30 junho 2010

Que Viva España



A selecção portuguesa de futebol perdeu com a espanhola. Um grupo de trabalhadores nacionais emigrados e de estrangeiros emigrantes perdeu com um grupo de trabalhadores espanhóis. Explicaram-me como foi: a Espanha teve 61% do tempo a posse da bola, chutou à baliza com intencionalidade três vezes mais. A Espanha passou o jogo no meio campo português a trocar a bola e a urdir lançamentos em profundidade para os atacantes. Em linguagem futebolística : a Espanha fez a bola circular entre as nossas linhas à procura de espaços de penetração. Face a esse domínio esmagador, um certo equilíbrio podia existir se a equipa portuguesa partisse rapidamente da recuperação da bola para situações ofensivas. Isto é, se as transições fossem rápidas. Isso quase nunca aconteceu. Poucas vezes até aos 52 minutos e nunca depois. Todos os jogos têm uma história que não está escrita antes e raramente é previsível. Um grande escritor sobre futebol, Luís Lobo, escreveu há tempos que um jogo se podia perceber encostando o ouvido à linha de meio campo e auscultando os passos dos jogadores que a cruzam. Se tivéssemos feito isso teríamos percebido que a equipa portuguesa era o silêncio com uma intermitência pela esquerda .A alteração possível implicava o reforço da ala esquerda mantendo o homem Almeida no eixo do ataque. O treinador português não fez essa escuta e a equipa apagou-se, inofensiva.

A nossa selecção de futebol é muito inferior à espanhola. A nossa selecção de jornais também. A de colunistas nem se fala, embora seja difícil imaginar com quem se pode comparar um imbecil ilustrado como VPV, um católico ultramontano como César das Neves ou um diletante como MST. Se nos compararmos, perdemos em quase tudo: na poesia, na novela, na viola de gamba, na saúde oral e no tamanho dos narizes. Ontem viu-se, quando as câmaras focavam a assistência: uma mulher guapíssima passando bâton pelos lábios, alternava com um broeiro lusitano, atarracado e hirsuto.
A Espanha teve de tudo e a sério. Teve anarquistas e falangistas, brigadas internacionais e fossas comuns. Na primeira metade do século XX a Igreja Católica em Portugal foi nojentinha. Em Espanha foi mesmo nojenta.
Hoje estamos como sempre fomos - se excluirmos o breve período em que um bruxo brasileiro, com o apoio do Marcelo das bandeiras, fez psicoterapia de grupo à selecção de futebol e hipnose ao País. Condenados ao Sócrates e ao clone barítono, aos socialistas entre a jugular e a estomáquica, aos sociais-democratas revirgens como um rapaz de Blake, aos estalinistas e à esquerda alternativa. Ao senhor Silva e ao comendador Loureiro. Ao fartote, ao rega-bofe, à depressão cortical, ao fado da humanidade imaterial, à maldição insular que atingiu Antero e ainda chega até nós, como um anticiclone que vem dos Açores.
Dos Açores e não das Canárias. Do Brasil e não da Argentina, do Alto Peru ou de Cartagena das Índias. Faz toda a diferença. Toda la diferencia.

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27 junho 2010

Histórias da Literatura





A minha remota infância decorreu num tempo parado. Uma mistura entorpecente do tempo lento da infância e da fibrilhação de uma cidade petrificada. Vivia-se num Estado de excepção, não no sentido em que Agamben utilisa o termo. Literalmente. Um país de mulheres virtuosas de carnes moles e cheiro almiscarado, padres de batina, medrosos, bufos, leais servidores das funções que lhes eram cometidas. Funções de merda. Não havia nada excitante para fazer naquele país de onde os mais afoitos tinham desertado, a Coreia do Norte dos anos 50, um pouco antes do tempo dos cartuchos. Um dia , numa viagem à Serra, passámos por uma casa que ostentava a seguinte designação: Centro Republicano. O meu pai explicou-me o significado daquela inscrição e, no meio da confusão quanto à natureza do regime, eu percebi, pela primeira vez, que aquele país tinha uma história que não era a do Condestável e do Infante D. Henrique, o gay viril e o gay melancólico que moldavam a minha visão da história pátria.
Neste país de doença, a realidade só existia nos livros. Livros estranhos que ninguém parecia ter lido. Um deles, dos primeiros que li, chamava-se Um navio dentro da cidade. Desapareceu, como quase tudo desse tempo. Mas ia jurar que era um desses livros incríveis que José Cardoso Pires e Victor Palla editaram numa colecção a que chamaram os Livros das Três Abelhas. Nessa colecção, de bom gosto gráfico, como tudo o que Victor Palla fazia, publicaram Lermontov, Caldwell, Steinbeck e o inevitável Sartre. Camus saía na rival Miniatura.

