21 março 2013

17 março 2013

Vivian Maier




Em 2007, John Maloof, um homem de 27 anos do negócio imobiliário, tentava escrever um livro sobre um bairro de Chicago, o Portage Park da sua infância, no Northwest Side. Na tentativa de documentar fotograficamente a sua pesquisa, frequentava leilões locais à procura de fotografias de época. Um dia licitou com êxito, por 400 dólares, uma caixa com negativos fotográficos. Os primeiros que revelou pareceram-lhe sem interesse para o seu objectivo. Uma vez publicado o livro, voltou aos rolos do lote. E pouco a pouco apercebeu-se de que tinha nas mãos um tesouro.
John Maloof diz que esta descoberta fortuita mudou a sua vida. Os negativos eram de uma tal Vivian Maier, e eram, em grande parte, imagens de rua de Nova Iorque e Chicago dos anos 60. Depois, Maloof tornou-se fotógrafo, perseguindo obsessivamente, com uma Rolleiflex, os lugares, os motivos e ao mesmo tempo a história de Vivian Maier.
Maier nasceu em 1926 em Nova Iorque, filha de uma francesa e de um austríaco, que aos quatro anos já as tinha abandonado. Até 1951 viveu entre Paris e Nova Iorque. Nesse ano, Lisette Model, uma judia europeia então com 50 anos, que revolucionou a “fotografia de rua”, ou o Estilo documentário (Walker Evans), ou a Fotografia social, começou a ensinar na New School for Social Research. Lisette teve como aluna, outra celebridade, Diane Arbus. Mas embora Vivian Maier se tenha aproximado de Lisette e de Diane – pelos temas, preocupações, técnica e uso do preto e branco – não se sabe se esta influência foi formal, nem sequer se ela frequentou as exposições ou as aulas, ou conheceu as fotografias dessas mulheres.
Maier foi uma mulher solitária. Conhecemo-la através do seu legado, nunca revelado por Maier durante o tempo em que viveu, quase todo recolhido por Maloof: 100.000 a 150.000 negativos, mais de 3.000 impressões, centenas de rolos, filmes, entrevistas áudio e dezenas de dossiers com recortes de jornais e outros documentos. Trabalhou como ama, em famílias residentes em Nova Iorque entre 1951 e 1956, e depois em Chicago. Viajou pelo Canadá e América Latina, Médio Oriente, Ásia e Europa, sempre acompanhada da inseparável Rolleiflex, comprada ainda durante o seu primeiro ano como ama em Nova Iorque. Mas as fotografias que hoje a estão a celebrizar são das ruas de Chicago, com o “L”, o metro elevado, os populosos bairros de emigrantes, as lojas de produtos alimentares do centro, as crianças estranhas que evocam os deficientes de Arbus, com joelhos varus e pernas magras, o homem de face leonina, o gigante – outra inevitável associação arbusiana –, o cavalo morto na via pública, o cavalo de Turim esvaindo-se em sangue no asfalto de Chicago. Os subúrbios pobres de onde se avistam os arranha-céus, a atenção aos pormenores, as sofisticadas mulheres veladas, as mãos que se entrelaçam atrás das costas, as sombras que dividem os espaços, se projectam no chão e nas paredes, se confundem com os objectos, dividem os corpos, as faces e a própria face-reflexo de Vivian. As sombras que desenham o seu corpo e onde crescem três folham secas como se fossem pulmões e coração.

