.
Fechem os museus aos domingos.
Fechem os museus.
Fechem...
...Os domingos...
...A ideia de domingo.
E de sábado. E de sexta-feira à noite.
Etiquetas: Viegas
07 outubro 2011
Ok, a 15 Outubro lá estaremos!
“Gostaria que os portugueses assumissem o desafio de vencerem as previsões para 2011 e 2012”, insistiu hoje Cavaco Silva
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05 outubro 2011
A rentrée no tempo dos cartuchos
Publicado no jornal i. Hoje, no mesmo jornal, leia Hegemonia
Agora as meninas e os meninos voltam para a escola. Acabou o rega-bofe do verão, as noitadas, as festas, os foguetes, os bailes nos largos da capela, as procissões e o fogo-de-artifício. Os primos de Paris-Banlieue já regressaram a casa, carros bons só mesmo os dos ricos que não ligam à precaução de Marcelo (1) e se fiam no Vilaverde Cabral (2). Vêm longe os agasalhos, as professoras ainda usam sandálias, se não for contra o regulamento. Graças à boa tradição franciscana o Vaticano não repara nos pés das mulheres. Devíamos manter uma breve oração privada para que os defensores da fé não se cruzem com estes pés, tão deliciosamente torneados, sem mancha no calcanhar, como se as donas fossem hovercrafts planando nas calçadas. E as unhas perfeitas, brilhantes, carmim, com a hemoglobina saturada a 100% para todo o sempre e sem cuidados especiais. Na rentrée , uma menina de 14 anos volta a recolher às onze da noite e passa duas horas a escolher e alinhar no sofá a roupa e os adereços que usará no dia seguinte. Acorda às seis e meia para delicadas operações de embelezamento das quais a mais demorada parece ser o desfrisamento.
Ainda está calor e as conversas são sobre as férias e os grupos de férias, as canções do verão e as novidades, concursos, o Justin Bieber e aTaylor Swift , fusquice e mais fusquice misturando a vida das celebridades com os chats das amigas. Os rapazes fazem piruetas em locais de boa visibilidade e às vezes entusiasmam-se tanto que se esquecem das meninas em troca de um bom jogo ou de uma briga. Era assim no tempo dos cartuchos, como diz a Rosa(3), dos vinis, das K7s, dos CDs. Continuou assim no tempo dos walkmans, dos MP3, dos iPods ou dos vinis reborn.
As teens ditam os modos e as modas. As pré -teens imitam-nas. Verniz menos aberto, menos pedraria nas sandálias, a mesma exuberância nos colares e umas cripto -tatuagens. Os rapazinhos voltejam, ainda sem saber bem para quê.
Na rentrée, como no início das férias, um vento mau estremece os mais frágeis, os que detestam as transições e cujos ciclos são pontuados por tormentas. Dores de cabeça, muitas dores de barriga. Um rapaz de 9 anos tomou comprimidos, outra fugiu do CAT de abrigo.
Um dos prazeres da rentrée é comprar lápis, enquanto for possível um pelo menos da Faber-Castell, um estojo, afiadeira, borrachas, cadernos de papel pautado, quadriculado, lisos.
No tempo dos cartuchos, os livros escolares eram encapados com papel ferro, cinzento, castanho, azul, às vezes papel seda, mais tarde papel autocolante. A matéria era fácil ou tão dificil que parecia impossível que fosse para valer. As janelas tinham os vidros pintados, para não haver distrações com a paisagem.
A senhora Thatcher (3) dizia:
- Não há sociedade. Há o indivíduo e a família.
Esquecia-se da turma. A turma era o núcleo da sociedade dos miúdos. A primeira tarefa da rentrée , a ocupação do espaço na sala de aulas, era uma tarefa partilhada com os professores. Mas as miúdas e os miúdos da turma adiantavam-se na construção do mapa mental. Número doze, tendo à frente o sete e o dois, ao lado o onze e o treze e atrás o dezasseis, o dezassete e o dezoito. O seis é o rapaz que mora na rua de cima. O doze é perigoso. O sete engraxador. O onze tem acne pustular e quer ser amigo.
De quem ele gostava mais era da professora de português. Encontrava-a todos os dias, e por vezes mais do que uma vez por dia. Viveu esses anos em estado de encantamento, um sentimento alimentado pela literatura através de uma mulher admirável, de voz doce e nunca exaltada. Chamava-se Beatriz, conduzia um Morris 1100 azul claro era casada com o professor Metodólogo de Matemáticas. Não havia parque para os professores mas encontrava-se sempre lugar para estacionar . Via-a chegar, às duas e um quarto, para as aulas da tarde. Ela nunca faltava e nunca adoeceu, caso contrário ele ter-se-ia preocupado. Entregou-lhe poemas ou textos menos preguiçosos que escrevia e recebeu, confuso, um livro de Sebastião da Gama cujo título era Serra-Mãe. Para ele a rentrée era voltar a encontrá-la e depois perdê-la, quando dispersaram a turma, numa estratégia preventiva que caracterizava a escola desses tempos.