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A adopção por casais homossexuais: uma fronteira do pensamento conservador


Terry Richardson

Ninguém tem direito a adoptar crianças. Estas é que têm direito a ser adoptadas. Têm direito a um pai e uma mãe que substituam os seus pais biológicos e não a uma família em que um homem desempenhe a função da mãe ou uma mulher o papel do pai. Só pessoas de sexo diferente podem gerar filhos. Foi assim que a natureza estabeleceu a reprodução. Por isso, o Homem não deve tentar alterar aquilo que a natureza organizou.
António Marinho Pinto, Jornal de Notícias




O autor destas linhas é um personagem controverso. Pensa muito e diz o que pensa. Suscita por isso demasiadas emoções. Considerando que a maior parte dos intervenientes no ruído público pensa pouco e diz o que convém ao seu grupo de pressão, a existência de pessoas com as características de António Marinho é um factor de saúde mental. O modo como o conheci devia-me inibir de escrever o que quer que fosse sobre ele, mas não sobre as suas opiniões.
Desta vez acho que lhe devo uma informação simples e breve: a história do Homem - assim com maiúscula - é a história de como se altera aquilo que a natureza organizou. Alguns exemplos: o controlo das doenças- desde a luta contra microorganismos até às terapêuticas génicas, a agricultura, a construção de barragens, a domesticação de outros animais, o direito, enfim.

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25 junho 2010

Os 19 trabalhos de Bartleby



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24 junho 2010

Os residentes Bartleby no dia 26

23 junho 2010

Uma noite com Bartleby - dia 26 - 21:00 - Coimbra





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22 junho 2010

É já no próximo sábado, dia 26, a partir das 21H





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20 junho 2010

O funeral de José Saramago

Só um país que tivesse perdido toda a decência não daria a José Saramago um funeral nacional. Ainda há pouco escrevi aqui, em tom ligeiro como é habitual nestes posts, sobre o entendimento de Pedro Lomba a propósito dos rituais de passagem. O facto de ser iconoclasta, por método e feitio, não impede que distinga algumas coisas fundamentais: as sociedades necessitam de referentes identitários, os homens e as mulheres notáveis devem ser estimados, a morte inevitável deve ser mitigada com alguma ilusão de eternidade.
José Saramago era um escritor e um homem notável.
Francisco José Viegas disse, sobre isso, o essencial.
Hoje os jornais noticiam que Cavaco e Jaime Gama não irão ao seu funeral.
Fazem mal. Porque Cavaco e Gama não são o senhor Silva e aquela viscosidade que encima o parlamento. São, como dizem os reclamantes indignados, pessoas a quem pagamos para isto. Para representarem o Estado nestas circunstancias. Não nos interessa se o senhor Silva leu Saramago ou não. Não nos interessam as preferências literárias de Sua Viscosidade. Estar no funeral de Saramago faz parte do seu caderno de encargos.

Mães e filhas


Jeremy Sutton-Hibbert 2004




- Amo-te. Quando mudar de opinião, digo-te.

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O milhafre na cidade


António Guerra



A colónia de milhafres do Choupal cresceu consideravelmente . Quando a primavera finalmente se anunciou eles contavam-se às dezenas. Alguns tiveram de sair das margens do Mondego . Sobrevoam agora Montes Claros e a Solum, o Convento de Celas e a Alta. Misturam-se com as pombas. Voam baixo , entre os telhados. Saíram do círculo longínquo onde os admirávamos e fazem parte da nossa intimidade, grandes demais para os ignorarmos. Um destes dias um deles arrancou um pão das mãos de um rapaz de dois anos, na Conraria. Vi as marcas na criança, ainda excitada por aquele encontro.