Através de espelhos, reflexos e sombras, sabemos como ela era: alta, seca, por vezes com um chapéu de abas quebradas, vestido longo ou casacos de padrão largo ou risca vertical, sapatos masculinos, Rolleiflex 3.5 Automat ao pescoço, com os dois grandes olhos da TLR alinhados ao alto. A face é luminosa, por vezes sorrindo, divertida. Mas também fechada, imperscrutável. O nariz levantado, o cabelo curto, fino, com um risco lateral, o pescoço longo. E, da investigação de Maloof sabemos como é descrita por quem a via passar, ou pelos três rapazes da família Gensburg, hoje homens de meia-idade, que ela educou: “Excêntrica, forte, opiniosa, altamente intelectual e intensamente zelosa da sua privacidade” e que se via a si própria como uma crítica cinematográfica, falando inglês com sotaque gaulês, talvez consciente e orgulhosa por um estatuto íntimo de outsider. Quando estes rapazes cresceram, a ama foi trabalhar para outras casas, até envelhecer e não ser de nenhum préstimo para as crianças de famílias abastadas. Vagueou na cidade, sem casa, até que os três rapazes Gensburg a encontraram e custodiaram até à sua morte, infelizmente tarde de mais para recuperar os arquivos fotográficos que ela perdera por incumprimentos financeiros.
Maier morreu em 2009, na sequência de uma queda numa rua de Chicago. Desde 2010 que o seu trabalho tem sido exposto em museus e galerias, dando origem a um livro e a um filme documentário anunciado para breve. Richard Gordon, num inteligente comentário a uma das recentes exposições de Maier, escreveu que lhe falta um editor como John Szarkowski, o carismático director do MOMA de Nova Iorque , foi para Garry Winogrand. Alguém que lhe descubra o lugar que tem nesta época.
Mas é isso o que me parece menos importante. A vida de Maier foi uma lição de orgulhosa humildade, de dignidade e arrojo. Uma mulher que dispara uma câmara nas ruas de Chicago. À altura das coxas, do rabo, do peito dos homens e das mulheres seus semelhantes, fazendo capturas consensuais ou sem autorização. Celebrizando o quotidiano mais insuspeito, conferindo-lhe sentidos múltiplos, resgatando-o da banalidade, transformando cada rosto num personagem de uma história singular. Dirigindo-se ao único público improvável que os verdadeiros artistas conhecem.

Vivian Maier, Street Photographer, powerHouse books, 2011
Finding Vivian Maier, 2013

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13 março 2013

Source: lomography.com via Seth on Pinterest

12 março 2013

CONVITE ~ exposição ~ inaugurações no dia 16 Março


(clicar na imagem para aumentar)

ENTRE NÓS E AS PALAVRAS, OS EMPAREDADOS

Sábado, dia 16 Março, 15:00
Antigo Colégio Camões (ex-ISCAC), Rua Luís de Camões, Coimbra

Sábado, dia 16 Março, 17:00 (pequeno formato)
Arte à Parte, Rua Fernandes Tomás, 17Coimbra