Agora acontece-lhe falar com um rapazinho do tempo dos ipods. E com alguns consegue falar sobre a escola. Sabe, pelos olhos deles, que há ainda em todo o lado alunos e professores assim, e que a rentrée pode ser o tempo de um reencontro amoroso, que, ao contrario do amor conturbado das mulheres e dos homens é tranquilo e ingénuo como a serra da Arrábida no tempo dos cartuchos ou os poemas de Serra-Mãe.
1) Marcelo pediu aos ricos para, nos tempos que correm, não se exibirem.
2) Vilaverde Cabral, um sociólogo de serviço, disse numa entrevista recente que esperava que o povo português ardesse em lume brando.
3) Cartuchos (cartridges ) era o nome de um gadget de grandes dimensões usado para reproduzir música nos carros. Rosa Oliveira, professora de literatura, cunhou este termo para designar esse tempo.
4) Primeira-ministra britânica da transição entre os cartuchos e as K7s.
Agora as meninas e os meninos voltam para a escola. Acabou o rega-bofe do verão, as noitadas, as festas, os foguetes, os bailes nos largos da capela, as procissões e o fogo-de-artifício. Os primos de Paris-Banlieue já regressaram a casa, carros bons só mesmo os dos ricos que não ligam à precaução de Marcelo (1) e se fiam no Vilaverde Cabral (2). Vêm longe os agasalhos, as professoras ainda usam sandálias, se não for contra o regulamento. Graças à boa tradição franciscana o Vaticano não repara nos pés das mulheres. Devíamos manter uma breve oração privada para que os defensores da fé não se cruzem com estes pés, tão deliciosamente torneados, sem mancha no calcanhar, como se as donas fossem hovercrafts planando nas calçadas. E as unhas perfeitas, brilhantes, carmim, com a hemoglobina saturada a 100% para todo o sempre e sem cuidados especiais. Na rentrée , uma menina de 14 anos volta a recolher às onze da noite e passa duas horas a escolher e alinhar no sofá a roupa e os adereços que usará no dia seguinte. Acorda às seis e meia para delicadas operações de embelezamento das quais a mais demorada parece ser o desfrisamento.
Ainda está calor e as conversas são sobre as férias e os grupos de férias, as canções do verão e as novidades, concursos, o Justin Bieber e aTaylor Swift , fusquice e mais fusquice misturando a vida das celebridades com os chats das amigas. Os rapazes fazem piruetas em locais de boa visibilidade e às vezes entusiasmam-se tanto que se esquecem das meninas em troca de um bom jogo ou de uma briga. Era assim no tempo dos cartuchos, como diz a Rosa(3), dos vinis, das K7s, dos CDs. Continuou assim no tempo dos walkmans, dos MP3, dos iPods ou dos vinis reborn.
As teens ditam os modos e as modas. As pré -teens imitam-nas. Verniz menos aberto, menos pedraria nas sandálias, a mesma exuberância nos colares e umas cripto -tatuagens. Os rapazinhos voltejam, ainda sem saber bem para quê.
Na rentrée, como no início das férias, um vento mau estremece os mais frágeis, os que detestam as transições e cujos ciclos são pontuados por tormentas. Dores de cabeça, muitas dores de barriga. Um rapaz de 9 anos tomou comprimidos, outra fugiu do CAT de abrigo.
Um dos prazeres da rentrée é comprar lápis, enquanto for possível um pelo menos da Faber-Castell, um estojo, afiadeira, borrachas, cadernos de papel pautado, quadriculado, lisos.
No tempo dos cartuchos, os livros escolares eram encapados com papel ferro, cinzento, castanho, azul, às vezes papel seda, mais tarde papel autocolante. A matéria era fácil ou tão dificil que parecia impossível que fosse para valer. As janelas tinham os vidros pintados, para não haver distrações com a paisagem.
A senhora Thatcher (3) dizia:
- Não há sociedade. Há o indivíduo e a família.
Esquecia-se da turma. A turma era o núcleo da sociedade dos miúdos. A primeira tarefa da rentrée , a ocupação do espaço na sala de aulas, era uma tarefa partilhada com os professores. Mas as miúdas e os miúdos da turma adiantavam-se na construção do mapa mental. Número doze, tendo à frente o sete e o dois, ao lado o onze e o treze e atrás o dezasseis, o dezassete e o dezoito. O seis é o rapaz que mora na rua de cima. O doze é perigoso. O sete engraxador. O onze tem acne pustular e quer ser amigo.