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19 junho 2010

A puericultura é a doença senil dos direitistas



Helena Matos teve um filho pré spockiano, um rapaz que, pelas minhas contas, terá agora 70 anos e foi educado segundo as normas do higienismo estadonovista .
Helena está em vias de ser contratada pelo Governo Que Aí Vem, como consultora do Ministério da Instrução, com o cargo de assessora . Compete-lhe definir os conteúdos imutáveis que devem ser celebrados no final de cada ano lectivo. Preparem-se pois. Helena, que nunca mudou, e já aos seis anos santificava o lugar do patrão, ainda vos vai pôr na aula de lavores ou a ouvir o negreiro a propósito da actualidade de Dona Filipa de Lencastre.

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17 junho 2010

Mulheres do Mal: Rosa


The Sartorialist


Esteve toda a noite a ouvir o amigo, terapeuta pro bono. Daqui a pouco como é que se vai levantar ? Ela também facilmente se entusiasma com a conversa e vai-se a ver estão os pássaros da manhã a chilrear e até se esqueceu de comer.
Ela é mãe, trabalhadora e quase-dirigente-sindical.
Devia era pedir a demissão desses cargos todos e ficar só a receber, ler e escrever como nas classes abastadas do século XIX.
Se calhar até ganharia gosto pelo bric-à-brac....

Vai-se acostar se não adormece com a cabeça no teclado.

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15 junho 2010

5 noites, um pesadelo


littlewhitehead



Esta gente assusta. Está para lá do debate. Não se dirigem à razão mas ao cérebro profundo, combatente e tribal. São de uma falsa radicalidade. Porque no fundo do seu pensamento estão as ideias simples e perigosas que levaram à guerra e ao sacrifício. A desconsideração do Outro, a ideia de que há vidas mais estimáveis e mais valiosas, que os fins justificam os meios, que a violência é parteira de uma história cujo sentido lhes foi revelado. Não há debate político no meio da algazarra. Nem eles querem nenhum debate. Querem amedrontar, inibir os medrosos, excitar os exaltados anónimos que inundam os comentários dos blogs e devem constituir os exércitos de reserva dos psis em tempo de paz e o recrutamento natural das falanges em tempo de guerra. São uma doença contagiosa que tem uma única virtude: lembrar a natureza do Mal.

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12 junho 2010

Sócrates inocente. Os culpados somos nós


Jeremy Melvey



O Expresso publica na íntegra o Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso TVI.
Apesar do comportamento dos representantes do PS e do presidente da Comissão, da campanha que os comentadores encartados e a maioria dos jornalistas levaram persistentemente a cabo ridicularizando a actividade da Comissão e não permitindo à opinião pública tomar conhecimento dos aspectos fundamentais da inquirição, sempre ocultados pelo fait-divers e pelo folclore; apesar do comportamento arrogante do primeiro-ministro que não compareceu presencialmente e do carácter demencial das respostas de Vara; apesar do homem-de-mão do PS e do governo se ter recusado a responder à Comissão; apesar do presidente da Comissão ter proibido a utilização das escutas a Sócrates e Vara; apesar de tudo isso e muito mais a Comissão elaborou um relatório que vai ao arrepio da tradição parlamentar portuguesa e restitui ao Parlamento a sua função de vigilância dos actos do governo, nomeadamente num aspecto fundamental do funcionamento da democracia, a liberdade e pluralidade de imprensa.

Vale a pena ler o documento, as limitações à acção da Comissão, os depoimentos dos diversos inquiridos e confrontar a actuação dos membros da Comissão no esclarecimento da verdade e no respeito pela dignificação do trabalho parlamentar.

Destaco das conclusões:

10. Tomando por referência o debate parlamentar em que interveio o primeiro- ministro e em que este, pela primeira vez, aborda publicamente o negócio PT/TVI – dia 24 de Junho, com início às 15h – o primeiro-ministro e o Governo tinham naquela data conhecimento que a PT estava a negociar a compra de uma participação na TVI/MEDIA CAPITAL.