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11 março 2013

Milícias do leite e o direito à escolha




Um dos laços mais fortes à nossa animalidade é o aleitamento materno. Durante um período os bebés humanos não têm dentes e demonstram uma capacidade limitada para procurar, preparar e digerir outros alimentos além do leite humano. A nossa sobrevida esteve, e em muitas partes do mundo assim se mantém, dependente do aleitamento materno . As tentativas de substituição eram limitadas. Leite de outras mulheres, leite de fêmeas de outras espécies, mais ou menos modificado para se adequar às capacidades digestivas de um animal imaturo, foram soluções de recurso. Apesar de muito referidas, envolveram, num cômputo geral, um número reduzido de indivíduos e com sucesso limitado. Até que, no século XX, as sociedades industrializadas produziram derivados do leite de vaca compatíveis com as capacidades de digestão e absorção dos mais pequenos e, ao mesmo tempo, alimentos em quantidade nunca vista, entre os quais alguns permitiam o desmame precoce dos lactentes.  Pouco tempo depois assistia-se a um enorme aperfeiçoamento do controle reprodutivo e uma crescente democratização do acesso das mulheres à esfera pública, à participação política e a cargos de chefia. Nos anos 70 uma reacção iniciou-se, apoiada nos estudos da composição do leite materno e da sua superioridade relativamente aos artefactos de substituição e na valorização da ligação precoce mãe-filho e dos seus facilitadores.
Foi um tempo que tornou possíveis realizações como o  Acordo com as companhias leiteiras sobre a limitação da propaganda dos leites de fórmula, incluindo o arrefecimento do marketing com regras que limitavam o aspecto apelativo das embalagens e impediam a distribuição de leites substitutivos nas maternidades.
Alguns movimentos vieram, a reboque destas alterações, criar nas Maternidades um ambiente de unaninismo intimidatório: hospitais aderentes a um movimento fundamentalista escondido atrás da designação simpática de Hospitais Amigos do Aleitamento Materno, apadrinhado pela OMS/UNICEF através do qual a pressão sobre as escolhas das mulheres se inicia na preparação do parto, passa pela mamada em cima da expulsão fetal, pelos cartazes afixados e atinge o paroxismo num sinistro Cantinho da Amamentação.
La Leche Liga, uma organização que declara actuar em 50 países e tem representantes entre nós, enuncia um conjunto de princípios lactivistas e distribui textos de tradução automática e conteúdo profundo dos quais se destaca este, relativo ao momento ideal para o desmame: “ idealmente o desmame é feito por iniciativa do bebé”. Nesta como em outras questões, o bebé sabe mais do que a mãe e retira-lhe a iniciativa. O bebé e as senhoras da Liga.
Estes movimentos baseiam-se em alguns princípios simples: 1. As mulheres são ignorantes e devem ser preparadas para o aleitamento, ensinadas a amamentar, elucidadas sobre as vantagens do aleitamento, induzidas a assegurar laços de intimidade que apenas as boas mães que amamentam podem, legitimamente, esperar obter a longo prazo. 2. As voluntárias do movimento aliciam enfermeiras e médicas, orgulhosas por ganhar para as suas instituições um galardão de pretensa qualidade, obtido através da adesão inconsciente a princípios totalitários. 3. Este ensinamento não tem fim nem princípio. Deve iniciar-se antes do parto, em cursilhos que lembram os grupos de auto-ajuda, inundados em progesterona. 4.  A mãe é subliminarmente culpada pelo eventual falhanço da amamentação. Neste como em outros aspectos da vida, os crentes acreditam que é preciso mais ensino, melhor ensino, melhores regras, uma estrita ética do bem.
Com 99% de mulheres a ter alta da maternidade alimentando os recém-nascidos com o seu leite, em exclusividade, não há lugar para a escolha. A escolha é indizível. Não pode existir sequer na cabeça da mulher. A mulher que, sem motivo poderoso, questione a amamentação “natural” é uma mulher suspeita. O Manual de Amamentação de 2008, patrocinado pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Oriente, começa com esta máxima: “Dar de mamar é uma prioridade da sua vida porque é bom para si, para o seu bebé e para a sua família.”
As contra-indicações médicas da amamentação são “raras mas existem: Trata-se de mães com doenças graves, crónicas ou debilitantes, mães infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), mães que precisem de tomar medicamentos que são nocivos para os bebés .”
Quem se atreve? Quem ousa? Quem quer para o bebé senão o melhor? Quem é capaz de olhar de frente para o pai da criança, para os próprios pais, para as visitas, para as enfermeiras e para o medico que dá alta e escreve no livrinho: mãe decidiu não amamentar? E onde está a resistência, um contra-movimento, uma iniciativa feminista à escala local que apoie o direito à escolha de quem não amamenta?
Em 2010, a filósofa francesa Elisabeth Badinter publicou um livro em que denunciava a “tirania da amamentação” e o tremendo retrocesso para a liberdade das mulheres decorrente da armadilha da ‘mãe perfeita’: aquela que amamenta pelo menos durante dois anos e utiliza fraldas de pano, entre outros atributos.
Quando as coisas pareciam correr bem e as mulheres pensavam ser finalmente donas do seu corpo, veio a ditadura do aleitamento e confiscou-lhes as mamas.