De quem ele gostava mais era da professora de português. Encontrava-a todos os dias, e por vezes mais do que uma vez por dia. Viveu esses anos em estado de encantamento, um sentimento alimentado pela literatura através de uma mulher admirável, de voz doce e nunca exaltada. Chamava-se Beatriz, conduzia um Morris 1100 azul claro era casada com o professor Metodólogo de Matemáticas. Não havia parque para os professores mas encontrava-se sempre lugar para estacionar . Via-a chegar, às duas e um quarto, para as aulas da tarde. Ela nunca faltava e nunca adoeceu, caso contrário ele ter-se-ia preocupado. Entregou-lhe poemas ou textos menos preguiçosos que escrevia e recebeu, confuso, um livro de Sebastião da Gama cujo título era Serra-Mãe. Para ele a rentrée era voltar a encontrá-la e depois perdê-la, quando dispersaram a turma, numa estratégia preventiva que caracterizava a escola desses tempos.
Agora acontece-lhe falar com um rapazinho do tempo dos ipods. E com alguns consegue falar sobre a escola. Sabe, pelos olhos deles, que há ainda em todo o lado alunos e professores assim, e que a rentrée pode ser o tempo de um reencontro amoroso, que, ao contrario do amor conturbado das mulheres e dos homens é tranquilo e ingénuo como a serra da Arrábida no tempo dos cartuchos ou os poemas de Serra-Mãe.
1) Marcelo pediu aos ricos para, nos tempos que correm, não se exibirem.
2) Vilaverde Cabral, um sociólogo de serviço, disse numa entrevista recente que esperava que o povo português ardesse em lume brando.
3) Cartuchos (cartridges ) era o nome de um gadget de grandes dimensões usado para reproduzir música nos carros. Rosa Oliveira, professora de literatura, cunhou este termo para designar esse tempo.
4) Primeira-ministra britânica da transição entre os cartuchos e as K7s.
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03 outubro 2011
Cartas de Outubro
Dentro do meu programa de higiene mental só ligo a televisão para zappings ecoinfantilóides. Para falar verdade o que vejo mesmo são os jogos de voleibol feminino. Os realizadores parecem-se todos comigo, doentes da atribuição de sentido, sempre à procura de um grande plano das mulheres, agora a cara, agora as mãos, o rabo, as coxas, a nuca, outra vez a cara. Chega o segundo set e parece que conhecemos aquelas pessoas há muito tempo, o calão do vólei, o petit nom, as preocupações com o namorado que não entende o papel subalterno face à selecção. Nós sim entendemos. Entendemos tudo e o mundo parece leve, e os movimentos fáceis, e a equipa parece uma família indestrutível que não obedece a nenhum imperativo senão o de ganhar pontos, jogos, medalhas. De vez em quando, furtivamente, como os criminosos ao local do crime, passo pelo inferno mediático. Ontem à noite, na sicnotícias, às 23h vi um prodígio de manipulação goebbeliana. Uma notícia sobre a necessidade da polícia responder aos novos desafios, misturava as famosas cenas de violência taxista na Grécia e de pilhagens e saques no Reino Unido com imagens da manifestação popular da véspera em Lisboa. Pus mais alto. Tenho de ouvir estas pérolas para não ser surpreendido pela polícia. O locutor lia um texto sobre as tarefas árdua das polícias em tempos de austeridade. As imagens eram meramente ilustrativas. Como o texto era complexo o ouvinte distraído retirava apenas a mensagem principal, que nem chegava a ser subliminar: todas as manifestações são perigosas, a actividade policial é sempre justificada, vai ser necessária, já está a ser preparada.
Também vi dois minutos de entrevista a um ser humano encimado pelo título de ministro inglês para a Europa. Os entrevistadores , Nuno Rogeiro e Martim Cabral estavam enjoadíssimos com a personagem, tipo galçaréu de Sua Magestade, que não dava respostas a nada, se recusou a condenar a Rússia pelo desrespeito dos direitos humanos e pelos vistos se orgulhava do passado de eurocético.
No Expresso António Guerreiro voltou a pôr Vítor Hugo Mãe em minúsculas, acabando com o idílio entre o homem de letras e o público com evidente desgosto da minha mãe que desde os espanhóis não tem outra fábrica.
Comprei na Amazon o kindle book de Ian Morris chamado Why the West rules . Aconselhado pelo Távora. Demorou algumas horas a carregar mas finalmente chegou.
O Marmelo escreveu um livro borgiano, Vila-Matas teve um prémio italiano e o Planeta Tangerina editou dois livros, um da Yara Kono e outro da Isabel Minhós.
O tempo esteve ótimo, um pequeno verão dentro do Outono. A caixa ATM aceitou o meu cartão e fiz a transferência para a minha senhoria. A meio da tarde cozinhei uma receita de Nadia Santini que saiu bem, sem falsa modéstia e servi um Nieport Redoma branco de 2004.
Há uma discordância fundamental entre tanta coisa boa no presente e um futuro tão mau.