Diferente questão, é saber como e quando o primeiro-ministro tomou conhecimento do negócio PT/TVI.

17. A CPI não dispôs de condições para identificar a fonte particular que esteve na origem do conhecimento do primeiro-ministro sobre o negócio PT/TVI, nem quando tal ocorreu.
18. A dificuldade em identificar a fonte particular, através da qual o primeiro- ministro tomou conhecimento do negócio PT/TVI, resulta do facto, demonstrado e comprovado pela CPI, de ele ter extravasado as fronteiras das empresas nele interessadas e de ter chegado ao conhecimento de diversas pessoas sem qualquer ligação ou relação com aquelas empresas ou com aquele negócio em particular e que, nalguns casos, são das relações pessoais do primeiro-ministro e/ou com ele apresentam afinidades político- partidárias, como é o caso de Armando Vara.
19. A recusa de Rui Pedro Soares em depor perante a CPI, as limitações invocadas por Armando Vara e Paulo Penedos nos respectivos depoimentos à CPI e as respostas do primeiro-ministro à CPI, não permitiram esclarecer se, as conhecidas e reconhecidas relações pessoais e político-partidárias existentes entre eles e as conversas que mantiveram enquanto o processo decorria, estão na origem do conhecimento revelado pelo primeiro-ministro sobre o negócio PT/TVI.


E não resisto a reproduzir um período da introdução:

A CPI obteve informação até então desconhecida, esclareceu muitos equívocos, deu transparência a muitos aspectos sombrios, identificou e desfez inúmeras incoerências e contradições, revelou as fragilidades e a falta de credibilidade de muitas afirmações e declarações proferidas pelos principais intervenientes no processo de aquisição da TVI, quer antes quer depois do início dos seus trabalhos, dentro e fora das audições.
Este património de trabalho, plasmado nas páginas deste Relatório e nas suas Conclusões, permitiu o apuramento dos factos e a identificação das diferentes responsabilidades dos protagonistas deste longo e persistente processo de aquisição da TVI e das tentativas de alterar a sua linha editorial.


Acho por isso estranho, e só explicável pelo obscurecimento da Razão que a paixão partidária e o comportamento tribal induzem mesmo nas mentes esclarecidas, que os apoiantes de Sócrates na blogosfera não vazem os olhos e se dediquem apenas aos negócios e à preparação da travessia do deserto em condições de conforto.
Confundir a acção política da Comissão com a acção de investigação que cabe aos desacreditados órgãos da justiça é um golpe baixo. Esperemos, pelo menos, que os que hoje desacreditam os deputados por agirem "como polícias", amanhã não se calem quando se constatar que os polícias parecem agir como políticos.

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Dona Matilde no Parlamento



A entrevista da semana foi a de Matilde Sousa Franco a uma cadeia de televisão. Lamento que não tenham visto. Mesmo eu, que estive atento, não sei se vi. A senhora não percebia as perguntas e responde às questões da pré-gravação. Pelos vistos era independente. Pelos vistos esteve sempre em desacordo com a linha oficial do partido do governo. E sempre a ameaçar ir-se embora. Mas eles não a deixaram. Eles eram muito maus. Alguns deixaram de lhe falar. Outros nem se sentavam ao lado dela. E ela sempre a ameaçar ir-se embora:
-Pego na minha carteira e vou-me embora.
Mas eles não consentiram.
A senhora lá ficou, mártir sorridente, entretida a fazer declarações de voto e a pedir audiências ao Sócrates que nunca a haveria de receber.
Falou três minutos na legislatura. Ontem a televisão deu-lhe dez, que ela desperdiçou sem nos comunicar as razões da sua formidável dissidência.
"Quando Forster teve sexo, deixou de escrever romances", é o título de uma crónica deliciosa de Alexandra Lucas Coelho no Ipsilão de ontem. Dona Matilde ainda nos pode dar um relato de assombro sobre a sua vida parlamentar.