Elisabeth Badinter, O Conflito, A Mulher e a Mãe, Relógio D` Água, 2010


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07 março 2013

Programa do Mal Dito, Festival de Poesia em Coimbra

04 março 2013

Palavras na escuridão




Um livro de poesia para mil leitores. Alguns irão conhecê-lo mais tarde, quando se vender a dois euros nos saldos de uma estação. Quem lê poesia? Quem compra poesia? Apesar de tudo a poesia tem prestígio. O meu amigo João, talonador numa equipa de rugby juvenil, chama poetas aos colegas da segunda linha que estragam as jogadas com adornos desnecessários. O livro de poesia está em branco. Este que tenho na mão tem onze páginas em branco, oito repetindo o título, subtítulos e dedicatória, cinco com citações e o índice, dez páginas de informações editoriais. Trinta e quatro páginas quase em branco para trinta e oito poemas sobre cidades, menos Dublin que não deu um poema. Estes ocupam por vezes metade das páginas. E os versos podem não preencher meia linha. Parte do prestígio da poesia vem desta liberdade de deixar espaços vazios, como se quisesse dizer ao leitor que também ele pode escrever, desenhar, riscar, pintar, rasgar. Uma instalação recente representou um livro como um conjunto de letras/ palavras derramadas a partir de um eixo central. Só na poesia as palavras brilham, pesam, cintilam. Mas para poderem brilhar precisam do espaço e da claridade da página, como as estrelas precisam da escuridão dos céus. Atrás das palavras está uma voz singular (quando acontece a poesia, como é tão raro e é o caso deste livro). E à frente das palavras está a pessoa que lê, aquele a quem Baudelaire chamou irmão (“meu semelhante”), e depois precisou: “ hipócrita”. Porque quem escreve tem na cabeça um leitor fantástico, feito de muita gente, dos homens e mulheres que ama, dos que admira, dos que gostaria que o admirassem. Partilha com estas pessoas gostos, referências e ilusões. Por elas se julga compreendido. Quem escreve quer ser influente junto desse círculo restrito de gente real ou imaginária a quem dedica os textos. Imagina-a cúmplice. Por ela e para ela reconstrói a realidade.
A poesia é um estado de alma (lugar comum). Uma maneira de estar. Um modo genial de ver, interpretar, tornar a realidade inteligível, suportável. A poesia partilha com a paixão amorosa uma percepção exaltada: subitamente tudo muito alto: a música. E o cheiro muito alto, muito alto o tacto. Usando o léxico de outra situação: a poesia é uma idiotia sábia, uma perplexidade, uma sagacidade dirigida.
João Luís Barreto Guimarães escreveu um livro de viagens em duas partes. Uma, a que chama “Partidas” em que cada cidade se organiza em torno de uma recordação, um pormenor. Outra em que remexe nos bolsos. Nesta, os poemas mostram a sua oficina, outras vezes evocam a repetição, a rasura, a revisão a que foram sujeitos. Como os atletas no ginásio imitando a natureza, repetindo um exercício, pedalando sem progressão numa pedaleira a que faltassem as rodas. Mas a poesia não é a oficina do autor nem o poema o seu produto. A oficina não pode ser pressentida. Cada poema existe inteiro, enquanto é escrito, e assim se refaz na cabeça do leitor. Vai acender os mesmos circuitos, preencher as mesmas fendas sinápticas, ligar os mesmos neurotransmissores a idênticos receptores, criar os mesmos mapas. Existe como um andamento, com o seu ritmo. Cada corte, cada verso a mais, transforma-o em outra coisa.
O poema aproxima-se da realidade como a ciência. O que muda é o ponto de vista. O poema diz o que não pode ser dito de outra forma. E fá-lo com a sua exactidão. O poema pertence a uma zona do cérebro que nem sempre está funcional. Embora algumas pessoas tenham o dom de uma existência poética, e por vezes, a sua existência seja contagiante, e nos comunique um conjunto de sentimentos que só podem ser transmitidos recorrendo à linguagem da poesia e a conceitos contraditórios. Leveza. Mas também solenidade. Alegria de viver. Angústia, mas reconciliação com a morte. Velocidade, vertigem, cor. Mas tempo para os saborear. Tempo para poder parar o tempo. Para repetir. Compreender melhor. Dizer melhor. Como se diz um poema.

você está aqui, João Luís Barreto Guimarães, Quetzal poesia, 2013
Mal-Dito, Festival de Poesia em Coimbra 21-23 de Março de 2013
Charles Baudelaire: “— Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!”, Au lecteur, Les Fleurs du Mal
Susana Nogueira, pediatra, especialista em perturbações da integração sensorial


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03 março 2013




«... "a minha dor é a minha arma". Em breve estas armas dispararão. Preparem-se.»



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