Biogeografia
John Berger diz, em Here is Where We Meet, que Lisboa é a primeira cidade africana e que o deserto começa para lá do Tejo.
A norte do Tejo, bem a norte, estão hoje 37 graus à sombra, qual sombra. Morrem as árvores, calcinadas e secou a relva de plebeia, a que crescia fora dos campos de golfe. As matas secas só esperam a misericórdia do fogo. De meninges quentes, os homens, enlouquecidos, ateiam chamas nos eucaliptais. Os que não fugiram choram, sob as câmaras implacáveis. Já ninguém se compadece, ninguém ajuda.
A biogeografia deve explicar que estes lugares não são propícios à filosofia, à indagação peripatética, ao espírito crítico. Na África da Europa qualquer discussão se incendeia, qualquer diferendo liberta fumo. Não há moderados no Grande Marrocos do Norte, capital Lisboa. A escola de Verão dos sociais –democratas, diz quem lhe sobreviveu, parece uma madrassa afegã. No Rossio, madame Lizt fait des listes, das presenças, das ausências, das precedências. No Parque, uma criança ficou parada, de olhar vago, não respondeu quando a chamaram pelo nome, nem quando lhe disseram que ia passear, ver os popós. As margens do Reno, os lagos dos Alpes, as montanhas da mitteleurope, as planícies do Norte criaram a dissidência protestante, o calvinismo, a lógica e o método científico. O sul especializou-se na emigração, na dolce vita, na poesia e na pirotecnia.
O norte tem as saunas e o culto do corpo. O sul tem o suor e a matança do porco.
Caminhando nas margens do lago de Bienne reencontrei Sebald, Rousseau e um pedaço bom de mim próprio.
Agora já secaram todas as árvores que reguei. Mudo de roupa mas não consigo mudar de cheiro. Sou de novo um homem condenado ao deserto. Caminho rente aos muros, piso os rastejantes e o cheiro do subdesenvolvimento cola-se-me à pele.
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