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10 junho 2010

10 do 6


Scott King



Pedro Lomba escreve hoje um texto interessante na última página do Público. Diz ele que a direita tem vergonha de celebrar e a esquerda é avessa à própria ideia de celebração.
Lomba desenvolve depois uma teoria da celebração com a qual genericamente estou de acordo, embora, quando aprofundo, fique progressivamente confuso. Queixa-se ele de não celebrarmos convenientemente “ o princípio e o fim do ano lectivo, a atribuição de prémios e diplomas, a entrada e saída dos estudantes, etc.”
Não sei se é verdade.
Os meus vizinhos de cima, novos alunos da UC, estão desde Outubro de 2009 numa celebração contínua, com ciclos de médio entusiasmo, um pico semanal na quinta-feira à noite e um domingo de abatimento. De Outubro a Janeiro a Reitoria, a Associação Académica, o núcleo da Faculdade, a Filantrópica, o Instituto Justiça e Paz, a Opus Dei e as Jotas competem para que esta celebração não esmoreça. E em Maio, pontualmente, O Quim Barreiros e o Sex Sound System comemoram com os estudantes o fim do ano lectivo e o começo dos exames.
Não há falta de comemorações. Talvez Pedro Lomba gostasse de outra forma de comemoração. No que me diz respeito tento fazer o melhor. Quando me elegeram para o Sindicato dos Carteiros criei a Gala Anual dos Jovens Carteiros.
Nunca funcionou com a dignidade e a gravitas que Pedro Lomba decerto imagina nas celebrações que propõe e a mim não desagradariam. Um ano foi o cattering, no outro os audiovisuais, no outro o convidado que tinha a cargo a Palestra sobre a História dos Correios e a Malaposta.
A minha mãe, com quem discuti este tema, acha que quem sabia de comemorações era a Mocidade Portuguesa e a Legião e que não há celebração sem hinos, bandeiras e medalhas. Não é verdade. Uma das vezes, nos Correios, hasteámos bandeiras, distribuímos medalhas e tocámos o hino dos CTT na versão de 1970. O problema está nas pessoas. Por mais medalhas que usem, mais bandeiras desfraldem, mais hinos entoem, falta-lhes convicção. Falta a Raça, a Nação-étnica, o Inimigo. O meu tio disse que só fazia sentido comemorar a Cultura. Mas que cultura havemos de comemorar ? A cultura árabe de Mértola? A cultura da Expansão? A cultura de Dom Miguel e das passeatas a Colares? A cultura romântica? A Maria da Fonte ? A cultura higienista dos cemitérios ? A cultura das aldeias históricas? A cultura urbana dos shoppings? A cultura das províncias ultramarinas ? A cultura da luta anticolonial? A cultura dos CTTs privatizados? O Quim Barreiros? Ou a vocalista dos Doutor Pasavento?
-Todas!- disse o meu primo eclético.
- A de Bruxelas, que ao menos é supranacional – disse a minha prima que trabalha na Comissão.
- A cultura da paz- disse a tia Palmira, que não gosta de discussões e acha que está na hora do jantar.

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09 junho 2010

Os trolhas que paguem a crise


Saatchi galery


Li num texto que comparava o capitalismo de há 50 anos com o actual: em 1960 um gestor de topo de uma grande empresa ganhava 60 vezes mais que um operário da base produtiva.
Hoje, um homem como António Mexia ganha 600 vezes mais que um trolha da EDP. Estou a escolher ao acaso. Não me move qualquer antipatia pessoal para com António Mexia ou para António Coelho (desde Updike que os trolhas se chamam Coelho). É claro para quase toda a gente que Mexia vale 600 trolhas. Com Mexia realiza-se um sonho comunista: de cada um segundo as suas possibilidades e a cada um segundo as suas necessidades. Hoje na rádio da manhã, meu único contacto com a realidade, estava um senhor a explicar que Mexia devia continuar a ganhar o que ganha, 600vezestrolha, porque "não se quebram expectativas a meio de um contrato nem se avalia o trabalho de ninguém sem o comparar com os pares".
Não sei quando foram quebradas as minhas expectativas nem conheço os pares de Mexia. Mas concordo. A expectativa de Mexia 600trolhas, a quebrar-se, pode largar estilhaços milhas em redor. E quem está preparado para avaliar os pares de Mexia? Além do mais uma avaliação dessas seria demorada, só o Estado a poderia fazer e ficaria caríssima: 6 000trolhas de impostos , sei lá.

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08 junho 2010

Qualquer homem é uma puta qualquer


littlewhitehead

Qualquer mulher faz bem de puta. Vi no teatro dos estudantes. É o papel mais fácil. Até as más actrizes se transfiguram.
Qualquer homem faz bem de louco. Si puó fare, o filme do Ciclo italiano, confirma. Luca, Gigio são, num momento, psicóticos aterradores e no outro ternas criaturas.

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07 junho 2010

São inocentes e culpados




O jornal El País de hoje, domingo, publica em destaque o diário de bordo de Henning Mankell, um dos tripulantes do barco interceptado pela marinha de Israel a 31 de Maio.
Mankell , de nacionalidade sueca é um escritor que El País considera" um dos grandes nomes da narrativa nórdica actual".
O registo inicia-se a 25 de Maio e acaba a 1 de Junho e reveste-se de grande interesse.

...la operación Ship to Gaza está por fin preparada, al parecer, y debo sumarme a los demás en Chipre.

Assim começa a descrição sumária da expedição de Mankell. Do meu ponto de vista seria importante que o escritor sueco nos dissesse alguma coisa sobre quem preparou e como foi preparada a iniciativa. Quem coordenava e com que apoios contava, políticos e materiais?
Quem o contactou? Que conhecimento teve ele sobre as organizações que a desenvolveram?
Esta elisão marca negativamente todo o registo de Mankell.

...de repente me desconcierta la sensación de que no he tomado conciencia plena de que se trata de un proyecto que los israelíes odian hasta tal extremo que seguramente recurrirán a la violencia para obstaculizar el avance de la flotilla- continua.
E mais à frente:
Se trata de una empresa totalmente definida también en lo que se refiere a ese punto: nosotros actuaremos sin violencia, no vamos armados, no existe la menor voluntad de enfrentamiento físico. Si llegan a detenernos, todo se desarrollará de modo que la vida de los participantes no corra peligro.

Nós…? Quem é este nós que decidiu esta estratégia? Como é que Mankell, um franco atirador bem intencionado segundo creio, pode assegurar que esta decisão será cumprida? Participou do processo de decisão? Que conhecimento tem, relativamente à liderança desta acção complexa, que o seu protesto individual será respeitado e não manipulado, utilizado para outros fins?

Depois de Nice, Henning Mankell vai para Nicosia onde, no Centrum Hotel, escreve:

De vez en cuando advierto la tensión que domina las relaciones entre los diversos grupos al frente de este proyecto tan complicado. El comedor donde desayunamos se ha convertido en una sala de reuniones secretas. Nos van pidiendo que entremos para firmar diversos documentos y para que dejemos constancia de quiénes son nuestros familiares más cercanos, en caso de que suceda lo peor. Todos firman sin pensárselo. Luego nos dicen que esperemos. Que estemos alerta. Son las palabras más usadas esos días: "esperar, estar alerta".

Não tinha consciência do ódio que Israel certamente devotaria a este processo e assina sem pensar diversos documentos. Para um activista intelectual este nível de informação é pouco abonatório. E mais uma vez choca esta véu envolvendo as lideranças : pedem-lhes que assinem. Dizem-lhes para esperar.

Dois dias depois acrescenta: Empiezo a preguntarme si no tendré que abandonar la isla sin haber subido a bordo. Al parecer, no hay plazas suficientes. Al parecer, hay listas de espera para participar en este proyecto solidario.

Não há lugares suficientes. Ele será escolhido. Com os obscuros turcos que, sabe-se agora, "queriam ser mártires", o novelista e dramaturgo sueco será escolhido. Quem escolheu? Porque o escolheu? Mankell não perguntou.

Mas “De repente, todo se precipita” . O sueco é chamado e, numa lancha rápida, levado ao cargueiro Sofia e posteriormente ao Mavi Marmara. O relato é sempre do mesmo tipo: dão-lhe a conhecer regras que não discute, não tem acesso a informação sobre as intimidações israelitas, não participa do processo de decisão. Carne para canhão, o intelectual europeu, espera “ a intervenção israelita”.
O resto do relato é surpreendentemente omisso sobre a confrontação que levou à morte e ao ferimento de muitos dos activistas.
O repúdio geral pela forma como a marinha israelita actuou já se fez ouvir. Quase metade da população de Israel partilha dessa condenação. Multidões reuniram-se no Irão e em outras ditaduras islâmicas, na Turquia e nas maiores praças da Europa.
A palavra foi dada a intelectuais como Mankell, que viveu, como relata, horas terríveis.

Mas não será legítimo pedir aos intelectuais europeus, quando se envolvem em acções concretas de apoio humanitário ou político aos palestinianos, que percebam com quem vão e leiam os documentos que assinam.

Os intelectuais europeus estão sempre disponíveis para estas aventuras . Como, noutro contexto, disse Justo Navarro a Vila-Matas:
“ Fazem isso porque são inocentes. São inocentes e culpados ao mesmo tempo.”

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03 junho 2010

Histórias antigas


saatchi gallery


Um dia o banqueiro que dizia:
-Tudo se compra e tudo se vende. Menos uma coisa, sabem o que é?
recebeu a visita de um homem que queria comprar a sua honra.
O banqueiro ouviu silencioso as ofertas de compra que pareciam adequadas ao mercado e à posição estratégia da honra. Perturbado pelo silêncio o homem aumentou as ofertas. Num certo momento, o banqueiro abriu a gaveta da secretária, sacou um revólver e disparou sobre o homem que queria comprar a sua honra.
-Porquê - perguntou o homem, ferido de morte.
- Porque se está a aproximar perigosamente do meu preço - respondeu o banqueiro.

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02 junho 2010

Adeus Louise

01 junho 2010

Cosmonauta




Cosmonauta, de Susanna Nicchiarelli, é um dos filmes do festival de Cinema Italiano neste momento em exibição em algumas localidades.
Na Itália do início dos anos 60 uma adolescente inicia-se na militância comunista e na frequência de uma sede do PCI num bairro popular de Roma.
Cosmonauta é uma visita inteligente e comovida a um tempo que, nas palavras da realizadora, "não conhecemos directamente, idealizámos como mito e , à medida que nos aproximávamos desse mito, ele ia-se alterando e adquirindo aspectos de pesadelo".
Cosmonauta retrata, na matéria dos filmes, essa contradição: a epopeia celeste dos proletários confrontada com as bancadas dos gerontes do Politburo russo, a mulher que entra na cápsula espacial e simboliza a aspiração feminina de emancipação e igualdade, a aparelhar um rosto que parece uma máscara funerária e a subir pesadamente as escadas de um espaço carcerário. A gesta soviética acaba com as imagens do primeiro homem na lua que, como se sabe e o filme revela num desencantado genérico final, não é o cosmonauta soviético mas o astronauta americano.
O filme é lindíssimo, num estilo retro que nunca é caricatural. De noite, num terraço de uma colina de Roma, os dois irmãos órfãos, Luciana e Arturo, deitados no chão, olham os céus, que são agora sulcados pela cadela sacrificial comunista e por homens e mulheres novos, proletários, que saúdam, com fórmulas de cortesia, os habitantes dos países que a nave cruza.
Arturo e Luciana são talvez uma marca do comunismo italiano do início dos anos 60: sonhadores e ingénuos, acreditando numa URSS que não existia, onde o Kasakistão ficava nos arredores de Moscovo e a mulher libertada convivia com a tecnologia de ponta. Arturo tem epilepsia, fabrica engenhos artesanais que o queimam, leva consigo papéis com a morada domiciliar para o caso provável de se perder ou ser encontrado em episódio comicial, mordendo a língua. Luciana é linda e sem jeito, como uma komsomol que ignorasse a história. Ela deitou fogo à sede dos traidores de classe e, se a deixassem, destruiria a sede comunista. Porque uma esquerda assim, ignorante e religiosa, presa de um mito que cabe na caixa de latão de um adolescente retardado, merece perecer.
Porque será que nos parece que somos nós que morremos, sem pai, com um padrasto fascista que apesar de tudo gosta da nossa mãe, da mulher com quem podemos chorar e nos diz; temos de ter força, já passámos por tanta coisa juntos, temos de ter força ainda, desta vez.

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